O dólar desceu mais um degrau na sessão desta terça-feira, 22, emendando uma sequência de cinco pregões consecutivos de queda, período em que acumulou desvalorização de 4,73%. Depois de furar na segunda-feira o piso psicológico de R$ 5,00, a moeda chegou a flertar nesta terça com o rompimento de R$ 4,90. Na mínima da sessão, pela manhã, desceu até R$ 4,9051 (-0,80%).
A divisa recuperou um pouco do fôlego com ajustes e realização de lucros intraday no início da tarde, quando registrou máxima a R$ 4,9513 (+0,14%), mas arrefeceu logo em seguida. Após passar a etapa vespertina orbitando R$ 4,92, fechou em baixa de 0,59%, a R$ 4,9152 – menor valor desde 24 de junho. Com isso, o dólar já acumula queda de 4,66% em março e de 11,85% no ano. No exterior, a moeda também perdeu força em relação à maioria de divisas emergentes e de países exportadores de commodities, como o peso mexicano e o rand sul-africano, tidos como pares do real.
Operadores relataram desmontagem de posições defensivas no mercado futuro no embalo de nova leva de entrada de fluxo estrangeiro para ativos domésticos, a despeito do dia menos positivo para commodities. A cotação do minério de ferro negociado em Cingapura caiu 3,06%, em meio a paralisações de siderúrgicas na China, em razão de restrições para combater a covid-19. Os preços internacionais do barril do petróleo passaram a tarde entre leve queda e estabilidade, embora ainda acima de US$ 110, com investidores de olho no desenrolar da guerra na Ucrânia e possíveis novas sanções ocidentais contra Rússia. Em razão das tensões geopolíticas, recursos que seriam carreados normalmente para ativos russos e chineses estariam desembarcando agora no Brasil.
O vaivém do petróleo ganhou ainda mais relevância para a formação da taxa de câmbio após o Comitê de Política Monetária (Copom) construir um cenário alternativo para a inflação baseado na trajetória de preços da commodity. A ata da reunião do Copom na semana passada, divulgada pela manhã, suscitou interpretações distintas. Para parte do mercado, o colegiado do BC ratificou que pretende encerrar o ciclo de aperto em maio, com uma alta final da Selic em 1 ponto porcentual, para 12,75% ao ano. Outra ala destacou o fato de o Copom ter deixado a porta aberta para novas elevações dos juros após maio caso as expectativas de inflação se deteriorem, insufladas pelos preços do petróleo.
Casas relevantes, como Santander, Bank of America e Itaú Unibanco, esperam taxa Selic terminal acima de 13%. O Itaú, aliás, se apoiou na ata para elevar a projeção para a taxa básica de 13% para 13,75%. Embora avalie que a ata sinaliza possível encerramento do ciclo em 12,75%, o economista-chefe do banco, Mario Mesquita, afirma, em relatório, que “o Copom reconhece que pode aumentar um pouco mais a taxa Selic, avançado ainda mais em território contracionista, caso o cenário prospectivo mostre mais deterioração”.
Seja qual for o nível em que a Selic estacione, não muda o fato de o Brasil exibir a segunda maior taxa real de juros do mundo, atrás apenas da Rússia, o que atrai capitais de curto prazo. O diferencial entre juros internos e externos se manterá também elevado mesmo que o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) acelere o passo daqui para frente. Após o tom duro do presidente do BC americano, Jerome Powell, em discurso na segunda-feira, as apostas em alta de 50 pontos base da taxa básica americana em maio já são majoritárias, segundo monitoramento do CME Group.
Para o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, o tom da ata mostrou que o BC está disposto a elevar a taxa Selic acima do que indica seu cenário, o que favorece o real. “Com a perspectiva de alta dos juros ainda no radar e levando em conta que commodities não devem cair de maneira relevante este ano, o Brasil se torna uma ‘saída’ para estrangeiros que buscam se proteger de inflação e capturar a alta de bens básicos”, afirma Perfeito. “Devemos ver o real continuar a se apreciar no curto e no médio prazos.”
Segundo o economista-chefe da Frente Corretora, Fabrizio Velloni, o quadro de preços elevados das commodities, apesar do tropeço hoje, empurram a Bolsa para cima e derrubam o dólar. “Tem um fluxo bem positivo. Mas não vejo a queda do câmbio como uma tendência de longo prazo. Estamos perto do piso. A tendência é o dólar voltar para R$ 5,10 e R$ 5,20”, afirma Velloni, acrescentando que, caso a guerra não perdure, as cotações das commodities podem recuar, embora não para níveis vistos antes do conflito.
Além da taxa de juros elevados e da alta das commodities, que sustentam parte do fluxo cambial, o real está sendo beneficiado por migração de recursos de ativos para o mercado brasileiro. “O Brasil ficou ainda mais no radar com os problemas na Rússia e na China. O mercado tem a percepção de que o fluxo estrangeiro vai continuar grande e isso derruba o câmbio”, afirma o economista Thomas Giubert, sócio da Golden Investimentos.
(Estadão Conteúdo)