A forte desvalorização dos ativos brasileiros por causa da escalada da crise do Covid-19 começa a estimular análises de que os preços podem embutir alguma atratividade neste momento, mas de forma geral analistas ainda mostram hesitação, diante das incertezas sobre a profundidade e extensão da crise e também do imbróglio político doméstico.
Apenas na semana passada, o dólar caiu 4,06%. No acumulado de terça e quarta-feira, a cotação cedeu mais de 5%, mais forte desvalorização de dois dias em 11 anos. Esse movimento foi atribuído em parte a uma realização de lucros depois de a moeda ter saltado mais de 11% no somatório das duas semanas anteriores.
Também na última semana de abril, o Ibovespa subiu quase 7%, elevando a recuperação no mês para 10,25%, após tombo de perto de 30% em março. E a inclinação da curva de juros entre os vencimentos janeiro 2025 e janeiro 2021 caiu quase 79 pontos-base nos últimos quatro pregões do mês, depois de ter disparado 144 pontos-base entre 17 e 24 de abril.
Em todos esses mercados, a percepção de alívio na cena política foi crucial para a melhora. Investidores retiraram parte do prêmio de risco criado por temores de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, seria o próximo a deixar o governo após a conturbada saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça.
A descompressão ocorreu porque recentemente Guedes voltou a receber apoio publicamente tanto do presidente Jair Bolsonaro quanto de ministros palacianos.
Luiz Eduardo Portella, sócio-fundador da Novus Capital, disse que os mercados brasileiros vinham “descontados” recentemente em relação a seus pares emergentes, com um adicional de impacto vindo justamente do aumento do ruído político.
Em reais, o Ibovespa cai 30,39% em 2020, pior desempenho entre 45 índices globais de ações. Nas contas do MSCI, em dólar, o mercado de ações do Brasil desaba 48,67% no ano, maior queda entre emergentes. O tombo em moeda estrangeira ocorre em meio à desvalorização de 26,2% do real ante o dólar neste ano —também a mais forte entre emergentes.
“Invertemos a mão. Estávamos 70% comprados em bolsa americana e 30% na brasileira. Agora é o contrário”, afirmou Portella, para quem a queda do índice aos 72 mil pontos foi “exagerada”.
Na mínima do dia 24 de abril, quando Moro anunciou que deixaria o governo, o Ibovespa quase entrou em “circuit breaker” ao despencar 9,58% na mínima e atingir 72.040,82 pontos.
Aos afeitos a análise técnica, em dólar, o Ibovespa está nas mínimas desde maio de 2016, no limite de uma linha de suporte —o que indicaria maior dificuldade para queda a partir de agora. E o quociente preço/lucro das ações do Ibovespa está, em média, em 9,65, abaixo dos 11,5 de média histórica, indicando que a bolsa como um todo parece barata.
Dentro do mercado acionário alguns setores têm chamado mais atenção positiva. Sem surpresas, o segmento de saúde deve emergir do surto com “vantagem competitiva ainda melhor”, na avaliação do BTG Pactual, que mantém em lista de “favorecidas” Hapvida, Grupo NotreDame Intermédica e SulAmérica.
O banco ainda recomenda compra de Locamerica e Movida, acreditando que o setor de aluguéis de carros se recuperará em 2021 por uma “demanda reprimida” por esse serviço. O BTG vê o segmento imobiliário se beneficiando à frente caso as taxas de juros permaneçam baixas.
O juro, aliás, é o mercado que carrega mais atratividade neste momento, segundo Bernardo Zerbini, um dos responsáveis pela estratégia da gestão macro da gestora AZ Quest.
Ele notou que as expectativas de inflação têm caído a despeito da depreciação do real, já que o mergulho da economia não tem dado “condição alguma” para repasse de preços. “Não acredito em juro (nominal) a 1%, mas acredito que possa ir a 2%”, disse.
A taxa de 2% está quase 57 pontos-base abaixo da apontada pelo FRA de DI como Selic média para dezembro deste ano. Ou seja, apesar de o DI janeiro/2021 ter caído quase pela metade desde os picos de meados de março, a curva curta –mais correlacionada à política monetária— ainda estaria “premiada” na avaliação do gestor, dada a expectativa de que a Selic caia ainda mais do que o precificado nos derivativos.
