Yago Travagini é economista e consultor de mercado pela Agrifatto
Caroline Matos é zootecnista e trainee pela Agrifatto
Resumo da semana:
A semana que se iniciou com um susto do indicador Cepea recuando R$ 7,25/@, terminou com a arroba do boi gordo sustentada e avançando levemente na média semanal. O preço da semana ficou em R$ 220,79/@, 0,13% maior que o registrado na semana passada. A indústria paulista conseguiu originar mais animais durante a última semana pagando valores maiores que o de balcão, com isso viu sua escala caminhar bem, ficando acima da média histórica. No entanto, nos outros estados, a dificuldade para abater animais continua, com escalas de abate abaixo da média histórica no MT, GO, MG e MS.
Com isso, a pressão baixista encontra dificuldades para vingar nos últimos dias do mês. No atacado da carne bovina uma luz se acendeu na sexta-feira, com as vendas de carcaça bovina se encaminhando a preços maiores. O fim do mês deve dar pouco espaço para maiores valorizações, no entanto, as duas primeiras semanas de agosto podem reservar boas novas para o preço da proteína bovina no atacado.
Quem ainda não encontrou seu pico de preço é a carcaça suína, o preço médio da proteína do porco nesta semana bateu os R$ 9,23/kg, maior preço desde a primeira semana de janeiro/20. A junção do clima frio que favorece o consumo deste tipo de proteína, oferta ajustada e exportações em crescimento dá espaço para o avanço da carcaça suína, a nova resistência a ser batida é os R$ 10,00/kg, no entanto, com o mercado interno ainda combalido, o rompimento desse patamar é mais complicado.
Além destes, quem surpreendeu esta semana foi a soja, que bateu o recorde histórico nominal de preço no indicador Cepea, atingindo R$ 117,53/sc na sexta-feira. Tal cotação foi atingida mesmo com o dólar recuando 3% durante a semana, destacando que a pressão altista vem da oferta interna reduzida, com os prêmios pagos nos portos evoluindo mais de 6% e as indústrias esmagadoras no interior do país disputando fortemente a oleaginosa. Destaque para o volume de soja importado no primeiro semestre de 2020, com 272,27 mil toneladas, o maior desde 2016.
- Na tela da B3
A semana foi de alinhamento nas cotações do mercado futuro junto ao mercado físico, a semana se encerrou com o vencimento outubro/20 cotado à R$ 221,00/@, valorizando 1,59% frente a sexta-feira da semana passada. Ainda assim, é notável, que o vencimento outubro/20 imprimi um deságio de 1% frente a cotação no físico.
Apesar da valorização dos futuros, poucas movimentações foram notadas no posicionamento dos players do mercado, o total de contratos em abertos (futuros + opções) chegou a 90,09 mil, crescendo 0,54% no comparativo semanal. Ainda assim, quase o dobro do que era visto há um mês atrás.
Os players mantiveram posições que detinham na semana passada, sem aumentar suas exposições, com PJ não-financeiras e Pessoas Físicas comprados, “apostando” na alta. E do outro lado, as PJs financeiras com uma maior exposição vendida, “apostando” em uma queda do mercado.
1.1 . O que o mercado futuro proporciona?
Com poucas alterações, o cenário traçado na semana retrasada se manteve nesta. A evolução das cotações abriu mais espaço para o hedge a valores melhores, no entanto, a incerteza continua a precificar uma volatilidade ainda acima da média histórica.
O mercado de opções segue em voga, com mais de 45 mil CALLs em aberto. Os indicadores de oferta restrita ainda estimulam a proteção contra alta que pode vir até o fim de 2020. Do outro lado da ponta, o cenário é mais positivo, com evolução das cotações, PUTs com vencimento para out/20 com strike a R$ 210,00/@ já podem ser encontradas com prêmio a serem pagos nos R$ 2,00/@.
Com ares de incerteza ainda pairando pelo mercado, a operação de Collar, continua interessante para aqueles que com os preços atuais do boi gordo detêm uma margem de lucro boa. A operação consiste basicamente na compra de uma PUT, garantindo assim um preço mínimo, aliado a venda de um CALL, para reduzir o custo do preço pago pela PUT. Se tornando uma opção mais barata para aqueles que buscam proteção em tempos de incerteza.
Os futuros de boi gordo se apresentam como uma opção plausível, no entanto, vale a ressalva que a demanda financeira para este tipo de operação é elevada. A compra de futuros com vencimento para outubro/20 indicada para a ponta compradora na semana retrasada à R$ 214,00/@ já estaria dentro de um cenário positivo de R$ 7,00/@.
O mercado a termo esfriou, mas ainda há ofertas por parte dos frigoríficos para a realização deste tipo de venda, a evolução das cotações do futuro abre margem para negociar valores maiores.
