A partir de janeiro de 2023, o Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA) vai aumentar a pressão sobre os frigoríficos que não monitoram suas aquisições de gado no âmbito dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne, pelo qual
não devem comprar animais de fazenda envolvida em desmatamento ilegal após 2009, invasão de terras indígenas ou trabalho escravo.
As empresas que firmaram TACs mas que não contrataram auditorias nos últimos anos serão acionadas na Justiça e estarão sujeitas a penalidades, como multas. Já as que nunca firmaram TACs, mas que têm movimentação relevante e nunca fizeram auditoria, também serão alvo de ações, o que poderá resultar em multas, indenizações e outras responsabilizações.
O MPF também vai procurar os frigoríficos que apresentaram resultados “ruins” no último ciclo de auditoria, o quarto desde o início dos TACs. “Entendemos que são passíveis de resgate e podemos trazer para alguma negociação”, disse o procurador Ricardo Negrini. Se a situação chegar a um impasse, o órgão pode acionar a Justiça.
O MPF não nomeou as empresas que serão alvo dessa abordagem, mas informou as que tiveram, no último ciclo, resultados piores que a “nota de corte” na taxa de inconformidade, de 7%. Das 16 empresas auditadas, os piores índices foram de JBS, Frigorífico Altamira, Matadouro Planalto e Frigorífico Aliança.
A auditoria da JBS apontou 16,7% de inconformidade. A empresa questiona a metodologia de cálculo — o MPF passou a incluir o Prodes 2008 na base de dados, que, em tese, mostra o desmatamento ocorrido até junho de 2009, antes do início dos TACs. A JBS afirmou que, nas compras que fez entre julho de 2019 a junho de 2020, usava o Prodes 2009, “em linha com o protocolo de monitoramento da época”. A divergência já aparecera no ciclo anterior. Desde então, a JBS “passou a usar o Prodes 2008 como referência para suas compras” na Amazônia.
A decisão de aumentar a pressão sobre os frigoríficos vem em um contexto de explosão do desmatamento — o Prodes 2022 apontou um desmate de 4,1 mil quilômetros quadrados no Pará. Já as últimas auditorias que o MPF recebeu, referentes às compras de gado entre 2019 e 2020, apresentaram uma melhora no índice de conformidade à legislação: no período, 6% das compras estavam fora das regras do TAC, ante 9,95% no ciclo anterior.
Das 16 empresas auditadas, nove tiveram 100% de conformidade, incluindo a Minerva, que repetiu o resultado da auditoria anterior. Além disso, a maioria vem apresentando melhora, ressaltou o MPF-PA.
O problema é que as auditorias não estão cobrindo parte significativa do gado comprado. No último ciclo, 33% das compras de gado não foram analisadas, o que não melhorou com o tempo. Onze frigoríficos “relevantes” e signatários do TAC não apresentaram auditoria, e outros 13 não têm compromisso.
Segunda maior empresa do setor, atrás da JBS, a Marfrig nunca firmou TAC e monitora sua cadeia em acordo com o Greenpeace. A pedido do MPF-PA, a companhia contratou a BDO para auditar as compras de julho de 2019 a junho de 2020, mas essa deverá ser a única avaliação, já que a companhia deixou de operar no Estado em março de 2020.
Para as signatárias de TACs que não estão monitorando as compras, o MPF começou a realizar auditoria própria. Com apoio da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as compras de 2020 foram analisadas, e dados preliminares indicam que 33,5% do gado comprado tem algum grau de inconformidade.
Houve no período analisado 380 mil animais abatidos no Pará em empresas sem TAC ou que não o cumprem. Segundo Negrini, “há uma concentração de empresas na região de Santarém que não participam das auditorias, e uma que parou de participar, porque a concorrência se torna desleal”. Segundo Francisco Victer, coordenador da Aliança Paraense pela Carne, isso alimenta um mercado clandestino e amplia o canal de comercialização do animal ilegal, que é barrado por um indústria com auditoria mas recebido por outra de portas abertas.
O MPF também vai começar a pressionar o varejo que atua no Estado. Neste ano, o órgão enviou ofícios a 20 supermercados, mas só nove responderam. Em 2023, o órgão dará recomendações para que o varejo não compre de frigoríficos que não fazem auditoria ou que têm resultado “ruim”. “Pode ser responsabilizado como um supermercado que está contribuindo com desmatamento”, afirmou Negrini. O sistema financeiro também está no radar.
Outro passo importante será a cobrança do monitoramento dos pecuaristas que não vendem diretamente aos frigoríficos, os indiretos. A obrigação não será imediata, mas o MPF-PA apresentará em 2023 um cronograma de obrigações. Segundo o procurador Negrini, já há tecnologia para qualquer empresa realizar esse rastreio, como o Visipec e a plataforma Selo Verde, onde é possível consultar propriedades que, por algum motivo, estão impedidas de comercializar suas produções.
(Valor Econômico)