Lygia Pimentel é médica veterinária e sócia-diretora da Agrifatto
Basta observar o tamanho da repercussão da operação Carne Fraca na mídia para entender e mensurar o tamanho e a importância do mercado de carne no Brasil. Para quem tinha se esquecido ou perdido a referência de quem somos e onde estamos, este momento deixou tudo muito claro.

Já se vão três dias de cobertura ininterrupta da mídia sobre o caso. Foram realizadas entrevistas com consumidores, atores que antes promoviam o produto na TV e especialistas no assunto, exatamente nessa ordem.

Nas redes sociais, muita opinião de quem adere e quem não adere ao consumo de carne, gente pedindo o boicote, gente discutindo sobre a segurança alimentar. Unindo todas as pontas, é possível perceber o circo gigantesco que foi montado e a perda total do controle das informações que circulam em detrimento da imagem do produto com que trabalhamos.

É natural, afinal, a carne está na mesa do brasileiro todos os dias e a preocupação do consumidor com o que sua família ingere é totalmente compreensível. O choque por considerar que esse tipo de contravenção tenha chegado à sua mesa assusta e gera indignação.

Infelizmente, sobrou tinta para quem pouco tem a ver com as potenciais fraudes que estão sendo investigadas, como a carne bovina in natura. As denúncias orbitam produtos processados, como embutidos. Em outras palavras, aqueles que são passíveis de adição de componentes proibidos ou alterados em relação às orientações técnico-sanitárias. É muito mais difícil fazer isso com uma peça de carne.

E para se entender a magnitude da injustiça, apuramos que 85% das reportagens que observamos foram ilustradas com a foto de peças de carne bovina e bovinos vivos. Desinformação pura!

A pecuária produziu em 2016 8,96 milhões de toneladas de carne, considerando o abate de 36,2 milhões de cabeças de bovinos. Dentro disso, foram exportadas 1,4 milhões de toneladas, levando a um consumo interno de 7,3 milhões de toneladas. Nos dados da Agrifatto, isso concluiu um consumo per capita de 35,44 quilos em 2016. Considerando que o ano passado foi ruim para o consumo e, consequentemente, para a produção, os números da pecuária seguem impressionando.

Indo direto ao ponto da questão, das 32 empresas frigoríficas investigadas, até agora 3 unidades processadoras tiveram suas atividades suspensas:

1. BRF em Mineiros – GO: produz frango, chester e peru.
2. Peccin Agro Industrial – unidade PR e unidade SC: produzem salsicha e mortadela.

Ou seja, novamente, a carne bovina segue fora do alvo maior e verdadeiro, e a possível atuação fraudulenta de agentes do mercado e fiscais do governo não coloca absolutamente em risco a segurança alimentar no Brasil. Esse é o verdadeiro ponto.

Todo o caso segue ainda muito nebuloso, com algumas poucas definições nesta segunda-feira, dia 20. Muitas notícias e poucos comunicados oficiais trazem insegurança e especulação.

A mídia parece não ter o mínimo de responsabilidade em usar a palavra “embargo” para descrever suspensões temporárias de embarques e sabemos que não há risco de segurança alimentar, apesar do que se faz entender quando ligamos a televisão.

Há 11 anos, quando a pecuária se encontrava no fundo do poço em termos de preço (fase de baixa do ciclo pecuário), recebemos a notícia sobre o foco de febre aftosa. É incrível a capacidade das pessoas de acreditar que o preço nunca mais vai cair em momentos bons e que o fim do mundo chegou nos momentos ruins.

E, com isso, emergem os oportunistas que colocam fogo no mercado ao invés de usar cautela na divulgação de informações sérias e concretas.

É importante lembrar que os preços pecuários já estavam em queda, e não por conta da operação Carne Fraca, mas pela evolução do ciclo pecuário e a fragilidade da economia brasileira.

De toda forma, sim, a repercussão da operação é prejudicial para o nosso mercado no curto-prazo em termos de preços, mas a verdade é que no longo-prazo ela vem para endereçar problemas técnicos, melhorar os processos da cadeia e encontrar seu equilíbrio juntamente com todo o mercado, certamente.

É de extrema importância ter em mente que o governo e as entidades responsáveis já estão trabalhando para esclarecer todo o ocorrido e, no meio disso, deve-se lembrar da pequena exposição da carne bovina in natura no contexto geral.

Mas sim, devemos considerar as dimensões do problema e tomar precauções para que ele não piore nossa margem de comercialização. Ajuste suas expectativas à realidade e cuidado com quem rentabiliza em torno da tragédia. Furos de notícias, tentativas de calar opiniões e declarações exageradas sem métricas que as quantifiquem são informações não confiáveis.

Mais uma vez, a proteção de preços simples e pura nos mostra que não aceita desaforos e que deixa tranquilo o produtor que não fica esperando milagre acontecer, mas lida com a realidade e busca reduzir ao risco de mercado, inclusive o sanitário.

Todo o nosso esforço está em lidar com informações oficiais, mensurá-las com racionalidade e expô-las ao mercado com inabalável responsabilidade para que a cadeia possa tomar as melhores decisões de negócios diante dos fatos.