Neste mês, empresas do porte de BRF e JBS/Seara alertaram sobre a oferta restrita, no mercado, de ovos férteis de galinhas para produção de frangos de corte. Em teleconferência com analistas e investidores para comentar os resultados dos balanços do segundo trimestre, ambas as companhias abordaram o assunto. A situação, reconheceu na ocasião o então CEO da BRF, Lorival Luz, “levará um tempo para se readequar”. Ele acrescentou, ainda, que a falta de ovos para fecundação está “afetando o mundo inteiro”, o que “não possibilita um avanço de alojamento (de mais aves de corte) e de produção”.
A questão diz respeito, entretanto, a um passo anterior na cadeia produtiva de aves: as galinhas matrizes – ou seja, as que produzem os ovos férteis que vão, por sua vez, virar os “pintos de um dia” e, em seguida, frangos de corte. Conforme especialistas ouvidos pelo Broadcast Agro, elas estão ficando cada vez menos produtivas, em função da pressão da seleção genética para que originem frangos mais pesados, com peito e coxas grandes e tempo de abate mais curto.
E isso em um cenário de forte demanda pela carne de frango brasileira, principalmente no exterior. Com menos ovos férteis – e, consequentemente, menos pintinhos de um dia para serem alojados nas granjas -, a reposição dos frangos já abatidos fica, no mínimo, mais cara. Os mesmos especialistas garantem, porém, que essa restrição atual não ameaça o abastecimento da cadeia produtiva.
O presidente da Fundação Apinco de Apoio à Ciência e Tecnologia Avícolas (Facta), José Paulo Korz, diz que a menor produtividade das matrizes em ovos férteis só agrava o problema em um mercado global sedento por carne de frango. Ao Broadcast Agro, ele confirma que matrizes menos produtivas são “um problema mundial, consequência da mudança no segmento de genética avícola, que atua para elevar a produtividade do frango abatido”. “Há uma ênfase na seleção genética para o melhoramento das carcaças dos frangos. Se busca obter mais peito, mais coxa, uma ave mais pesada. Quanto mais exigidas geneticamente as matrizes nesses quesitos, elas naturalmente rendem menos na postura.”
Em teleconferência com investidores e analistas este mês, o CEO global da JBS, Gilberto Tomazoni, confirmou a “melhoria em curso na genética avícola, que permite o aumento de competitividade do setor ao longo dos anos”. No entanto, chamou a atenção para fatores que podem prejudicar a cadeia durante esse melhoramento genético. “Quando se faz evolução em um segmento, surgem desafios em outras áreas. Tem melhoria, mas que requer manejo muito mais apurado, detalhado e que tenha um aprendizado ao longo do tempo”, argumentou, na ocasião.
O diretor presidente da Globoaves, empresa do setor de avicultura no Brasil, Roberto Kaefer, explica ao Broadcast Agro que a alteração na genética das matrizes é uma “busca” do setor para promover o aumento na produtividade dos frangos. A galinha, responsável pela produção de ovos férteis, acaba perdendo performance e produz menos ovos em razão da alteração em sua genética. “O macho também recebe modificações genéticas para produzir frangos com mais peito, coxa e sobrecoxa. Conforme essas mudanças têm sido feitas, naturalmente há uma menor produção e fertilidade (das matrizes), e isso no mundo todo.”
Korz, da Apinco, projeta inclusive que a queda na produtividade de galinhas matrizes, responsáveis pela produção dos ovos férteis, poderá levar ao menor alojamento de pintos de um dia este ano em comparação com 2021. Ele confirma ao Broadcast Agro que o encurtamento na oferta de ovos férteis no País se deve, além das matrizes menos produtivas, a uma forte demanda exportadora de carne de frango. Isso se reflete também no preço da ave de reposição. “Temos, hoje, um preço do pintinho em níveis históricos, por volta de R$ 2,70 a R$ 2,80 a unidade, ante R$ 1,80 e R$ 1,90 no ano passado”, diz. A alta de custos com ração, igualmente, fez a cadeia produtiva diminuir o alojamento de pintos de um dia em cerca de 20 milhões, de 570 milhões por mês para 550 milhões/mês. “Tirar 20 milhões/mês de pintos de um dia cadeia produtiva é muita coisa”, cita.
Além do melhoramento genético das matrizes – que, apesar de produzir frangos mais pesados, as torna menos produtivas em ovos -, fatores externos contribuíram para a redução na oferta de ovos férteis, dizem os especialistas. Entre eles, a gripe aviária, que segue incidindo em granjas do Hemisfério Norte. “A doença reduziu o número de matrizes em importantes países produtores, o que também se reflete na disponibilidade de ovos férteis”, aponta Kaefer, da Globoaves. Além disso, a desestruturação na cadeia produtiva em países que têm a gripe aviária faz com que o mercado passe a buscar os ovos férteis em fornecedores cujos plantéis são livres da doença, caso do Brasil. Dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) mostram crescimento nas exportações de ovos férteis: alcançaram US$ 94,6 milhões entre janeiro e julho de 2022, valor 14,4% maior ante igual período de 2021, ou US$ 82,6 milhões.
Na ponta produtora, o presidente do Sindiavipar (Sindicato das Indústrias de Produtos Avícolas do Estado do Paraná), Irineo da Costa Rodrigues, apontou que tem sido recorrente, nas granjas, a falta de ovos férteis. Rodrigues observa, ainda, que o setor acaba tendo de produzir ovos férteis tanto para exportar quanto para o mercado interno. Ele garante ao Broadcast Agro, entretanto, que “não vai faltar carne de frango para ambos”. Rodrigues confirma que a produção da proteína está ajustada à demanda. A perspectiva de que não falte carne de frango, no curto e médio prazo no País, também é confirmada pelo presidente da ABPA, Ricardo Santin. “Não há nada que indique que esse problema (de oferta restrita de ovos férteis) vá trazer falta de carne de frango adiante, até porque temos uma elasticidade na cadeia produtiva”, apontou ele, em referência ao fato de que, como o frango tem ciclo curto, de cerca de 40 dias do nascimento ao abate, o setor se adequa de forma mais rápida a mudanças.
Segundo Rodrigues, do Sindiavipar, a previsão é de que o alojamento de matrizes mais robusto ocorra a partir de 2023. “É bom salientar que a cadeia produtiva da avicultura no nosso País, e também no Estado do Paraná, está ajustada à capacidade de criação que nós temos. Se for forçado um alojamento maior pode ocorrer, como já aconteceu com outros ciclos de produção, uma superoferta de carne de frango”, argumentou. O mesmo cenário é visto por Kaefer, da Globoaves, que defende a capacidade de produção atual, já que essa “falta” de ovos férteis ajuda na regulagem de produção, em um momento em que o País está exportando 400 mil toneladas de carne de frango/mês.
Para ele, a normalização da disponibilidade de ovos férteis seria possível com mais alojamento de matrizes nas granjas. “Para isso precisamos ter mais granjas em condições de alojamento. Hoje, boa parte delas é 100% automatizada, com linhas mecânicas e coleta automática. Não se faz nada manual por causa dos custos. Então isso (déficit de produção de ovos férteis) não se resolve rápido. No ano de 2023 esse déficit vai seguir. Talvez no ano de 2024 se resolva, com o aumento de produção e com mais matrizes no campo”, acrescentou.