A desaceleração da economia global e as incertezas no mercado doméstico trazem a perspectiva de recuperação ainda lenta para a indústria em 2019, em continuidade ao desempenho decepcionante registrado no ano passado.

“Não vislumbramos uma normalização do comércio com a Argentina e o mercado de trabalho deve seguir em ritmo lento de contratações. Considerando que já houve uma melhora de crédito nos últimos anos, não vai ser isso que vai impulsionar o consumo”, explica a pesquisadora da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), Luana Miranda.

O economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin, destaca que o ambiente global deve continuar desfavorável. “A economia internacional não foi das melhores no ano passado, com ritmo reduzido do comércio acirrando a concorrência. Esse cenário não deve mudar em 2019.”

Embora levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostre que o índice de confiança do empresário industrial (Icei) tenha registrado, em janeiro, o maior valor desde junho de 2010, Cagnin avalia que isso reflete mais esperança em relação ao futuro do que uma melhora concreta no presente. “A confiança com as condições atuais evolui de forma bem mais moderada do que o índice de expectativas.”

O economista aponta que a indústria ainda aguarda por uma melhora concreta que valide este otimismo. “Não adianta ter boas expectativas e olhar para o mercado parado, capacidade ociosa elevada e oferta de crédito complicada. O cenário precisa justificar o investimento”, assinala.

Cagnin entende que essa melhora na confiança é resultado da mudança de governo e agenda econômica, após a eleição de Jair Bolsonaro. “Reflete um voto de confiança. Mas o empresário ainda espera por melhoras concretas.”

Luana detalha que mesmo com a incerteza do resultado eleitoral – apontada como um dos fatores de travamento dos investimentos no ano passado – já dissipada, ainda existem muitas dúvidas sobre o futuro da economia. “O novo governo ainda está se organizando, o Congresso precisa votar as reformas e essas incertezas atrapalham novos investimentos.”

O gerente da Coordenação de Indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), André Macedo, faz uma leitura semelhante. “As sondagens mostram uma melhora no humor dos empresários e consumidores, o que poderia refletir em investimentos. Mas ainda é preciso esperar essa melhora na prática”, assinala.

Resultado consolidado

A CNI divulgou na última sexta-feira (01) os indicadores industriais de 2018. O faturamento teve crescimento de 4,1% no acumulado de janeiro a dezembro sobre igual período de 2017. A utilização da capacidade instalada dessazonalizada de dezembro teve queda de 0,1% em relação ao mesmo mês do ano anterior. No mesmo dia, o IBGE publicou os índices de produção industrial, que apresentou 1,1% de crescimento no ano.

Cagnin avalia o ano como decepcionante. “Houve desaceleração da produção desde o início, causada não só por fatores pontuais, como a greve dos caminhoneiros e a crise argentina, mas por questões mais sistemáticas.” Ele aponta como exemplos um ambiente econômico e político ruim para o planejamento, melhoria do crédito apenas parcial e recuperação do mercado de trabalho ainda incipiente. “Poucos investimentos em projetos foram feitos, geralmente voltados a modernização e redução de custos. O crédito segue em patamar inferior ao que já foi antes e não ocorreu um repasse mais direto da taxa de juros básica para os empréstimos.”

As categorias com maior crescimento na produção foram bens de capital e bens duráveis. “Ambos os segmentos foram impulsionados pelo setor automotivo, com a produção de caminhões impactando esse resultado dos bens de capital”, expõe Macedo. “Sobre investimentos em máquinas e ampliação de produção, os indicadores mostraram uma queda”, pondera.