A equipe econômica abriu mão do protagonismo na reforma tributária após seu plano inicial ter se implodido antes mesmo de vir à luz, mas, segundo duas fontes ouvidas pela Reuters, não vê vida fácil para o avanço da Proposta de Emenda à Constituição 45, que, já em tramitação na Câmara dos Deputados, tem sido considerada uma bússola para os debates.

Por trás da avaliação do time do ministro Paulo Guedes, está a crença de que, à medida que a discussão sobre a PEC 45 realmente ganhar corpo, ficará mais evidente que setores que prestam serviços sensíveis à população, como educação e saúde, serão excessivamente onerados com a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) proposto no texto.

“Qual é a reforma? Aquela que puder ser aprovada. Portanto, não está fechado nada, até porque vai ter uma reação muito forte contra a PEC 45”, disse em condição de anonimato uma das fontes da equipe econômica familiarizada com a discussão interna.

“Os municípios não querem nem ouvir falar da proposta da PEC 45, então você tem muito impasse pela frente”, acrescentou.

A fonte do governo defendeu que o Congresso não conseguirá construir uma proposta se não tiver apoio do Executivo, que é quem tem os dados da Receita Federal e a capacidade mais precisa de prognóstico.

“Pelo jogo de pressão, vai nascer um projeto. E esse projeto sem dúvida o molho quem vai dar é o Executivo”, disse.

Estruturado como um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), o IBS da PEC 45 pretende substituir os federais PIS, Cofins e IPI, além de ICMS (estadual) e ISS (municipal) por apenas um tributo sobre o consumo, com a cobrança sendo integralmente feita no destino. Com isso, ele mira a simplificação tributária com base ampla e o fim da guerra fiscal entre os Estados.

A PEC 45 conta com a benção do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que vem martelado a possibilidade de aprovação de uma reforma tributária ainda no primeiro semestre. Nesta quarta-feira começarão os trabalhos da comissão mista da reforma, formada para que um texto de consenso pudesse ser estruturado já com a participação das duas Casas do Congresso.

CETICISMO

De acordo com a fonte ouvida pela Reuters, o time econômico segue avaliando que uma proposta dessa natureza levaria o imposto único a um patamar “beirando 28%-30%”, considerado “nas alturas”.

Por isso, o governo mantém a ideia de, com a evolução pública das discussões e possíveis entraves à aprovação da PEC, defender a unificação somente de PIS e Cofins num IVA federal neste primeiro momento, o que poderia ser feito por projeto de lei ao invés de alteração constitucional.

Internamente, também há a convicção de que, para uma mudança profunda como a da PEC 45 prosperar, seria necessário desonerar a folha de pagamento das empresas. E que não há outra saída para tanto senão instituindo uma nova base tributária, com a criação de um imposto sobre transações, cobrado nos moldes da extinta CPMF.

Uma segunda fonte a par das discussões reconheceu que o imposto sobre transações segue sendo estudado, já que ainda é visto como a única alternativa com potencial de arrecadação forte o suficiente para substituir a contribuição previdenciária paga pelos empregadores, de mais de 200 bilhões de reais ao ano.

Mas essa fonte pontuou que, desta vez, a equipe econômica vai esperar o debate sobre o tema surgir com apelo da sociedade, uma vez que, quando o ex-secretário da Receita Marcos Cintra buscou ser o protagonista do tema, acabou defenestrado do cargo diante da contrariedade com o imposto sendo expressa por parlamentares, parte da população e pelo próprio presidente Jair Bolsonaro.

No fim do ano passado, José Barroso Tostes Neto, que assumiu o comando da Receita Federal no lugar de Cintra, reconheceu que os estudos para um tributo sobre transações estavam prontos, mas deixaram de ser considerados “em função de diretriz colocada pelo governo de não tratar do tema momentaneamente”.

VISÕES DISTINTAS

À Reuters, Cintra avaliou que, em meio à concentração de esforços no ano passado para aprovação da reforma da Previdência, o Executivo acabou espremido pela ocupação do espaço no debate tributário pela Câmara, com a PEC 45, e posteriormente pelo Senado, com a PEC 110.

“O açodamento da Câmara dos Deputados e o posicionamento de alguns parlamentares se recusando sequer a discutir a introdução de um tributo sobre pagamentos dificultou muito esse debate”, afirmou. “Fomos atropelados.”

Para Cintra, a PEC 45 vai abrir o debate sobre a reforma, mas enfrentará “enorme resistência no Congresso”. “Abrindo esse debate, quem sabe a gente pode encaminhar de novo aquela proposta que ministro Paulo Guedes pretendia implantar”, acrescentou.

Cintra calculou que, com adoção de uma alíquota de 25%, o IBS da PEC 45 elevaria a carga tributária em mais de 100 dos 126 setores da economia que analisou, afetando sobremaneira os mais intensivos em mão de obra.

Por isso, defendeu ele, a concomitante desoneração da folha de pagamento deve novamente aparecer para azeitar a tramitação da reforma tributária, ao amenizar essas divergências.

Idealizador da PEC 45, o economista Bernard Appy reconheceu que ainda há boa discussão pela frente sobre eventuais resistências setoriais à proposta. Mas defendeu que uma lente mais ampla seja adotada nessa análise.

Isso porque há grande heterogeneidade tributária dentro dos setores, o que pode distorcer o real impacto da adoção do IBS na comparação com o cenário hoje existente, já que o desenho tributário atual é marcado por uma série de possibilidades que acabariam com a aprovação da PEC 45, disse Appy.

Dentro desse balaio, ele citou os benefícios fiscais concedidos por Estados, que mudam significativamente a carga tributária de empresas dentro de um mesmo setor. Appy também lembrou que hoje uma empresa do setor de serviços que recolhe PIS-Cofins pelo regime de lucro real arca com mais encargos do que uma concorrente de mesmo tamanho, mas que está sob o regime de lucro presumido.

“Quando você faz análise setorial, você está olhando para o fornecedor de serviços, mas na verdade o IBS é um imposto sobre o consumo”, afirmou Appy, que rechaça a ideia de o consumo de serviços ser menos tributado que o consumo de mercadorias.

Para o economista, o tratamento diferenciado pode se justificar apenas em casos específicos, como saúde e educação privadas, uma vez que o consumidor está deixando de usar a rede pública. “Agora por que que uma pessoa que compra software ou serviço de streaming tem que pagar menos imposto do que uma pessoa que compra um sapato ou comida?”, questionou.

Appy também considera válida a discussão sobre desoneração da folha de pagamento, mas disse acreditar que um imposto nos moldes da CPMF para seu financiamento não é a única opção possível.

“Temos sim espaço para aumentar a tributação da renda no Brasil, temos algum espaço para aumentar a tributação do patrimônio no Brasil. E acho que isso tem que ser colocado na agenda, na equação. Não dá para fazer a discussão apenas em cima de CPMF, essa é uma saída fácil e errada”, disse. (Reuters)