Yago Travagini é economista e consultor de mercado pela Agrifatto
Caroline Matos é zootecnista e trainee pela Agrifatto
Resumo da semana:
Em uma semana conturbada pelo noticiário de que unidades frigoríficas em todo o país estariam dando férias coletivas e pela China anunciando que foi encontrado o COVID-19 em amostras de carne bovina brasileira, o boi gordo sentiu um resfriamento nas cotações pela primeira vez desde a terceira semana de agosto/20. A média semanal do animal em São Paulo fechou em R$ 257,23/@, subindo apenas 0,23% no comparativo com a semana retrasada. Apesar dessa desaceleração, destaca-se que na sexta-feira (09/10) a máxima do indicador Cepea foi renovada, chegando ao valor de R$ 261,60/@, ou seja, a firmeza causada pela oferta escassa ainda persiste sobre as cotações.
O desempenho do milho seguiu impressionando por mais uma semana. A referência para o cereal paulista subiu mais de 5%, rompendo a casa dos R$ 68,00/sc no mercado físico. O apetite externo é o que tem movimentado consideravelmente as cotações do milho no Brasil nas últimas duas semanas. Além do dólar acima dos R$ 5,50 deixar nosso cereal mais competitivo, o prêmio pago no porto de Santos já subiu mais de 8,15% desde a semana retrasada, chegando aos impressionantes US$ 1,46/bu. Com o produtor capitalizado e sem necessidades de esvaziar seus armazéns, a pressão sobre o milho dá sinais de que pode durar até a virada do ano.
Nos EUA, milho e soja também avançaram, no entanto, a explicação vem em parte pelo desempenho do petróleo WTI. O betuminoso subiu mais de 9% no comparativo semanal, voltando a casa dos US$ 40,00/barril. Tal avanço vem após duas semanas operando no negativo, as justificativas para essa valorização vieram da Noruega, onde uma breve greve de petroleiros foi anunciada, e dos EUA, onde os problemas de fornecimento continuam após o furacão Delta. O cenário para o petróleo segue de grandes incertezas, principalmente até a definição sobre o próximo presidente dos EUA, que ocorrerá no dia 03/11/2020, até lá a alta volatilidade deve perdurar.
1. Na tela da B3
Após consecutivas semanas para cima e respaldado na força do mercado físico, essa semana o boi gordo obteve um comportamento mais lateralizado. O vencimento para outubro/20 fechou a semana cotado à R$ 259,15/@, variando positivamente 0,25% em relação a semana passada. O melhor desempenho foi observado no vencimento para novembro/20 que subiu 1,54% no comparativo semanal, com o mercado futuro enxergando um preço de R$ 267,00/@ para tal mês.
O volume de contratos em abertos voltou a crescer, saindo de 19,75 mil contratos futuros abertos na semana retrasada para 21,17 mil na última semana. E, pela primeira vez, desde o fim do contrato para maio/20, o vencimento para outubro/20 não é o mais negociado dentre as opções disponíveis. Com pouco mais de 15 dias para o encerramento do contrato, a migração para o vencimento novembro/20 ocorreu, e agora, tal vencimento é o com maior volume de contratos em aberto. Vale destacar que o posicionamento dos players para maio/21 ainda segue bem pequeno (410 contratos), ressaltando uma incerteza elevada com os preços no próximo ano.
Seguimos a ver poucas alterações que indiquem uma real aposta “diferente” dos players no mercado. As Pessoas Físicas seguem compradas com pouco mais de 6,61 mil contratos (futuros + opções) em mãos, enquanto que PJ financeiras e Investidores Institucionais se posicionam com 4,37 mil e 3,58 mil contratos vendidos, firmando uma aposta na venda. A notícia da presença de COVID-19 na proteína bovina brasileira na China assustou o mercado na sexta-feira, promovendo quedas, mas há ainda um forte suporte nos R$ 260,00/@.
1.1 O que o mercado futuro proporciona?
Apesar dos sinais de saturação, o mercado futuro de boi gordo continua firme, sustentado pela escassez de gado no físico. Com isso, ressalvamos apenas a necessidade de proteções baratas para 2020.