RISCO NO JURO LONGO
Quanto ao nível de preço da curva longa, Zerbini adota uma cautela compartilhada por outros no mercado. “A curva está inclinada por aversão a risco e incerteza fiscal. E segue inclinada mesmo com alguns fatores ajudando, como a falta de emissão pelo Tesouro e a possibilidade de o BC fazer operação ‘twist’”, afirmou.
O spread entre os DIs janeiro 2025 e janeiro 2021 caiu na semana passada, mas segue 65,5 pontos-base acima da mínima de abril e quase 200 pontos-base mais alto que o piso do ano, atingido em meados de fevereiro.
Estrategistas do Morgan Stanley não apenas não veem atratividade como passaram na semana passada a ficar “bearish” (negativos) na curva de juros brasileira, citando maiores riscos domésticos —inclusive políticos. Eles projetam que a diferença entre os DIs de cinco anos e um ano aumente “mais em direção a 500 pontos-base”.
O spread entre os DIs janeiro 2025 e janeiro 2021 está em 370,5 pontos-base.
Mesmo reconhecendo que a curva longa parece mais “atrativa” agora, profissionais do Bank of America acreditam que esse trecho continuará sob pressão caso os ambientes global e doméstico permaneçam voláteis.
O BofA avaliou que o salto na inclinação da curva —com “substancial” adição de prêmio de risco— decorreu da deterioração do contexto econômico e político “significativamente maior” do que em outros mercados latino-americanos, com players precificando uma “substancial” deterioração fiscal.
“Mantemos nossa posição em juro real maio 2021, uma vez que o risco de repasse cambial à inflação está subprecificado, em nossa visão”, disseram Gabriel Tenorio, David Hauner e Claudio Irigoyen em relatório da semana passada.
DÓLAR
Portella, da Novus Capital, acredita que a alta recente dólar já mostra certa exaustão. “O dólar estava caminhando para 6 reais. Foi um movimento muito exagerado”, disse.
A moeda norte-americana chegou a saltar para 5,7491 reais no dia 24 de abril, máxima histórica nominal intradiária. Nos dias seguintes, a cotação teve alívio, com queda nas taxas de rolagem de contratos de dólar futuro na B3 entendida por alguns no mercado como um sinal de dólar em baixa no curto prazo. Mas a moeda voltou a subir na última sessão de abril.
“Guedes fala de um dólar em torno de 5 reais. Nesse, sentido, não acho que os preços de agora estão tão fora de lugar”, afirmou Roberto Indech, estrategista-chefe da Clear Corretora. Na quarta-feira, o ministro da Economia avaliou que o câmbio está indo para seu “lugar real”, o que ajuda a proteger a indústria brasileira.
O colapso nos diferenciais de juros entre o Brasil e a falta de crescimento econômico têm pesado contra a moeda brasileira há anos, e muitos no mercado veem esses fatores como mais ativos neste momento.
O spread entre as taxas de juros de mercado de um ano no Brasil e nos EUA está na casa de 2,9 pontos percentuais, em torno de mínimas históricas. E a expectativa de vários economistas é que o PIB retraia em 2020 cerca de 5% ou mais, maior queda da história.
“Uma moeda é influenciada por diferenciais de crescimento e juros. A soma dos dois PIBs de 2020 e 2021 ainda será negativa, e os juros continuarão caindo. Isso dito, a moeda fraca veio para ficar”, afirmou Zerbini, da AZ Quest. Ele projeta que o PIB contrairá “entre 5% e 6%” neste ano e subirá 3% em 2021.
No curto prazo, o Morgan Stanley atribui recomendação “underweight” (abaixo da média do mercado) para o real, na esteira do maior fluxo de notícias negativas no campo político.
“Esperamos que o dólar opere acima de 6,00 reais nas próximas semanas/próximos meses, com o BC mantendo uma estratégia de intervenção para apenas suavizar a transição rumo a patamares mais fracos”, disseram estrategistas do banco. (Reuters)