Matt Kenyon
O veganismo disparou no Reino Unido nos últimos anos, de 500 mil pessoas em 2016 para mais de 3,5 milhões em 2018, representando 5% da população total. Documentários como “Cowspiracy” e “What the Health” colocaram holofotes sobre as indústrias de carnes e laticínios, expondo os impactos sobre os animais, saúde humana e meio ambiente.
Mas os apelos para que todos nós mudemos o consumo integralmente para alimentos à base de plantas ignoram uma das ferramentas mais poderosas que temos para mitigar esses males: pastoreio e navegação de animais.
Em vez de sermos seduzidos a comer mais produtos feitos a partir da soja, milho e grãos cultivados industrialmente, devemos encorajar formas sustentáveis de produção de carne e laticínios com base em sistemas de manejo rotacionado, pastagens permanentes e conservação de pastagens. Devemos, no mínimo, questionar o aumento de demanda por culturas que fazem uso intensivo de fertilizantes, fungicidas, pesticidas e herbicidas, enquanto demonizam formas sustentáveis de criação de gado, que podem restauram solos e biodiversidade, além de sequestrar carbono.
Em 2000, eu e meu marido transformamos nossa de fazenda de 1400 acres (566,56 hectares) em West Sussex em pastagens extensivas, usando rebanhos de gado Longhorn, suínos Tamworth, pôneis Exmoor e veados Red and Fallow como parte do projeto de “renaturalização”. Por 17 anos nos esforçamos para tornar lucrativo nossa produção agrícola e de leite, mas a qualidade do solo não permitia melhores produtividades. O problema encontrou uma solução. Agora, ecoturismo, aluguel de armazéns e 75 toneladas anuais de carne orgânica a pasto contribuem para um negócio lucrativo. Uma vez que os animais vivem soltos e com pastagem abundante, não necessitam de suplementação adicional e raramente precisam de auxílio veterinário.
Os animais vivem em rebanhos e soltos pela propriedade. Eles nadam em riachos e water-meadows. Eles comem o que gostam e descansam onde desejam, desprezando os celeiros abertos que tem como possível abrigo. O gado e os veados pastam em flores silvestres e gramíneas, mas também navegam entre arbustos e árvores. Os porcos rastejam pelos rizomas e mergulham com os cisnes em lagoas. A maneira como pastam, se amontoam e pisoteiam o solo, estimula a vegetação de diferentes maneiras, o que por sua vez, cria oportunidades para outras espécies, incluindo pequenos mamíferos e pássaros.
Crucialmente, por não aplicarmos vermífugos ou antibióticos, o estrume dos animais alimenta minhocas, bactérias, fungos e invertebrados, como besouros, que misturam o estrume com o solo. Este é um processo vital de restauração do ecossistema, devolvendo nutrientes e estrutura ao solo. A perda de solo é uma das maiores catástrofes que o mundo enfrenta hoje. Um relatório de 2015 da FAO afirma que, globalmente, 25 a 40 bilhões de toneladas de solo arável são perdidas anualmente por meio de erosões, causadas principalmente pelas lavouras e cultivos intensivos. No Reino Unido, a exaustão do solo é tão grave que, em 2014, a revista Farmers Weekly anunciou que só restam mais 100 colheitas. Deixar a terra arável em repouso e devolvê-la ao pasto por um período, como faziam os fazendeiros antes da criação de fertilizantes artificiais e do cultivo contínuo, é a única maneira de reverter esse processo, deter a erosão e reconstruir o solo, segundo a FAO. A pecuária a pasto, não só fornece aos agricultores uma renda, mas também o esterco e a urina, que aceleram a restauração do solo. A chave é ser orgânico e manter uma boa lotação.
Vinte anos atrás, nossos solos na fazenda estavam severamente degradados e quase biologicamente mortos, após décadas de lavoura e insumos químicos. Agora temos fungos frutíferos e orquídeas aparecendo em nossos antigos campos – uma indicação de que as redes subterrâneas de fungos micorrízicos estão se espalhando. Há 19 tipos de minhocas, espécies responsáveis por arejar, misturar, fertilizar, hidratar e até desintoxicar o solo. Nós encontramos 23 espécies de besouros em uma única “pegada” de vaca e, uma das espécies, o besouro violeta, não era visto em Sussex por 50 anos. Aves que se alimentam de insetos atraídos por esse esterco nutritivo estão aumentando rapidamente. O revolvimento da terra pelos porcos oferece oportunidades para a germinação de flores e de arbustos nativos, dando origem à maior colônia de purple emperors da Grã-Bretanha, uma de nossas borboletas mais raras, que deposita seus ovos em folhas amarelas.
Este sistema de pastoreio natural não apenas ajuda o meio ambiente em termos de restauração do solo, biodiversidade, insetos polinizadores, qualidade de água e mitigação de enchentes, mas também garante vida saudável para os animais e, por sua vez, produz carne saudável. Em contraste com a carne produzida com grãos e em sistemas intensivos, a carne a pasto é rica em beta-caroteno, cálcio, selênio, magnésio, potássio, vitaminas E e B e ácido linoleico conjugado (CLA). Também é potente no ácido graxo ômega-3 de cadeia longa DHA, que é vital para o desenvolvimento de cérebro humano e extremamente difícil de ser encontrado pelos vegetarianos.
Muito tem sido feito pelas emissões de metano pelo gado, mas estas são menores em sistemas com biodiversidade e pastagens que incluem plantas silvestres.
Na equação vegana, pelo contrário, o custo do carbono da lavoura é raramente considerado. Desde a Revolução Industrial, de acordo com um relatório de 2017 publicado na revista Nature, até 70% do carbono em nossos solos cultivados foi perdido na atmosfera.
Portanto, há uma enorme responsabilidade aqui: a menos que você esteja adquirindo seus produtos veganos especificamente de sistemas orgânicos, você participa ativamente da destruição do solo, promovendo um sistema que priva outras espécies, incluindo pequenos mamíferos, pássaros e répteis das condições de vida, e contribui para a mudança climática.
Nossa ecologia evoluiu com grandes herbívoros, como auroques (ancestral dos bovinos), tarpan (ancestral do cavalo), alces, ursos, bisontes, veados, javalis, entre outros. As interações dessas espécies com o meio ambiente sustentam e promovem a vida. O uso de herbívoros, como parte do ciclo agrícola, pode ser um longo caminho para tornar a agricultura sustentável.
Não há dúvida de que todos devemos reduzir o consumo de carne, e é louvável o fim de formas de produção antiéticas, poluentes e com alto teor de carbono. Mas se as preocupações veganas são o meio ambiente, bem-estar animal e saúde, não é possível fingir que o melhor caminho é abandonar o consumo de carne, leite e seus derivados. Por mais estranho que possa parecer, acrescentar (ocasionalmente) bife orgânico de animais alimentados à pasto à dieta pode ser o caminho certo para adequar o círculo da sustentabilidade.
Autora: Isabella Tree administra o Knepp Castle Estate com seu marido, Charlie Burrell, e é autora de “Wilding: The Return of Nature to a British Farm”. Originalmente publicado em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/aug/25/veganism-intensively-farmed-meat-dairy-soya-maize
Traduzido por Marco Guimarães, estagiário pela Agrifatto