Yago Travagini é economista e consultor de mercado pela Agrifatto
Caroline Matos é zootecnista e trainee pela Agrifatto
Resumo da semana:
A queda de braço entre frigoríficos e pecuaristas continuou por mais uma semana, e a pressão negativa exercida pelas indústrias continuou a fazer efeito sobre o preço do boi gordo. Pela segunda semana consecutiva a cotação média semanal do animal registrou leve desvalorização, saindo dos R$ 286,57/@ na semana retrasada para R$ 285,04/@ na média da última semana, queda de 0,53%. De maneira ampla, o movimento do mercado ainda aponta para uma lateralidade dos preços no curtíssimo prazo, visto que a oferta de boi gordo apto para abate continua enxuta, no entanto, conforme o apetite da população for “desinchando” após as festas de fim de ano, podemos ver uma pressão ainda maior dos frigoríficos respondendo a queda do consumo do mercado interno.
O consumo de fim de ano normalmente aquece o mercado de proteínas, no entanto, com os preços das carnes bem esticado, as cotações do suíno e do frango no atacado começaram a fraquejar de maneira mais intensa. A carcaça suína especial recuou 5,66% no comparativo semanal, enquanto o frango resfriado desvalorizou 2,44%. Ainda que as exportações de carne suína e de aves estejam aquecidas, o teto para as cotações no atacado parecem ter sido atingidos e agora buscam um ponto de equilíbrio. O varejo agora busca determinar qual seria este ponto, já que a dificuldade em repassar o forte aumento dos preços dos últimos meses está sendo grande. Tal fato pode impactar a carcaça bovina que ainda não mergulhou em uma forte desvalorização.
O milho brasileiro continua a desenhar um “pouso sem turbulências” em suas cotações, isso por que pela quarta semana consecutiva o cereal vem registrando desvalorizações, fechando pela primeira vez em cinco semanas abaixo dos R$ 80,00/sc. O desinteresse dos compradores internos aliado a um dólar se estabelecendo abaixo dos R$ 5,40 está contribuindo para que os preços continuem em queda, no entanto, tal desvalorização acontece de maneira ainda amena, já que o mercado continua preocupado com a falta de chuvas nas lavouras brasileiras, principalmente as do sul do país.
Além disso, na última semana, visualizamos o petróleo WTI continuar seu rally de alta, desta vez batendo a máxima dos últimos oito meses, sendo avaliado na última sexta-feira à US$ 45,16/barril. A expectativa da vacina contra a COVID-19 explicou parte esse movimento, no entanto, os dados de estoque de petróleo dos EUA vieram muito abaixo do esperado, o que deu força para que a commodity atingisse tal patamar. Ainda assim, a expectativa do mercado de petróleo continua se focando em quando a vacina para a COVID-19 estará pronta.
1. Na tela da B3
Após duas semanas consecutivas com fortes desvalorizações, os contratos de boi gordo na B3 tiveram uma semana mais calma. O contrato para novembro/20 se encaminhou para sua finalização puxado por uma alta de 1,27% na semana, sendo negociado à R$ 282,05/@ na sexta-feira. Já o vencimento mais liquido atualmente na bolsa, dezembro/20,
encerrou a semana sem variações, estável nos R$ 273,65/@. Por fim, o vencimento para maio/21 obteve valorização de 0,72% na semana, sendo negociado na sexta-feira por R$ 258,35/@. Apesar das altas, cabe ressaltar que esses valores estão cerca de 5% menores do que estavam há um mês atrás.
Com a volatilidade marcando o mercado futuro e físico, os players vão se mantendo longe dos contratos futuros. O volume de contratos em aberto reduziu mais uma semana, desta vez uma queda de 0,15%, com pouco mais de 77,59 mil contratos em aberto (futuros + opções). A volatilidade elevada tem dificultado a compra de opções, seja PUTs ou CALLs, não à toa, o volume de opções em aberto atingiu na última quinta-feira o menor valor das últimas três semanas, com 58,94 mil contratos de opções em aberto.
