Em dia de apetite ao risco no exterior, o dólar tombou no mercado doméstico de câmbio, rompeu o piso de R$ 4,80 e fechou no menor valor desde 20 de abril. A moeda norte-americana apanhou de seus pares fortes, em especial o euro, e da maioria das divisas emergentes, enquanto as bolsas em Nova York exibiram altas firmes e o Ibovespa correu até a linha 112 mil pontos nas máximas.
A segunda leitura do PIB americano no primeiro trimestre reforçou a expectativa de que o Federal Reserve será cauteloso no processo de aperto monetário. Na quarta, o BC norte-americano acenou em sua ata com duas altas seguidas da taxa básica em 50 pontos-base nas suas próximas reuniões e afirmou que levará o juro para o patamar neutro rapidamente. O PIB dos EUA caiu 1,5% em termos anualizados no primeiro trimestre, mais intensa queda do que a da primeira leitura (-1,4%) e das expectativas dos analistas (-1,3%).
Foi a senha para que investidores saíssem a compras e promovessem um rearranjo de portfólio, aproveitando oportunidades abertas pelo tombo recentes dos ativos de risco. Uma desaceleração da economia americana já está na conta, mas parecem diminuir os temores de uma recessão nos EUA induzida por forte aperto das condições financeiras e combinada com inflação ainda em níveis elevados, a chamada “estagflação”. As cotações do petróleo subiram mais de 3% no mercado internacional.
Segundo o economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, a contração real do PIB americano no primeiro trimestre “tira pressão de um aperto monetário mais agressivo” pelo Fed, embora haja expectativa de crescimento forte no segundo trimestre nos Estados Unidos. “Isso traz um viés de queda para o dólar. Esse movimento do dólar abaixo de R$ 4,80 depende, porém, da confirmação dessa desaceleração americana”, diz Velho, chamando a atenção para a divulgação, na sexta-feira, do índice de preços dos gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês), dos gastos com consumo e da renda pessoal em abril.
Por aqui, dados fortes da arrecadação federal em abril e a aprovação do projeto do teto do ICMS sobre combustíveis e energia em 17% pela Câmara dos Deputados foram bem vistos e contribuíram, ainda que em menor escala, para a apreciação do real. A arrecadação federal somou R$ 195,085 bilhões em abril, alta real de 10,94% na comparação anual e de 17,60% ante março. Números correntes positivos trazem alívio na percepção de risco fiscal no curto prazo, embora haja dúvidas sobre a trajetória de gastos públicos, incluindo impacto do projeto do ICMS, que prevê compensação aos Estados por perdas de arrecadação.
Tirando uma alta pontual nas primeiras horas de negociação, o dólar trabalhou em baixa ao longo do dia e furou o piso de R$ 4,80 ainda pela manhã. A moeda aprofundou a queda à tarde e registrou mínima a R$ 4,7514. No fim do dia, o dólar recuava 1,23%, a R$ 4,7614 – no menor valor de fechamento desde 20 de abril (R$ 4,6204). Operadores notaram redução de posições defensivas no mercado futuro, cujo giro foi mais comedido nesta quinta, na casa de US$ 13 bilhões.
No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis divisa fortes – operou em queda de cerca de 0,20% ao longo da sessão e fez mínima aos 101,768 pontos. Quando o mercado local fechou, era cotado aos 101,789 pontos, baixa de 0,26%. Considerando os pares do real, o dólar caia 0,24% ante o peso mexicano e 1,07% na comparação com o peso chileno. Destaque negativo para o rublo russo, com perdas superiores a 8% ante a moeda americana, após o BC da Rússia cortar a taxa de juros de 14% para 11%.
“O mercado mostra um maior apetite ao risco e o dólar aqui seguiu o comportamento global da moeda americana com esses dados mais fracos economia dos EUA. O real também ganha pela alta dos preços das commodities”, afirma Cristiane Quartaroli, economista do Banco Ourinvest, acrescentando que a aprovação do projeto do teto do ICMS ajuda ao trazer uma “sinalização positiva” para a trajetória da inflação. Apesar do tombo recente do dólar, Quartaroli alerta para o aumento da volatilidade à medida que as eleições presidenciais fiquem mais próximas e prevê taxa de câmbio acima de R$ 5,10 no fim do ano.
Velho, da JF Trust, nota que houve três dias consecutivos de ingressos de recursos externos para a Bolsa doméstica, somando quase R$ 2,5 bilhões, refletindo provável busca de investidores por ações a “preços descontados”. Dados da B3 mostram que o estrangeiros aportaram R$ 1,066 bilhão na B3 na sessão de quarta-feira. No acumulado do mês, o saldo negativo do capital externo, que chegou a superar R$ 12 bilhões, agora é de R$ 10,470 bilhões.
O analista de câmbio da corretora Ourominas, Elson Gusmão, observa que a diminuição do receio de uma alta mais aguda dos juros nos EUA “aumenta a atratividade das operações de carry trade” (que exploram diferencial de juros internos e externos), o que pode contribuir para nova rodada de apreciação do real. “Por enquanto vemos uma resistência do dólar em R$ 4,75”, diz.
(Estadão Conteúdo)