“A faca utilizada deve ser bem afiada, para permitir uma sangria única que minimize o sofrimento do animal.” Pela lei islâmica da sharia, só se deve comer a carne de animal abatido com o mínimo de dor. Esse produto recebe o certificado halal, que quer dizer lícito, permitido.
Para os frigoríficos exportadores de carne para os países árabes é uma regra de sobrevivência. Quem não segue a lei, corre o risco de ficar fora de um mercado gigantesco: a população islâmica no mundo está em torno de 1,8 bilhão de pessoas, cerca de 24% da população mundial. E deve chegar a 2,8 bilhões em 2050, passando a 30% da população global, segundo dados de 2015 do Pew Research Center.
Desde os anos de 1980 o Brasil está de olho nesse mercado. O primeiro passo é submeter o frigorífico à certificação halal, quando uma agência controlada pelo governo ou uma organização islâmica reconhecida certifica a aptidão da indústria em praticar as determinações da lei. Os procedimentos avaliados se iniciam a partir criação do animal, passando pelo corte, armazenagem e comercialização dos produtos.
Embora o Brasil seja hoje o maior produtor e exportador mundial de carne de frango halal, apenas 300 dos seus quase 5 mil frigoríficos têm certificação. Técnicos do setor dizem que esse número deve aumentar rapidamente.
“No ano passado, o Brasil exportou quase 2 milhões de toneladas de carne de frango halal para 57 países islâmicos, 22 deles árabes”, diz Renato Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). “Somos o maior produtor e exportador desse produto no mundo.” Nos primeiros nove meses deste ano, apesar dos transtornos logísticos durante a pandemia, as exportações halal praticamente empataram com o mesmo período de 2019. Os embarques somaram 1,386 milhão de toneladas, volume 0,6% menor que no mesmo intervalo do ano passado. A receita caiu 15%, ficando em US$ 1,749 bilhão, segundo a ABPA.
Ali Saifi, CEO da certificadora Cdial Halal, líder do setor no Brasil e que vistoria cerca de 170 frigoríficos, diz que os países islâmicos estão se tornando mais exigentes na certificação, sobretudo aqueles que integram o Conselho de Cooperação do Golfo (GCC). Agora, para atestar que a carne de frango brasileira é halal é preciso focar não apenas nos frigoríficos e na criação das aves, mas também nos armazéns terceirizados e todos os locais por onde passa o produto. A preocupação é garantir, entre outras coisas, que não ocorra contaminação cruzada com carne suína. “Toda cadeia deve ser certificada desde a matéria-prima, insumos, transporte e armazenamento, inclusive as empresas que prestam serviços para as fabricantes”, diz.
Para ele, é importante que as empresas entendam que é um conceito geral e não basta o produto ter um selo de certificação halal na embalagem para ingressar neste mercado. “Os países compradores querem entender todo o processo para ter certeza da validação da certificação halal de acordo com as leis islâmicas.”
Segundo dados da Africa Economic Foundation e Dinar Standard, o mercado halal tem expectativa de faturar US$ 3,2 trilhões em 2024 e oferece boas perspectivas para empresas brasileiras, sul-americanas e mexicanas.
De acordo com as agências avaliadoras do mercado halal, no topo do ranking está o setor de cosméticos. A previsão é que atinja US$ 95 bilhões até 2024, com acréscimo previsto de 48% quando comparado com o ano de 2018, que foi de US$ 64 bilhões. Outro mercado atraente é o farmacêutico halal global, que em 2018 gerou US$ 92 bilhões em negócios. Para 2024, a previsão é de um acréscimo de 46%, atingindo US$ 134 bilhões. A classificação deste mercado inclui comprimidos, xaropes, cápsulas, entre outros medicamentos. (Valor Econômico)