Yago Travagini é economista e consultor de mercado pela Agrifatto
Caroline Matos é zootecnista e trainee pela Agrifatto
Resumo da semana:
Com uma maior facilidade em embarcar animais aliada a uma demanda deprimida, os frigoríficos continuaram a pressionar o preço do boi gordo na última semana. A média semanal do animal em São Paulo ficou em R$ 265,67/@, 3,46% abaixo do que fora visto na semana retrasada. O mercado vai aos poucos demonstrando que o pico de preços de 2020 já aconteceu e não deve mais retornar, agora a visão que tanto o físico quanto o futuro apontam é de desvalorização dos preços. Com a demanda externa já com sinais de redução (queda de 30% no volume exportado na 1ª semana de dezembro/20) e a demanda interna cambaleando, a pressão negativa que acomete o boi gordo deve durar ao menos até o fim do ano.
Por falar em problemas de demanda interna, a última semana também foi marcada pelas fortes quedas das proteínas animais no atacado paulista. O pior desempenho foi o da carcaça suína especial que recuou 12% no comparativo semanal, chegando ao menor valor dos últimos quatro meses, R$ 10,36/kg. Além dela, a carcaça casada bovina também fechou com forte queda, desvalorizando 5%, ficando cotada à R$ 17,05/kg, o menor valor dos últimos 32 dias. Grande parte desta desvalorização se deve ao maior acúmulo de estoques de proteína animal no mercado interno (graças a redução dos volumes exportados), e, além disso, a queda do preço da matéria-prima (boi gordo) nos últimos dias facilitou esse processo de desvalorização.
Enquanto o boi gordo seguiu em queda no mercado físico e futuro, o milho obteve uma movimentação distinta entre tais mercado durante a última semana. Enquanto o preço do cereal no mercado físico caiu 2,13% em relação a sexta-feira passada, sendo negociado à R$ 73,10/sc, na B3, o vencimento para janeiro/21 registrou alta de 6,37%, recompondo grande parte da queda que havia sido registrada na semana retrasada. Essa discordância de movimentação se deve em grande parte ao fato de que a desvalorização observada na B3 não foi acompanhada pelo mercado físico, e com isso, em um movimento de correção/arbitragem, os preços futuros registraram uma forte valorização se equilibrando ao físico.
Treze por cento. Essa foi a desvalorização do dólar frente ao real nos últimos 37 dias, a moeda norte-americana saiu dos R$ 5,76 no dia 03/11/2020 e atingiu na última quinta-feira (10/12/2020) os R$ 5,03, uma queda de mais de setenta centavos em pouco mais de um mês. Essa movimentação demonstra o que é trabalhar com câmbio no Brasil nos últimos meses, a pressão de um ambiente fiscal deteriorado, crises políticas criadas a esmo e uma pandemia levam a moeda brasileira a enfrentar um frenesi, determinando um nível de volatilidade muito maior que o padrão para o real frente ao dólar. E, como ainda não há um caminho claro sendo traçado e seguido (com exceção da resolução da pandemia), a relação cambial no Brasil deve continuar volátil.
1. Na tela da B3
Com o mercado físico em queda pela quarta semana consecutiva, recuando quase R$ 10,00/@, as cotações do boi gordo na B3 continuaram o movimento de desvalorização que é visto desde a segunda semana de novembro/20. Dentre os contratos que foram negociados durante a última semana, o com vencimento para dezembro/20 foi o que obteve a maior queda, recuando 3,34%, sendo negociado à R$ 251,60/@ na última sexta-feira, sendo este o menor valor dos últimos três meses.
A movimentação negativa e a chegada do fim de ano não têm atraído novos participantes ao mercado, já que pela quarta semana consecutiva o total de contratos futuros abertos registrou queda, chegando a pouco mais de 11,35 mil na última quinta-feira. E, mesmo com o volume de opções tendo aumentado 0,26%, o volume de contratos (futuros + opções) de boi gordo em aberto na bolsa continuou em queda, chegando a 42,81 mil contratos, o terceiro menos volume de 2020.
Com isso as posições dos players no mercado futuro de boi gordo continuaram sem grandes alterações na última semana. As Pessoas Físicas continuam a sustentar a maior posição comprada dentre todos os participantes, com um total de 2,93 mil contratos, formado principalmente por futuros comprados. E na outra ponta, os Investidores Institucionais, com 3,70 mil contratos vendidos, detêm a maior posição vendida, formada através de PUTs e contratos vendidos. Mesmo com o posicionamento atual dos participantes do mercado do boi gordo, o volume reduzido de contratos em aberto demonstra que há pouco interesse em se posicionar no mercado atual, provocando assim uma alta volatilidade para o boi gordo na B3.
1.1 O que o mercado futuro proporciona?
Com uma liquidez ainda baixa e pouco interesse dos players em entrar novamente no mercado, a volatilidade continuou alta no mercado do boi gordo na B3. A continuação da queda do boi gordo dificultou novos posicionamentos de venda do animal.
