Os Estados Unidos e o Brasil apresentaram protestos em separado contra o veto pela Tailândia de agroquímicos neste mês, segundo documentos obtidos pela Reuters, nos quais alegam que o movimento “restritivo” e “sério” poderia prejudicar importantes exportações agrícolas.]
O veto da Tailândia pode impactar as exportações de trigo e soja dos EUA e do Brasil, avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares por ano, de acordo com dados das Nações Unidas, potencialmente estabelecendo um conflito diplomático.
A Tailândia adicionou o pesticida paraquat e o inseticida clorpirifós à sua lista de substâncias mais perigosas em 1º de junho, citando a necessidade de proteger a saúde humana.
A medida levou à preparação de um outro regulamento sanitário, que proíbe produtos alimentícios importados contendo resíduos de produtos químicos proibidos.
A proibição de importação foi esboçada e submetida a contribuições das partes interessadas até 18 de julho. Ela se tornará lei uma vez publicada no Diário Oficial da Tailândia.
Não há um mecanismo legal evidente para impedir a proibição sem que seja necessário alterar a lei de saúde da Tailândia.
Os EUA e o Brasil contestaram a decisão da Tailândia em cartas separadas no final de maio, depois que a Tailândia informou a Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre o movimento para proibição das importações, ainda a ser aprovado.
Tanto os EUA quanto o Brasil sugeriram que o país do Sudeste Asiático carece de novas evidências científicas, conforme exigido pelo Acordo da OMC sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS), para justificar uma medida que poderia restringir o comércio internacional.
“Temos preocupações gerais com relação às ações notificadas, que parecem ser mais restritivas ao comércio do que o necessário”, escreveu Russ Nicely, conselheiro agrícola da Embaixada dos EUA em Bangkok, em uma carta vista pela Reuters.
A Tailândia importa quase toda sua soja dos EUA e do Brasil. Em 2019, a Tailândia foi o oitavo e quarto maior importador mundial de soja dos EUA e do Brasil, com compras de 525 milhões e 602 milhões de dólares, respectivamente, segundo o banco de dados das Nações Unidas, Comtrade.
A Tailândia, também o décimo maior mercado para o trigo dos EUA, usa milhões de toneladas de ambas as culturas a cada ano para produzir uma variedade de produtos que vai desde óleo de cozinha até macarrão e ração animal.
As embaixadas dos EUA e do Brasil na Tailândia não comentaram de imediato.
SEM ANÁLISE DE RISCO
O vice-ministro da Agricultura da Tailândia, Mananya Thaiset, defendeu a proibição e disse que a lógica é proteger a saúde humana a todo custo. Procurado, Mananya não quis comentar.
O paraquat, que tem sido associado ao Mal de Parkinson em várias pesquisas, é proibido na União Europeia e na China, enquanto o próprio Brasil está proibindo seu uso ainda neste ano. Vários estudos também associaram os clorpirifós, proibidos na Europa e na Califórnia, a danos sobre o desenvolvimento cerebral em crianças.
Mas o Brasil e os EUA instaram a Tailândia a continuar permitindo a importação dos produtos sob os limites máximos de resíduos (LMR) do Codex, padrões internacionais usados para níveis aceitáveis de resíduos em produtos alimentares negociados como commodities.
Muitos países que proíbem paraquat ou clorpirifós internamente ainda permitem alimentos importados dentro desses padrões (LMR).
“A abordagem da autoridade tailandesa desconsidera análises de risco para o estabelecimento de medidas regulatórias que podem ter sério impacto no comércio”, disse o Ministério da Agricultura do Brasil, em uma carta vista pela Reuters, na qual defende o uso do inseticida clorpirifós.
As tensões mais recentes entre os países sobre o uso de produtos químicos agrícolas surgiram após uma briga no ano passado, quando os EUA protestaram contra o plano da Tailândia de proibir o glifosato, usado no Roundup, produto da Bayer que é alvo de diversas ações judiciais nos EUA que alegam que ele causaria câncer.
A Tailândia mais tarde recuou sobre o glifosato, mas prosseguiu com as medidas para proibir os outros dois pesticidas.
‘NÃO PODEMOS CONTINUAR’
A Tailândia seria um dos poucos grandes mercados para produtos agrícolas a impor tolerância zero às importações de mercadorias que contêm resíduos.
Cerca de 10 milhões de famílias tailandesas que trabalham com agricultura já estão enfrentando o impacto da proibição dos produtos, especialmente do paraquat.
“Outros produtos químicos são caros e causam muito mais danos à safra do que o paraquat, enquanto são menos eficientes para matar ervas daninhas”, disse Sarawut Rungmekarat, engenheiro agrônomo da Universidade Kasetsart em Bangkok.
Produtores rurais tailandeses também argumentam que a proibição às importações afetaria a cadeia de suprimentos de alimentos doméstica, com impactos que vão desde o setor de ração animal até os de gado, pesca e indústrias de alimentos.
A proibição de importação custaria às empresas tailandesas 1,7 trilhão de baht (55 bilhões de dólares) e 12 milhões de empregos, disse o Comitê Conjunto Permanente de Comércio, Indústria e Bancos do país, que pediu ao primeiro-ministro do país a introdução de um período de carência até o final de 2021.
A indústria de ração animal da Tailândia depende quase inteiramente da importação de 5 milhões de toneladas de soja e 1 milhão de toneladas de trigo por ano.
“Se você cortar nossos suprimentos hoje, nós simplesmente não podemos continuar”, disse à Reuters o presidente da associação de produtores de ração do país, Pornsil Patchrintanakul. “Se caímos, todos caem conosco.”