2. Enquanto isso, no atacado…
A semana foi marcada pela lentidão para o mercado atacadista de carne bovina, entretanto, o cenário mudou entre a quinta e sexta-feira, acarretando em uma aceleração das cotações dos produtos. A carcaça casada bovina encerrou a quarta semana de julho em R$ 14,30/kg, alta semanal de R$ 0,30 (+2,14%), retornando aos patamares do mês anterior. Segundo relatos, os pequenos estoques foram comercializados, a depender da reação do varejo frente a essas novas altas, uma nova aceleração da carcaça bovina no atacado nas próximas semanas entra no radar.
Para o frango e suíno, o mercado continua firme e otimista. O ajuste produtivo em conjunto com as exportações fortalecidas continua a dar bons frutos aos produtores. O preço do animal vivo já rompe os patamares pré-coronavírus, melhorando o poder de compra dos produtores, como aponta o Cepea.
As cotações do frango congelado encerraram a sexta-feira (24) em R$ 4,73/kg, praticamente estáveis se comparados à semana anterior. No entanto, o atual patamar está próximo a máxima histórica nominal, que foi registrada no fim do ano de 2019.
No caso da carcaça especial suína, o ambiente segue de alta. As indicações fecharam a semana em R$ 9,35/kg – maior valor registrado desde janeiro/20, quando era negociado na faixa dos R$ 9,90 -, a valorização semanal foi de 8,60% e, comparativamente ao mês anterior, aumento de 29,97%.
Enquanto as outras proteínas vão de vento em popa, o mercado de ovos segue fragilizado, registrando quedas nos últimos sete dias. Os preços passaram de R$ 97,00 para R$ 92,00 cx c/ 20 dúzias – baixa semanal de 5,15%.
Com um cenário de ovos em queda e a carne suína e de frango despontando, será que temos uma recuperação econômica à vista? A consolidação dos preços dessas proteínas nesses patamares nos próximos poderá confirmar isso.
Sem espaço para folga. É assim que estão os embarques de carne bovina in natura brasileira, a média diária evoluiu 3% no comparativo com a semana passada, com volume de 7,58 mil toneladas por dia. Com isso, o total embarcado no mês de julho/20 já bateu as 136,42 mil toneladas, o maior volume da história para um mês de julho. A apreensão fica agora se o mês de julho/20 será capaz de quebrar o recorde histórico de embarques, atingindo em out/19, com 170,55 mil toneladas.
A receita obtida com os embarques de carne bovina está próxima de bater o recorde para um mês de julho, com US$ 557,14 milhões nos 18 primeiros dias úteis do mês de julho/20. A média diária atingiu US$ 30,95 milhões, evoluindo 3% em comparação a semana anterior, com preços da proteína bovina bem estabelecidos em US$ 4.083/t.
As exportações de milho continuam a se fortalecer, a média diária embarcada avançou 14% no comparativo semanal, saindo de 133,15 mil toneladas para 152,00 mil toneladas. Ainda assim, apesar desta evolução, o total exportado de milho no mês de julho/20 deve ficar cerca de 30% abaixo do mesmo período do ano passado, quando 5,92 milhões de toneladas de cereal foram embarcados para fora do país.
A receita com a venda de milho para fora do país bateu US$ 444,21 milhões nas 4 semanas corridas de julho/20, em comparação ao total registrado no mês de junho/20 já é um avanço de 670%. Apesar de parecer vultuoso, tal aumento é explicado pela chegada do milho nos portos brasileiros, após o fortalecimento na corrida da colheita do cereal.
A desaceleração nos embarques de soja já é notável, o mês de julho/20 deve registrar o menor volume embarcado desde março/20. Ainda assim o desempenho para um mês de julho é muito bom, já foram 8,73 milhões de toneladas embarcadas, com uma média diária de 485,05 mil toneladas, 50% a mais do que em julho/19. A perspectiva é que sejam enviadas para fora do país mais de 10,50 milhões de toneladas no mês de julho/20. Os embarques da oleaginosa já geraram uma receita de US$ 3,04 bilhões, com uma média de US$ 168,78 milhões por dia nas quatro primeiras semanas de julho/20. A soja continua como o produto agropecuário a mais gerar divisas em dólares para a balança comercial brasileira.
3. A compra do pecuarista
Julho vai chegando ao seu fim, e os confinadores que pretendem entregar seus animais em outubro/20 já tem grande parte dos seus animais no cocho, vislumbrando um cenário bem melhor do que era visto em meados de maio/20. Apesar do aperto causado pela compra cara dos bois magros, a margem que o confinador paulista enxerga para os próximos meses estimula a atividade.