As opções de venda (PUTs) entraram em um “limbo” de desinteresse, isso por que, para se proteger um valor aceitável de remuneração o custo é elevado (strike de R$ 235,00/@ em janeiro/21, custa R$ 2,93/@), ou, para se gastar pouco a janela de proteção não é “boa” (strike de R$ 225,00/@ para janeiro/21, custa R$ 0,96/@), com isso as PUTs secas não se mostram tão atrativas. Por outro lado, continuamos a observar uma movimentação mais intensa do que o padrão nesta queda do boi gordo (que ainda pode continuar), e, com momentos mais “nervosos” que podem acontecer nas próximas semana, a compra de CALLs se mostra como uma opção cada vez mais interessante, principalmente para aqueles que buscam proteger a reposição.
De fato, o “trem” da venda de futuros de boi gordo já passou, com o mercado em forte queda nas últimas semanas, o posicionamento na venda agora se mostra com um risco muito elevado. A operação que se mostra mais interessante dentro do atual contexto continua sendo de olho na reposição de animais, buscando a proteção de um possível aumento desses em 2021. Desta forma, a montagem de uma posição de compra para maio/21 em torno dos R$ 240,00/@ começa a se tornar interessante, ainda assim, esse início deve ser feito de maneira comedida, já que há espaço para maiores desvalorizações do boi gordo na B3, principalmente para os contratos mais longínquos.
O mercado a termo segue sem grande oferta e procurar pelos dois lados do mercado.
2. Enquanto isso, no atacado…
A segunda semana de dezembro, depois da redução de R$ 0,44/kg, encerrou com uma queda ainda maior na carcaça casada bovina no mercado atacadista de São Paulo. A indicação do produto passou para R$ 17,05/kg, recuando 5,07% na comparação semanal, a pressão que atinge o mercado atacadista advém tanto da oferta quando da demanda, as quedas propostas pelos frigoríficos foram aceitas, reduzindo o custo da matéria-prima, enquanto que os varejistas, com estoques elevados, reduziram o valor pago pela proteína animal.
O frango resfriado continuou o movimento de recuperação nesta semana, com as indicações alcançando os R$ 6,14/kg, o que representa um tímido avanço de 0,16% ante a semana anterior, porém ainda baixa de 1,21% ante o mesmo período do mês anterior. Neste cenário, é esperado cotações firmes no curtíssimo prazo.
Enquanto isso, a maior oferta e a demanda interna e externa enfraquecidas tem provocado redução dos preços na proteína suína. A carcaça especial suína recuou 9,12% na última semana, com as cotações chegando a R$ 10,32/kg na sexta-feira, menor valor desde agosto/20. Na comparação mensal a queda é ainda mais acentuada, atingindo os 25,92%.
Para o mercado de ovos, a semana foi de estabilidade. As cotações da caixa com 30 dúzias permaneceram R$ 114,00, o que representa avanço de 9,62% em comparação ao mesmo período de novembro/20.
De maneira geral, as proteínas com maior valor agregado não têm conseguido ter um bom desempenho nas últimas semanas, mesmo com as festas de fim de ano podendo dar um possível alivio as cotações. A motivação para essa queda vem principalmente da dificuldade do consumidor em aceitar pagar valores ainda maiores pelas proteínas animais.
3. No mercado externo
Com mais de 1,22 milhão de toneladas enviadas para fora do país na terceira semana de novembro/20, as exportações de milho chegaram ao total de 3,49 milhões de toneladas nos 14 primeiros dias úteis de novembro/20. A média diária estabeleceu-se em 249,70 mil toneladas, 21,50% a mais do que fora registrado em novembro/19. Desta forma, a tendência é que o mês de novembro/20 seja o melhor da história para um mês de novembro em volume embarcado, com mais de 4,8 milhões de toneladas exportadas.
A evolução dos preços internacionais tem proporcionado uma melhora nos negócios para as empresas exportadoras. Isso por que o preço médio do milho exportado já subiu 7,29% no comparativo anual, chegando ao valor de US$ 182,2/t. Diante disso, a receita obtida com a venda de cereal brasileiro chegou aos US$ 636 milhões, com uma média diária de US$ 45,49 milhões, 30% a mais do que foi registrado em novembro/19.
Após duas semanas inicias frenéticas, os embarques de carne bovina brasileira apresentaram uma desaceleração forte na terceira semana de novembro/20. Foram 32,10 mil toneladas enviadas para fora do país na última semana, 29% a menos do que fora registrado na segunda semana de novembro/20. Com tal desempenho, a média diária embarcada do mês de novembro/20 reduziu 12% em relação a semana retrasada, se posicionando em 8,50 mil toneladas/dia. Ainda assim, se mantido esse desempenho até o fim do mês, romperíamos um recorde nos embarques diários de proteína bovina.