Como a movimentação nos contratos de boi gordo na B3 continua pequena, a participação dos players pouco se alterou. As PJs não financeiras mantiveram sua posição, representando a maior participação comprada dentre os players (feita através de venda de PUTs). E do outro lado da balança, estão os Investidores Institucionais com uma posição vendida equivalente a 9,34 mil contratos, feita principalmente através da compra de PUTs e venda de futuros.
1.1 O que o mercado futuro proporciona?
Com uma variação menor que na semana retrasada e uma leve recuperação nas cotações, a precificação das opções de boi gordo melhoraram, no entanto, a volatilidade continuou elevada e afastando interessados.
Para o pecuarista que ainda não comercializou seus animais e tem algum caixa, a compra de PUTs para os próximos três meses se mostra uma boa opção. Com um custo médio de R$ 2,33/@, é possível garantir o preço de R$ 263,00/@ para dezembro/20, R$ 248,00/@ para janeiro/21 e R$ 243,00/@ para fevereiro/21. A alta volatidade que o mercado do boi gordo está vivenciando tem onerado fortemente as opções, no entanto, para aqueles que ainda não se protegeram e contam com um caixa apertado, a compra de PUTs se mostra como uma boa opção considerando um cenário turbulento que se põe no radar.
A PUT sintética continua no radar sendo uma estratégia atraente, especialmente se realizada em ajuste com a venda de animais a termo, visto que pode melhorar o preço mínimo se comparada à PUT simples sem incorrer na incidência de ajustes até que o mercado bata o strike da CALL.
Como as opções estão altamente precificadas pela volatilidade, a venda de futuros de boi gordo no primeiro trimestre de 2021 buscando fazer hedge para os abates realizados durante esse período se mostra como uma opção interessante.
Estabelecer uma estratégia de venda é primordial neste momento, levando em consideração a venda de 20% a 40% dos animais que serão abatidos no próximo trimestre como forma de garantir um preço mínimo. Essa estratégia é indicada pois temos um cenário muito incerto pela frente, o início de 2021 revelará o fim do auxilio emergencial do governo, foco da população no pagamento de dívidas, arrefecimento das exportações para a China e uma possível melhora na oferta de animais, com isso, uma pressão negativa pode se formar sobre os preços do boi gordo nesse período, e, com as opções se mostrando caras, a venda de futuros se mostra cada vez mais interessante.
Sem bovinos oriundos de confinamento e com baixo interesse do pecuarista, o mercado a termo permaneceu frio por mais uma semana.
2. Enquanto isso, no atacado…
Semana de baixas no mercado atacadista de proteínas animais, os preços perderam a estabilidade em meio à menor movimentação.
A carcaça casada bovina passou a ser negociada a R$ 17,50/kg, acumulando queda de 2,86% na comparação semanal e retornando aos patamares visto durante o mesmo período do mês anterior. O comportamento mais fraco já é esperado nesta reta final do mês, dado ao movimento cadenciado do varejo. Entretanto, apesar da baixa, os produtos de segunda, como dianteiros e pontas, ainda demonstram um bom fluxo de saída, sendo negociados a R$ 15,50/kg, ambos.
Dias difíceis também para o mercado de carne suína, que seguiu o movimento das duas últimas semanas e demonstrou mais desvalorizações. A oferta excedente em decorrência da menor demanda doméstica, pressiona negativamente os preços da proteína. A carcaça especial suína desacelerou 5,94% na comparação semanal e 4,64% ante o mesmo período de outubro/20, com os preços beirando a casa dos R$ 12,70/kg.
O frango resfriado, que estava em ascensão, perdeu o passo e registrou queda na penúltima semana de novembro/20. O preço do frango resfriado passou para R$ 6,10/kg, baixa de 2,56% na comparação semanal. Entretanto, na comparação mensal, os preços demonstram evolução de 6,18%.