As PUTs seriam essas proteções de venda “baratas” para 2020, com menos de 1% do valor do animal, já é possível proteger toda a entrega restante de 2020 com o valor de R$ 250,00/@. Com o vencimento para maio/21, batendo na casa dos R$ 250,00/@, as PUTs de R$ 220,00 já são vistas a valores abaixo dos R$ 1,50/@, no entanto, para tal vencimento acreditamos que seria interessante aguardar para se posicionar. Para quem necessita adquirir reposição (comprar boi magro/bezerro) em 2021, as CALLs são uma opção, no entanto, com o mercado em alta, a precificação dessas opções está elevada. CALLs para jan/21 com strike à R$ 285,00 e para mai/21 com strike à R$ 290,00/@ são negociadas acima dos R$ 1,80/@, são uma opção interessante para aqueles com baixa disponibilidade de caixa.
Os futuros de boi gordo se apresentam como uma opção plausível, no entanto, vale a ressalva que a demanda financeira para este tipo de operação é elevada. O posicionamento de hedge em futuros mais interessante seria de olho em 2021, principalmente para aqueles que necessitam realizar a compra de reposição. Com o mercado de bezerros ainda em aceleração, a montagem de uma posição de compra para maio/21 em torno dos R$ 253,00/@ pode ser interessante. No entanto, o ideal é que seja feita de maneira comedida.
O mercado a termo continua frio, com dificuldade em encontrar animais aptos para abates, vemos que apesar das ofertas, os frigoríficos não conseguem fechar negociações deste tipo.
2. Enquanto isso, no atacado…
O atacado paulista de carne bovina encerrou a segunda semana de outubro com poucas novidades. Apesar de se tratar do período com maior fluxo de saída da proteína bovina, o atacado ainda anda a passos lentos, mas sustentado pela menor oferta. Neste cenário, os preços continuam balizados na faixa dos R$ 16,40/kg, um pequeno avanço de R$ 0,20/kg, ou 1,23%, com relação à semana anterior.
O traseiro é o que tem puxado a carcaça casada, as cotações já ultrapassam a casa dos R$ 19,00/kg, com a cotação encerrando a última semana em R$ 19,29/kg, segundo Cepea, com valorização mensal de 7,59%. Enquanto isso, o dianteiro, produto de maior procura pela população de menor poder aquisitivo, só avançou 0,94% durante o mesmo período. Neste ambiente, a conjuntura ainda aponta para uma estabilidade dos preços, visto que a oferta não deve melhorar no curtíssimo prazo.
As indicações do frango resfriado continuam firmes, mas os avanços foram mais comedidos na última semana. O produto encerrou a sexta-feira em R$ 5,65/kg, pequeno avanço de 0,89% na comparação semanal. Já ante o mesmo período do mês anterior, a alta registrada foi de 10,46%.
Enquanto isso, a proteína suína avança com força total. As cotações da carcaça especial se aproximam cada vez mais dos R$ 12,00/kg, mas, enquanto o patamar não é quebrado, a semana encerrou com os preços em R$ 11,67/kg, ultrapassando mais um recorde nominal.
Para o mercado de ovos, a semana foi animadora. As cotações avançaram R$ 5,00, com a caixa com 30 dúzias sendo negociada a R$ 99,00. Ainda assim, o movimento é visto com cautela pelos produtores que ainda tem que manejar a quantidade de aves em seus plantéis.
3. No mercado externo
Os embarques semanais de carne bovina para fora do país voltaram a animar depois de duas semanas decepcionantes no final de setembro/20. A média diária embarcada para fora do país nos primeiros sete dias úteis de outubro/20 foi de 8,58 mil toneladas, 27% a mais do que a média diária de setembro/20.
A receita obtida com a venda de proteína bovina cresceu em um ritmo maior do que o volume, avançando 30% no comparativo com setembro/20, com uma média diária de US$ 34,63 milhões. O desempenho melhor da receita vem em linha com uma elevação no preço médio da nossa carne bovina, que voltou a ser comercializada acima dos US$ 4,2 mil/t. A expectativa é de que o mês se encerre com um volume embarcado acima das 160 mil toneladas, demonstrando um apetite ainda voraz do mercado externo.
Mesmo com o apetite externo forte e os prêmios pagos nos portos em constante alta, a exportação de milho na primeira semana de outubro seguiu relativamente calma. A média diária das duas primeiras semanas de outubro de 2020 está em 293,75 mil toneladas, 7% menor do que o registrado em setembro/20.