Com a manutenção do preço médio de venda na casa dos US$ 4,39 mil/t, a receita diária obtida também reduziu 12%, ficando em US$ 37,32 milhões/dia. Apesar do recuo, tal resultado ainda é 8% superior ao de outubro/20, quando a receita diária obtida rondava a casa dos US$ 34,52 milhões/dia.
Com um volume ínfimo de soja disponível, as exportações da oleaginosa continuam a recuar semana após semana. Desta vez, foram apenas 307,36 mil toneladas enviadas para o exterior durante toda a última semana, com isso, a média diária exportada de soja recuou para 88,75 mil toneladas, 14% menor que a média da semana anterior. A manutenção deste desempenho deve levar as exportações de soja a menos de 2,00 milhões de toneladas embarcadas em novembro/20, pior desempenho para um mês de novembro desde 2016.
A receita obtida com as vendas da oleaginosa atingiu os US$ 456,27 milhões no acumulado até a terceira semana de 2020, com os preços de exportações estabilizado próximo dos US$ 365/t, a receita média diária também recuou 14% no comparativo semanal, chegando a um valor de US$ 32,59 milhões/dia, 64% menor do que foi em novembro/19.
4. A compra do pecuarista
Com a finalização da segunda semana de dezembro/20, o cenário de desvalorização vai aos poucos se consolidando para o boi gordo no Brasil, o preço médio do animal já aponta para uma queda de 6% no comparativo mensal com novembro/20, estabelecendo-se próximo ao valor de R$ 270,00/@. Tal diminuição tem prejudicado a relação de troca com vários insumos e também com a reposição de animais.
A desvalorização mais intensa do boi gordo frente os animais de reposição, fez o ágio do bezerro sobre o boi gordo apontar para um crescimento após quatros meses consecutivos de diminuição. Como o bezerro ainda caiu apenas 2% no comparativo mensal, o ágio deste sobre o boi gordo está em 44% até o atual momento do mês de dezembro/20. Essa movimentação mais “calma” dos animais de reposição se deve a falta de liquidez que tem acometido os negócios, no entanto, nos bastidores já há uma certa “correria” das leiloeiras e dos pecuaristas da cria em vender seus animais.
Diante disso, essa melhora no ágio do bezerro sobre o boi gordo no mês de dezembro/20 expõe basicamente um mercado de reposição com pouquíssima liquidez, principalmente pela diminuição severa do apetite dos compradores, devido a desvalorização do boi gordo e conforme esses voltarem ao mercado com mais força, uma pressão baixista sobre os preços da reposição deve se consolidar. Esse movimento de desvalorização mais intensa do preço do bezerro já é notado em algumas praças, com os compradores voltando ao mercado oferecendo cerca de R$ 300-500/cabeça a menos nesses animais.
5. O destaque da semana
O destaque desta semana fica para a divulgação dos dados detalhados dos abates de bovinos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que somaram 7,69 milhões de cabeças abatidas e, como previsto, apontaram para a redução da participação de vacas e novilhas, tanto na comparação anual quanto na trimestral.
A participação das vacas nos abates totais do 3°trimestre deste ano foi de 24%, com um número aproximado de 1,8 milhão, o que representa queda de 10% ante o segundo trimestre deste ano e redução de 19,6% quando comparado ao mesmo período do ano passado.
Assim como o número de vacas foi reduzido, para as novilhas não foi diferente. O número total da categoria foi de 769 mil cabeças abatidas, com participação no abate total de 10%. As novilhas abatidas apresentaram uma desaceleração de 11% em comparação ao trimestre anterior e queda, aproximada, de 12% ante o terceiro trimestre de 2019.
Com relação aos machos, excepcionalmente os bois, houve um aumento de 14,59% no número total de cabeças abatidas, somando 4,69 milhões. A participação no abate total também avançou, ficando em 61%.
Tal movimentação destaca que o processo de retenção de fêmeas continuou acontecendo no Brasil como um todo, e, mesmo com a falta de chuvas e os pastos secos em grande parte do país durante o terceiro trimestre, os criadores continuaram a manter suas fêmeas focadas na reprodução, já que o preço do bezerro estava atingindo patamares recordes e dando uma margem positiva recorde para o sistema de produção de cria.
6. E o que está no radar?
Nesta última quinzena do ano é esperado um movimento mais atenuado no mercado físico de boi gordo, em consequência da menor participação dos players. Alguns pecuaristas, que já conseguiram comercializar seus últimos lotes de animais, começam a se afastar das vendas e entram em recesso.
Parte disso também vem das indústrias, dado a suspensão das atividades pelas festividades de final de ano. Como dito nas edições anteriores, há uma redução dos embarques de carne bovina para exterior, o que por si só já diminui naturalmente o apetite da ponta compradora.
Além disso, com relação ao mercado interno, é possível que haja uma pontual melhora das vendas de proteína animal pelas festas, principalmente após o Natal. Entretanto, as medidas restritivas em decorrência do coronavírus deixam um ponto de interrogação quanto ao desempenho das vendas, que, possivelmente, devem ficar aquém do que ocorre sazonalmente neste período.