No mercado de ovos a semana a semana foi de estabilidade, com os preços balizados em R$ 109,00 cx com 30 dúzias.
3. No mercado externo
Com mais de 1,22 milhão de toneladas enviadas para fora do país na terceira semana de novembro/20, as exportações de milho chegaram ao total de 3,49 milhões de toneladas nos 14 primeiros dias úteis de novembro/20. A média diária estabeleceu-se em 249,70 mil toneladas, 21,50% a mais do que fora registrado em novembro/19. Desta forma, a tendência é que o mês de novembro/20 seja o melhor da história para um mês de novembro em volume embarcado, com mais de 4,8 milhões de toneladas exportadas.
A evolução dos preços internacionais tem proporcionado uma melhora nos negócios para as empresas exportadoras. Isso por que o preço médio do milho exportado já subiu 7,29% no comparativo anual, chegando ao valor de US$ 182,2/t. Diante disso, a receita obtida com a venda de cereal brasileiro chegou aos US$ 636 milhões, com uma média diária de US$ 45,49 milhões, 30% a mais do que foi registrado em novembro/19.
Após duas semanas inicias frenéticas, os embarques de carne bovina brasileira apresentaram uma desaceleração forte na terceira semana de novembro/20. Foram 32,10 mil toneladas enviadas para fora do país na última semana, 29% a menos do que fora registrado na segunda semana de novembro/20. Com tal desempenho, a média diária embarcada do mês de novembro/20 reduziu 12% em relação a semana retrasada, se posicionando em 8,50 mil toneladas/dia. Ainda assim, se mantido esse desempenho até o fim do mês, romperíamos um recorde nos embarques diários de proteína bovina.
Com a manutenção do preço médio de venda na casa dos US$ 4,39 mil/t, a receita diária obtida também reduziu 12%, ficando em US$ 37,32 milhões/dia. Apesar do recuo, tal resultado ainda é 8% superior ao de outubro/20, quando a receita diária obtida rondava a casa dos US$ 34,52 milhões/dia.
Com um volume ínfimo de soja disponível, as exportações da oleaginosa continuam a recuar semana após semana. Desta vez, foram apenas 307,36 mil toneladas enviadas para o exterior durante toda a última semana, com isso, a média diária exportada de soja recuou para 88,75 mil toneladas, 14% menor que a média da semana anterior. A manutenção deste desempenho deve levar as exportações de soja a menos de 2,00 milhões de toneladas embarcadas em novembro/20, pior desempenho para um mês de novembro desde 2016.
A receita obtida com as vendas da oleaginosa atingiu os US$ 456,27 milhões no acumulado até a terceira semana de 2020, com os preços de exportações estabilizado próximo dos US$ 365/t, a receita média diária também recuou 14% no comparativo semanal, chegando a um valor de US$ 32,59 milhões/dia, 64% menor do que foi em novembro/19.
4. A compra do pecuarista
Com o mês de novembro/20 finalizado, podemos avaliar um cenário diferenciado entre os insumos e a reposição para o pecuarista brasileiro.
Em primeiro lugar, destacamos que a compra de insumos (milho e farelo de soja) está circulando um dos piores níveis da história para o pecuarista, mesmo com a valorização do boi gordo, a relação de troca com o milho bateu o pior valor dos últimos nove meses e o menor valor dos últimos seis anos para um mês de novembro, sendo possível a compra de apenas 3,55 sacas de cereal com a venda de uma arroba de boi gordo. No caso do farelo de soja, a situação até melhorou em relação ao mês passado, no entanto, foi o pior novembro dos últimos sete anos, sendo necessário 8,42 arrobas de boi gordo para a compra de uma tonelada de soja.