A desaceleração dos embarques da soja fez com que o milho retomasse a dianteira como o produto primário do setor agropecuário brasileiro que tivesse a maior contribuição na receita obtida. Foram US$ 352,52 milhões nos primeiros sete dias úteis de outubro/20, com uma média diária que está 11,49% maior que a do mesmo período do ano passado. Aparentemente, o apetite externo continua firme e é um dos principais fatores para que o preço do cereal não se desvalorize no Brasil.
Praticamente sem soja disponível no mercado, o volume de oleaginosa comercializado pelo Brasil com o mercado externo caiu 37% no comparativo mensal. Saindo de uma média diária de 212,96 mil toneladas no mês passado, para 134,69 mil toneladas nos sete primeiros dias úteis de outubro/20. Com a tendência de desaceleração segue forte, a expectativa é de que o total exportado em outubro/20 seja 50% menor que o do mesmo período do ano passado.
A receita também reduziu, saindo de US$ 78,01 milhões/dia na média do mês passado para US$ 48,08 milhões/dia neste mês. Com tamanha redução, a possibilidade de que a receita total obtida com a venda de soja esse mês fique abaixo de US$ 1 bilhão é grande.
4. A compra do pecuarista
Em uma arrancada desde outubro/19, o boi gordo no Brasil chega ao mês de outubro/20 imprimindo uma alta de 69% desde o início de 2019. No entanto, a percepção de mais receita entrando não tem se traduzido em aumento da margem, já que, como ressaltamos na semana passada os preços da reposição, do farelo de soja e do milho registraram valorizações maiores que o boi gordo no mesmo período.
E na última semana, a relação de troca foi ainda mais piorada, já que o boi gordo permaneceu estável, enquanto que o milho, o farelo de soja e até mesmo o bezerro imprimiram uma variação positiva forte. Chegamos a segunda quinzena de outubro/20 com uma perspectiva de que a conta dos insumos não deve dar sinais de melhora até o fim de 2020. No caso do farelo de soja, a explicação vem do total falta de oferta de grão no país. Quase não há oleaginosa disponível no mercado, e aqueles que ainda a possuem, pedem acima dos R$ 155,00/sc. Com a chegada de uma nova safra só em fevereiro/20, uma pressão baixista só deve surgir em tal período.
No caso do milho, a situação é um pouco menos crítica, com um maior volume de cereal disponível para negociação. No entanto, não há pressa por parte dos agricultores em negociar o montante restante que ainda dispõem, com isso, as pedidas aumentam conforme o apetite externo, o dólar e as cotações em Chicago evoluem. Como ainda não há necessidade de esvaziar os armazéns para a soja da nova safra, a pressão sobre a cotação do milho deve perdurar até meados de dezembro/20, quando haverá a necessidade de se esvaziar os armazéns.
5. O destaque da semana
O destaque da última semana foi para o comunicado das autoridades chinesas que afirmam ter encontrados resquícios do covid-19 em um lote de carnes bovinas brasileiras. O caso se assemelha ao que aconteceu agosto com a proteína de frango.
Segundo relatos, funcionários do Porto de Dalian fizeram a descoberta em embalagens de carne bovina, originadas da indústria Minerva, localizada em Barretos (SP). Até a sexta-feira (09), o governo brasileiro ainda não havia se pronunciado sobre o novo caso. Vale a pena ressaltar que no caso do frango, as autoridades chinesas ainda não entregaram a contraprova para verificação dos resultados. Além disso, ainda não existem estudos científicos que comprovem a transmissão do vírus via alimentos.
Um acompanhamento minucioso e contínuo deve ser realizado neste caso, já que a China ainda é responsável por cerca de 50% das exportações de carne bovina brasileira em 2020, e, uma retirada das compras do gigante asiático poderia causar um baque sobre os preços do animal no mercado interno.
Apesar da existência de tal possibilidade, acreditamos que o risco de execução de tal medida é baixo, já que o governo chinês ainda está preocupado com o atual nível de estoques de proteína animal no país, que, apesar de estar elevado, teve seu risco de desabastecimento aumentado graças à PSA na Alemanha (um dos principais fornecedores de proteína suína para os Chineses).