O controle reforçado implementado pela China sobre os alimentos importados para tentar evitar uma segunda onda de contágio por covid-19 deve atrasar o processo logístico. Os navios que deixam os portos brasileiros com as cargas de carnes em direção ao gigante asiático vão demorar mais para voltar. Essa é a avaliação do brasileiro Jean Stoll, chefe global de proteínas e lácteos da Maersk, maior empresa de transporte marítimo do mundo.
“O grande risco é que [os contêineres] fiquem mais tempo na mão dos clientes. Não por vontade própria. Um contêiner indo para a China sofria inspeções randômicas e estão falando em inspecionar muito mais para detectar que não há contaminação”, disse o executivo.
Vale lembrar que, antes do maior rigor chinês – o aumento das inspeções entrou em vigor nas últimas semanas -, a pandemia já havia aumentado o tempo de transporte. Em tempos normais, o contêiner ficava 13 dias com o exportador até embarque do navio. Atualmente, esse prazo passou para 17 a 20 dias. Também houve casos de contêineres carregados esperando 30 dias o adiantamento de importadores.
O executivo da Maersk não citou os casos específicos, mas os exportadores brasileiros de carnes aumentaram as exigências de adiantamento após sofrerem com uma onda de renegociação de contratos deflagrada pelos importadores chineses quando cargas estavam no mar, como o Valor já informou.
Além disso, o tempo em que o contêiner fica no país de destino – em processos como inspeção sanitária – também já havia aumentado, chegando a dobrar. O prazo, que era de três a cinco dias, agora é 10 dias, e tende a aumentar com as inspeções adicionais realizadas pelos chineses.
Com o aumento do prazo tanto na origem da carga quanto no país de destino, a produtividade é afetada. O tempo no qual o contêiner é utilizado para outros fins que não o seu objetivo de transportar aumenta em 25%. “O contêiner está sendo utilizado como armazém”, resumiu o executivo.
Apesar de aumentar a complexidade da operação dos armadores marítimos, a situação parece mais controlada do que em fevereiro, auge da pandemia na China. Naquele momento, os portos chineses entraram em colapso. Como as mercadorias não saiam dos portos do país asiático – em parte por causa da parada no transporte rodoviário -, faltaram tomadas para manter a refrigeração desses contêineres.
Nesse cenário, os armadores tiveram de ficar com as cargas no navio ou redirecioná-las a outros portos da Ásia, como Cingapura e Vietnã. No Brasil e em outros grandes países produtores de carnes, alguns exportadores, especialmente de carne bovina, chegaram a sofrer com a falta de contêineres.
De maneira geral, a situação foi contornada, de acordo com o executivo. “A Maersk honrou os contratos. Em fevereiro, que foi o mais calamitoso, arrendamos navio para atender contêineres, mas o contratos foram honrados”, disse o chefe de proteínas e lácteos da armadora, que transporta cerca de um terço dos contêineres refrigerados no mundo.
Segundo Stoll, o que existe é uma reclamação dos exportadores não porque os contratos com os armadores deixaram de ser cumpridos, mas porque o volume de exportação – sobretudo da China – cresceu, e alguns exportadores venderam um volume além do contratado. Com o colapso dos portos chineses, isso virou um problema. Mas esse cenário não deve se repetir, sinalizou ele.
De fato, o volume de carne transportada vem crescendo, puxado pela demanda da China para suprir a escassez provocada pela epidemia de peste suína africana que afetou severamente o plantel do país, maior produtor e consumidor de carne suína do mundo.
Segundo dados da Dataliner fornecidos pela Maersk, as exportações brasileiras de contêineres refrigerados com carne de frango aumentaram 6,8% no primeiro trimestre, chegando a quase 35,6 mil unidades de 40 pés – em média, 27 toneladas do produto em cada contêiner. No caso da carne suína, o crescimento foi de quase 45%, para 5,6 mil contêineres.
Por outro lado, os dados indicam que exportações de contêineres refrigerados com carne bovina caíram 5,4% no período, para 12,8 mil, embora os números da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) registrem aumento da 2% no volume exportado no primeiro trimestre. Segundo Stoll, diferenças de metodologia podem provocar a divergência. No entanto, frisou, os dados de abril e maio de movimento de contêineres mostram que a exportação brasileira de carne bovina está aquecida – e batendo recorde. (Valor Econômico/BeefPoint)