O Tesouro Nacional deve mudar “praticamente todos os indicadores” do seu Plano Anual de Financiamento (PAF) em razão das alterações nas condições de mercado por conta da pandemia do coronavírus, afirmou o subsecretário da Dívida Pública, José Franco de Medeiros, nesta quarta-feira.

“Não necessariamente haverá incremento na emissão de títulos atrelados à taxa Selic, mas sim a introdução de vencimentos mais curtos”, afirmou ele, em resposta por escrito a jornalistas.

“Essa alteração na estratégia foi feita com o objetivo de ajustar as colocações do Tesouro às atuais condições do mercado”, completou.

Questionado sobre o status do colchão de liquidez que o Tesouro tem à disposição, o coordenador-geral de Planejamento Estratégico da Dívida Pública, Luiz Fernando Alves, afirmou que a situação é de conforto de caixa para o Tesouro fazer frente às suas necessidades em função das emissões dos últimos anos.

“O colchão de liquidez da dívida dá flexibilidade para ajustar a estratégia de financiamento de maneira a minimizar o impacto, sobre a gestão da dívida, das medidas fiscais para enfrentar o coronavírus, particularmente o volume de emissões do Tesouro”, disse Alves.

Em resposta à turbulência nos mercados financeiros que tornou-se mais aguda nas últimas semanas, o Tesouro deu início, em 12 de março, ao seu programa extraordinário de compra e venda de títulos públicos para fornecer suporte aos investidores.

Até esta quarta-feira, foram 35,6 bilhões de reais em títulos comprados. Considerando as vendas também realizadas, a recompra líquida atingiu 33,1 bilhões de reais, montante histórico. Segundo o Tesouro, não há teto para essas intervenções.

Em 2018, em meio à greve dos caminhoneiros, a recompra havia atingido 22 bilhões de reais.

O coordenador de Operações da Dívida Pública, Luis Felipe Vital, afirmou que inicialmente as atuações do Tesouro se concentraram nos mercados que apresentaram maior disfuncionalidade: NTN-Bs intermediárias e longas e prefixados longos, com o Tesouro atuando tanto na compra quanto na venda, de forma a criar referências para o mercado secundário.

“Ao longo das atuações, o Tesouro verificou maior estabilidade em alguns mercados, como o de NTN-Bs longas, e necessidade de atuar em outros, como o de NTN-Bs curtas. Com o tempo, observou-se um fluxo vendedor decrescente e investidores passando a demandar títulos nos níveis atuais de taxa”, disse Vital.

“O Tesouro continuará atuando por prazo indeterminado sempre que observar disfuncionalidade em qualquer segmento da curva de juros”, completou ele.

Em relação especificamente às LFTs, papéis atrelados à variação da Selic, o Tesouro cancelou o leilão que realizaria no último 12 e está há quase um mês sem acessar este mercado.

Para atender a preferência dos investidores por títulos mais curtos, o Tesouro atuará a partir desta quinta-feira com dois vencimentos de LFTs, em setembro de 2022 e em março de 2026, destacou Vital.

Ele afirmou que as condições de mercado também podem demandar uma alteração no mecanismo dos leilões desses papéis pelo Tesouro, com a volta do leilão de preço uniforme, no qual todos os investidores recebem a mesma taxa de corte.

O último leilão de LFT, realizado no fim de fevereiro, ainda contou com a dinâmica do preço múltiplo, em que cada investidor recebe a taxa de sua oferta.

Aos jornalistas, Vital avaliou que os leilões realizados há mais de um mês mostravam menor apetite por LFTs dada a busca dos investidores por ativos de maior retorno.

“Como as condições de mercado mudaram no último mês e os investidores tornaram-se mais avessos ao risco, é natural que haja uma demanda maior por esses títulos”, disse ele.

Quanto à inclinação mais forte da curva de juros, com os títulos longos atingindo seu maior patamar desde maio de 2019, a avaliação dos técnicos do Tesouro é que houve impacto de maior aversão ao risco e de um movimento maior de vendas na parte longa da curva, provocado por ordens de stop loss.

“À medida que o mercado tiver maior clareza de que as medidas (de combate ao coronavírus) se concentrarão em 2020 e em gastos discricionários e que as condições do mercado global se estabilizarem, a expectativa é que a inclinação da curva volte a se reduzir”, disse Franco.

“Adicionalmente, as emissões do Tesouro tendem a ser bem menores na ponta longa da curva, o que pode também contribuir para uma menor inclinação”, pontuou ele.

FEVEREIRO

A dívida pública federal do Brasil subiu 1,22% em fevereiro sobre janeiro, a 4,281 trilhões de reais. Para o ano, a meta atual no PAF é de um estoque da dívida entre 4,5 trilhões de reais e 4,75 trilhões de reais.

O alvo, contudo, foi estabelecido no fim de janeiro, antes do Covid-19 abalar fortemente os mercados e as perspectivas para a atividade econômica no mundo.

Em fevereiro, a dívida pública mobiliária interna teve avanço de 1,05%, a 4,1 trilhões de reais, em função da emissão líquida de 20,52 bilhões e apropriação positiva de juros de 21,97 bilhões de reais.

A dívida externa cresceu 5,23% no mesmo período, a 181,07 bilhões de reais. No mês, o dólar avançou 4,56%, embalado pela percepção de maior risco no mundo por causa do surto de coronavírus.

COMPOSIÇÃO EM FEVEREIRO

Em relação à composição, os títulos que variam com a Selic, representados pelas LFTs, continuaram com maior peso na dívida pública federal, mas reduziram sua parcela a 39,34% do total, sobre 39,60% em janeiro. Para o ano, a perspectiva pelo PAF é que representem 40% a 44% da dívida total.

Já os títulos prefixados avançaram a 29,89% da dívida, ante 29,52% no mês anterior, frente a uma meta de 27% a 31% para 2020.

Os papéis indexados à inflação reduziram sua representatividade para 26,31% do total, ante 26,60% em janeiro, sendo que a referência para este ano é de 23% a 27%.

Os títulos atrelados ao câmbio, por sua vez, foram a 4,46% do total, ante 4,27% anteriormente e meta de 3% a 7% no ano.

No relatório mensal da dívida, o Tesouro também informou que a participação dos investidores estrangeiros na dívida mobiliária interna subiu a 10,93% em fevereiro, sobre 10,89% no mês anterior. (Reuters)