A conta do confinador se alinha nas atuais circunstâncias pois em cerca de 8 semanas o boi gordo imprimiu um aumento de mais de R$ 20,00/@ no mercado físico. Esta resposta da arroba era necessária, já que a atividade estava completamente minada, pela forte alta nos custos de reposição e de insumos. O milho, o farelo de soja e o boi magro estão 35%, 45% e 50% mais caros este ano em comparação ao ano passado, respectivamente. Somente agora no mês de julho, o boi gordo ultrapassou uma variação anual positiva de mais de 40%.
Com isto, visualizamos uma retomada da atividade confinadora, com incremento nas entregas já em meados de setembro/20 para frente. Tal fato deve impactar diretamente a oferta de animais no último trimestre do ano, e mesmo com a chegada de festas de fim de ano, incrementando a demanda, a valorização comum para esta época do ano pode ser freada.
Ou seja, a compra está cara como nunca esteve (e deve continuar), no entanto, o preço do boi gordo dá respaldo e os confinamentos devem voltar com mais força.
OBS.: A colheita atrasada no MS e PR está dando sustentação ao milho em SP, no entanto, conforme a oferta ganhar corpo nestes estados, uma janela de compra do cereal pode surgir nas próximas semanas. Para o farelo de soja e reposição não há muito espaço para quedas em 2020.
4. O destaque da semana:
O destaque da última semana fica para o aumento das tensões em EUA e China. A deterioração da confiança entre as duas maiores potências mundiais impactou o mercado global, balançando as bolsas de todo o mundo.
A novela sino-americana encerrou a quarta semana de julho com a exigência chinesa que os norte-americanos fechassem a consulado na província de Chengdu em até 72h. A ação vem em represália após fechamento do consulado da China em Houston, sob a acusação de roubo de propriedade intelectual.
A escolha é estrategicamente pensada dos dois lados, as acusações e a preocupação dos EUA e a decisão tomada sobre o fechamento em Houston, aciona uma resposta de que os norte-americanos estão preocupados com o “roubo” de propriedade intelectual e inovações tecnológicas por parte dos chineses, Houston é um dos maiores hubs tecnológicos do mundo. Já do lado chinês, o fechamento do consulado dos EUA em Chendgu é uma resposta à altura dos chineses, não só para demonstrar força, mas também para frear divulgações norte-americanas sobre as áreas sensíveis chinesas, como o Tibete e Xinjiang, onde a presença chinesa é desgastada e acusada de infringir direitos humanos.
A escalada nas tensões entre os dois países está freando o movimento especulativo nas commodities na CBOT, comum para esta época do ano, onde o mercado climático ganha destaque. Ainda que seja improvável, a saída da China das compras de soja e milho norte-americana poderia causar um desastre sobre as cotações dessas na CBOT.
Neste cenário, o Brasil e o agronegócio se aproveitam dessa briga arrastada, os embarques brasileiros de soja, carne bovina, suína e frango nunca foi tão grande para a China. Com a chegada de milho nos portos brasileiros, os chineses aumentaram a presença na compra do cereal, fazendo o prêmio pago pelo milho nos portos explodir, dando mais sustentação ao cereal que deve passar a chegada da 2ª safra sem grandes desvalorizações.
5. E o que está no radar?
Para o mercado de boi gordo, a conjuntura continua apontando para firmeza das indicações da arroba no curto prazo. A oferta restrita segue ditando o ritmo dos preços em todo o Brasil. Apesar de São Paulo ter alongado suas programações de abate na última semana, a situação das escalas de abate nas praças paulistas se difere do resto do país. Neste cenário de escassez de matéria-prima e alta demanda do mercado externo, a influência das outras praças faz com que a possibilidade de pressão negativa no boi gordo seja reduzida.
A extensão deste cenário com oferta ajustada tende a durar ao menos até o fim do mês de agosto, já que os confinamentos, que tendem a ganhar preponderância sobre os abates no 2ª semestre do ano, ainda sofriam com altos custos e pouca perspectiva de valorização em maio/20, logo, o incentivo para se confinar em abril-maio/20 era baixo, e deve continuar a refletir com pouca oferta de animais oriunda de confinamento. No entanto, tal cenário pode sofrer alterações no quarto trimestre.
No atacado da carne bovina, com a proximidade do próximo mês, o mercado já começa a demonstrar sinais de recuperação. Os testes dos vendedores da carcaça bovina a valores maiores vingaram na última sexta-feira, dando argumento para novas altas nas próximas semanas. O respaldo positivo para isso deve vir do varejo, e pode acontecer, já que as outras proteínas seguiram com forte valorização nas últimas semanas, melhorando a competividade da carne bovina.
A consolidação deste cenário pode indicar espaço e margem para que os frigoríficos trabalhem com preços maiores nas próximas semanas. Atenção ao desempenho do varejo!
Agrifatto