O conflito armado no Leste Europeu começou a ter reflexos diretos sobre o agronegócio brasileiro. Agentes de mercado ouvidos ontem pelo Valor afirmaram que alguns contratos para a venda de produtos e insumos agropecuários da Rússia para o Brasil foram suspensos por “força maior” em razão dos desdobramentos da guerra e da imposição de sanções econômicas ao país comandado por Vladimir Putin.
Segundo uma fonte russa, empresas de fertilizantes do país, como Uralkali e PhosAgro, não estão assinando novos contratos com clientes brasileiros para vendas futuras, embora não tenham recebido nenhuma orientação oficial do Kremlin para interromper o comércio com o Brasil nem suspendido totalmente o fluxo de exportações. Procuradas, as empresas não concederam entrevista.
O Brasil importa da Rússia sobretudo fertilizantes como potássio e ureia e envia para o mercado russo produtos como soja e carnes de frango e bovina. Exportadores já estavam em alerta desde a semana passada com o início do confronto na Ucrânia, mas o clima piorou nos últimos dias.
Em Brasília, o cenário é avaliado como “tenso” e está sob monitoramento permanente dos assessores da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que evita falar em “pânico” e em risco de desabastecimento de insumos. O agravamento da situação na Europa ainda não alterou o cronograma do governo, que pretende anunciar no fim deste mês o Plano Nacional de Fertilizantes, em elaboração desde o ano passado.
A invocação da cláusula de força maior, em razão da guerra e das sanções aplicadas à Rússia por União Europeia e Estados Unidos, afeta os contratos futuros e também os compromissos já em andamento. As restrições nos portos e a retirada de bancos russos do Swift, o sistema interbancário global de pagamentos, dificultam muito as negociações.
O advogado Frederico Favacho, sócio do escritório Santos Neto, recomenda que os empresários brasileiros estudem minuciosamente os contratos com a Rússia e avaliem possíveis impactos. “Em princípio, estamos em uma situação em que a cláusula de força maior pode ser usada. Todo mundo tem que correr para estudar os contratos”, afirmou.
Os efeitos não são lineares e vão depender de cada caso. A tendência é que apenas agentes russos possam invocar a cláusula de força maior, uma vez que os exportadores brasileiros fazem contratos FOB, que obrigam a entrega da carga nos portos do Brasil. “Se o navio não for nomeado, é o importador que vai ter que alegar força maior”, esclareceu Favacho.
Os exportadores brasileiros que tiverem obrigação de entregar cargas na Rússia e enfrentarem problemas com embargo ou fechamento dos portos russos – ou mesmo com o desembaraço posterior da mercadoria – têm a possibilidade de avaliar se há força maior.
(Valor Econômico)