Uma eventual mudança da embaixada do Brasil em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém é uma ameaça concreta às exportações do país ao mundo árabe e à possibilidade de que essa parceria comercial se aprofunde para agregar valor à pauta e estimular investimentos.
Esse é o alerta do egípcio Khaled Hanafi, secretário-geral da União das Câmaras Árabes de Comércio, que funciona como um braço econômico da Liga Árabe. Fundada em 1945, a liga é formada atualmente por 22 países, que importaram US$ 11,5 bilhões em produtos brasileiros em 2018, principalmente do setor de agronegócios.
Ao Valor, Hanafi fez questão de esclarecer que não fala em nome de governos e evita analisar politicamente as questões nas quais se envolve por suas consequências econômicas – caso da possível mudança da embaixada do Brasil em Israel. Mas deixou claro que sabe como ninguém os riscos embutidos em uma medida como essa, sobretudo se disseminada entre os consumidores finais dos países árabes.
“Representamos a iniciativa privada dos 22 países árabes – ou seja, cerca de 75% do Produto Interno Bruto e percentual semelhante de empregos nesses países. E os empresários estão preocupados. Estávamos esperando um crescimento dos negócios entre o Brasil e o mundo árabe, mas esse assunto [a eventual mudança da embaixada] é muito crítico”, afirmou ele.
Hanafi lembrou, por exemplo, que divergências políticas costumam limitar o avanço de produtos e serviços de outros países nos mercados da Liga Árabe. Preferiu não nomear países e produtos, mas creditou a esse tipo de problema o fato de refrigerantes, bebidas e redes de fast food estrangeiros, por exemplo, terem encontrado dificuldades em se estabelecer nessa fronteira.
Questionado se fazia referência aos Estados Unidos, Hanafi realçou que as relação entre árabes e americanos estão em um patamar muito mais elevado, dos pontos de vista comercial e de investimentos. “Há uma diferença de modelo de negócios, e os EUA têm uma mídia muito forte, capaz de atenuar a resistência dos consumidores árabes. Não consigo ver isso no Brasil”.
Ainda que seja um dos mais importantes exportadores de alimentos aos 22 países da Liga Árabe, o Brasil não se destaca pelos investimentos naquele região. Mas, na visão de Hanafi, pode caminhar para ganhar força também nessa frente. “É hora de incentivar esses investimentos”, afirmou o egípcio.
“O novo governo brasileiro já sinalizou que busca o aumento do PIB e a queda do desemprego, com mais oportunidades de negócios com empresas estrangeiras. E a nossa região é atraente para homens de negócios do mundo todo. Nossa população é de cerca de 400 milhões de pessoas, sem contar a influência que temos em regiões vizinhas, como a África”.
De acordo com Hanafi, o potencial de ampliação do comércio entre o Brasil e os países árabes é grande se for levado em consideração o trabalho que os países daquela região têm de fazer pensando em sua segurança alimentar.
Se essa preocupação dos árabes, que passa pelo fortalecimento das produções locais, pode provocar alguma queda de exportações de produtos agropecuários no curto prazo – caso recente da Arábia Saudita, que reduziu o número de frigoríficos brasileiros habilitados a exportar carne de frango a seu mercado -, também pode gerar, em um segundo momento, oportunidades de investimentos.
“Podemos aumentar o processamento de matérias-primas importadas do Brasil no Oriente Médio. Podemos fazer isso com a soja, por exemplo”, disse. Conforme Hanafi, outro foco de projetos é o setor de logística. “Estamos identificando portos nos quais podemos investir em hubs logísticos para receber produtos brasileiros destinados ao mundo árabe e a outros mercados”, afirmou ele, citando novamente a África.
Os projetos não se restringem à agregação de valor – com a eliminação de intermediários no comércio – ou à logística. Hanafi revelou que está entre os planos árabes inclusive o estabelecimento de uma bolsa de commodities, na qual certamente os produtos brasileiros teriam destaque.
Hanafi fala com conhecimento de causa. Ele já foi ministro do Abastecimento e Comércio Interno do Egito, Pasta responsável por boa parte das importações de alimentos do país, que lidera as compras de produtos brasileiros (ver infográfico) nos países da Liga Árabe.
Nos esforços para sensibilizar Brasília sobre os riscos comerciais de uma eventual mudança da embaixada em Israel, a União das Câmaras Árabes de Comércio conta com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira (CCAB), que está sob seu guarda-chuva e, como já mostrou o Valor, já vem conversando com o Ministério da Agricultura sobre o tema. Com o apoio da CCAB, que tem sede em São Paulo, Khaled Hanafi estará nesta terça-feira em Brasília, onde se reunirá com a ministra Tereza Cristina.
Por Fernando Lopes (Valor Econômico)