Nos dois casos, temos valores mais de 15% acima da média histórica, ou seja, há espaço para que ocorra uma “normalização” da relação de troca, com essa voltando para próximo dos 4,16 sc/@ no caso do milho e 7,27 @/t em relação ao farelo de soja. Apesar de tal possibilidade ser factível, ainda enxergamos dificuldade para que a relação de troca do boi gordo com tais insumos voltem a normalidade em 2021, isso por que há complicações climáticas à vista e mesmo que tais complicações não aconteçam, a comercialização fortemente antecipada indica pouco espaço para uma ampla variação negativa nos preços do milho e do farelo de soja no próximo ano.
Por outro lado, o ágio do bezerro sobre o boi gordo finalizou em queda pelo quinto mês consecutivo, com o preço do animal de reposição cerca 38% mais caro que o boi gordo. Tal queda se deve principalmente ao forte movimento de valorização que o boi gordo passou nos últimos quatro meses valorizando-se 29%, enquanto o bezerro subiu “apenas” 18% no mesmo período. Esse movimento de maior calmaria sobre o preço da reposição pode ser o primeiro sinal de que o ciclo pecuário pode estar começando a virar, a fase de retenção de fêmeas iniciada em 2019 deve começar a soltar os primeiros animais em 2021, com isso, poderemos ver um mercado de reposição bem menos “inflado” no próximo ano.
Ainda assim, vale ressaltar que o “grosso” da bezerrada não deve chegar em 2021, mas sim em 2022, já que é agora (2020) que estamos visualizando o menor abate de fêmeas dos últimos cinco anos. Essas fêmeas estão nos pastos de todo o Brasil, com os criadores focados em produzir bezerros já que os preços estão atrativos. O indicativo mais firme é de que em 2021 a reposição enfrente uma “marolinha”, com o “tsunami” chegando em 2022 sobre os preços do bezerro.
5. O destaque da semana
A escassez de animais já é assunto recorrente no relatório semanal desde o fim de novembro/19. O impacto que essa falta de bovinos aptos para o abate tem causado sobre o preço do boi gordo no Brasil já foi tratado diversas vezes no fatto pecuário, no entanto, a intensidade com que a carência de animais afeta as cotações tem sido diferente entre os estados.
Faltando exatos 30 dias para o fim do ano, já podemos ter uma noção do comportamento do diferencial de base em 2020. O diferencial de base pode ser explicado basicamente como a diferença do preço do boi gordo em qualquer unidade da federação e São Paulo (pois o estado paulista é a referência nacional). E de fato, quando observamos o comportamento do diferencial de base, notamos que em quatro dos cinco maiores produtores de carne bovina do país tal indicador está em um dos menores valores da década.
Em Mato Grosso, o diferencial de base em 2020 atingiu -10,37%, o menor valor desde 2012. Em Goiás, o valor médio do ano está em -6,27%, o menor desde 2010. Em Minas Gerais, chegou a -4,19%, o menor valor da década. E por fim, no Pará, onde a diferença de preços do boi gordo em relação a São Paulo chegou a -7,38%, também o menor valor da década.
Tal cenário demonstra que a insuficiência de oferta está ocorrendo em todo o país, e nos estados que estão no topo da produção, a dificuldade dos frigoríficos em encher escala fez com que a cotação andasse de maneira mais intensa do que em São Paulo. O rompimento de recordes e a velocidade maior de valorização do que a que aconteceu no estado paulista é bom para os pecuaristas desses estados, no entanto, o sinal de alerta deve ficara acesso.
Isso por que, em todos os casos abordados, o diferencial de base está ao menos 1 p.p. acima da média histórica, e, a partir do momento em que o ciclo pecuário entrar em uma curva apontando a melhora na oferta, esse indicador tenderá a voltar a média histórica. Para aqueles que estão fazendo proteções na B3 e entregam os animais para abate fora de SP, o acompanhamento do diferencial de base é primordial e pode ter um impacto relevante sobre os preços nas praças interioranas nos próximos anos.
6. E o que está no radar?