Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e diretora-executiva da Agrifatto
Após 9 anos, os preços do boi gordo se embrenharam novamente em uma tendência altista de chamar a atenção. De janeiro a novembro, as cotações nominais subiram impressionantes 51%, partindo de R$ 152,00 para os atuais R$ 230,00/@.
O mercado chegou até mesmo a inaugurar um novo padrão de apregoação. Os negócios têm variado a cada R$ 10,00/@.
Mas tanto entusiasmo e euforia levaram à necessidade de renovação de movimentos, com a consequência de uma volatilidade maior e, com ela, maior risco e certa miopia. Análises mais maniqueístas de quem opera em mercados alavancados começaram a circular. Em uma semana, as análises de mercado variaram o conteúdo pautando comentários desde “desabastecimento do mercado interno” a notícias falsas dando conta de que a “China deixou containers de carne abandonados nos portos”.
Assim, torna-se importante tirar a lente de aumento e concentrar as atenções em análises que destacam o cenário macro do mercado de proteínas.
Atualmente, há três grandes drivers que dão tom às cotações:
- A virada do ciclo pecuário para sua fase de alta, que tem como catalisador o aumento expressivo da participação de novilhas nos abates totais;
- A lenta, mas consistente retomada do crescimento econômico, que trouxe as menores taxas de juros da história, retomada do emprego dentro ainda de um ambiente de inflação controlada – que pode apresentar algum desassossego em breve;
- O de maior destaque e impacto, a liquidação do rebanho suíno chinês por conta do surto de Peste Suína Africana (PSA), que derrubou os estoques globais de proteínas animais e levou o gigante asiático às compras globalmente.
A PSA já é assunto batido. Desde agosto de 2018 temos debatido insistentemente seus possíveis efeitos e consequências neste espaço. Dentre eles, destacamos a inflação de alimentos chinesa, que atingiu níveis alarmantes.
Gráfico 1.
Evolução da inflação de alimentos na China (% a.m.).
Com o enorme problema de abastecimento que se formou, não é de impressionar que a China desse início à habilitação de plantas frigoríficas em todo o mundo, tendo como principal alvo unidades de abate de bovinos, cuja eficiência alimentar dificulta um investimento governamental com rápida resposta produtiva, como é o caso do frango. O maior número se concentra na Argentina, que atualmente possui 50 plantas de abate bovino liberadas para a exportação de carne para a China.
O principal motivo é que a arroba argentina em dólares é atualmente a mais barata do mundo, seguida pelo boi paraguaio e brasileiro.
Considerando outros competidores, o Índice de Preços Pecuários da Agrifatto (IPPA) em dólares indica que as cotações globais do boi gordo subiram 10% nos últimos 12 meses, um reajuste que é resultado do maior apetite chinês combinado à uma conjuntura mundial que traz como protagonista a produção pecuária brasileira.
Os preços da carne importada chinesa são mais baratos do que a carne produzida internamente, resultado do forte aumento do poder de compra da população combinado à dificuldade de incentivar a produção doméstica de carne bovina. Atualmente, a China já soma 835 frigoríficos habilitados em todo o mundo, sendo 362 de abate bovino. Com esse apetite, não é de se impressionar que o spread (diferença de preços) entre a carne bovina importada e aquela produzida internamente tenha encurtado nos últimos tempos.
Gráfico 2.
Spread da carne doméstica e da carne importada na China (%).
Assim, a diferença de preços ainda existe e é negativa para a carne bovina importada, o que sugere a manutenção do apetite chinês pelo produto internacional, apesar da alta de preços que levou ao estreitamento da relação. Isso dita a demanda do gigante asiático pelos próximos 3 anos, que deve permanecer bastante aquecida.
Em outubro deste ano, a China ampliou em 68,5% suas importações de carnes e miúdos frente o mesmo mês em 2018, totalizando 534,74 mil toneladas. A necessidade de importar proteínas vivas dobrou sua despesa com este item, demandando US$ 1,764 bilhão no mês de outubro/19 (alta de 103,6%na comparação anual).
Pelo lado da oferta, as notícias não aliviam a pressão.
O rebanho bovino australiano está passando por um ajuste e deve impactar negativamente a produção de carne daquele país em 2020.
A produção argentina segue em recuperação após a grave crise vivenciada. Recentemente, o preço das fêmeas superou o dos machos pelo aumento do interesse na produção de bezerros, outro sinal de avanço produtivo projetado para os próximos anos, o que deve manter o país competitivo.
O Uruguai continua com a situação de oferta e demanda extremamente ajustada, o que levou à redução dos abates e seus preços em dólares a alcançar o maior patamar entre os concorrentes globais, acima até mesmo dos preços norte-americanos quando consideramos sua cotação em dólares. No ano, a alta registrada já passa dos 35%.
A Nova Zelândia, fornecedor tradicional do mercado norte-americano, tem direcionado seus embarques para também atender a demanda chinesa e, com isso, diversificar sua carteira de clientes, o que deve levar seus abates ao pico nos próximos meses. Entretanto, a competição pelo mercado chinês deve manter a oferta aos EUA ajustada.
E como o Brasil deverá passar pelo ajuste produtivo promovido pelo avançar do ciclo pecuário, seus preços tendem a se manter elevados em nível global, mantendo também valorizadas as proteínas de frango e suína. Assim, os estoques globais de proteínas animais prometem se manter ajustados e novos níveis de preços deverão ser registrados de acordo com a conjuntura particular interna de cada país produtor e sua contribuição no balanço global.
No mercado interno brasileiro, considerando a retomada do crescimento econômico lento e que parte de níveis historicamente altos de desemprego e endividamento, o consumo de carne bovina será uma questão de orçamento e não de preferência, mas os estoques globais ainda curtos deverão manter os preços em patamares elevados.
Essa conjuntura eleva os preços pecuários a um novo patamar histórico.