O peso do Estado na economia brasileira atingiu no ano passado o menor nível desde os anos 1990. Em 2022, a participação do consumo do governo no Produto Interno Bruto (PIB, valor de tudo o que é produzido na economia) ficou em 18,0%, abaixo dos 18,6% de 2021. É o menor nível da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), iniciada em 1996.
No cálculo do PIB, o consumo do governo não é a mesma coisa que os gastos públicos que entram nos Orçamentos dos entes federativos. Ele se refere às despesas para prover serviços públicos como educação, saúde e segurança.
Não entram na conta, por exemplo, as despesas públicas com programas de transferência de renda (como o Bolsa Família, cujos pagamentos são considerados como consumo das famílias, já que os cidadãos recebem os recursos diretamente e podem usá-los como quiser) ou com obras (que entram como investimentos).
As oscilações na participação do consumo do governo no PIB são pequenas ao longo dos anos – entre 18% e 20% -, mas o fato de que o piso tenha sido atingido em 2022 reflete uma tendência de diminuição do peso do Estado, na avaliação da economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Ela chama a atenção para a dinâmica do crescimento do consumo do governo ao longo dos trimestres. Nessa dinâmica, há uma quebra em 2016, ano do impeachment da então presidente Dilma Rousseff.
Essa quebra ocorre depois de dois períodos distintos. Os anos 1990 foram de moderação, com crescimento médio de 1,7% entre o primeiro trimestre de 1996 e o quarto trimestre de 2004.
Num período seguinte, a mesma média, entre o primeiro trimestre de 2005 e o quarto trimestre de 2015, subiu para 2,3%, marcando um ciclo de crescimento no tamanho do Estado na economia.
“Nos governos do PT, ao longo de muitos anos, o governo crescia, os salários (do funcionalismo) cresciam, e o consumo do governo ganhou protagonismo”, afirma Matos.
Como esse período também foi de crescimento mais acelerado do PIB, a participação do consumo do governo na economia não cresceu tanto – passou de 18,5%, em 2004, para 19,8%, em 2015.
No período mais recente, a quebra fica evidente porque a média do crescimento do consumo do governo entre o primeiro trimestre de 2016 e o quarto trimestre de 2022, foi zero. A participação no PIB também diminuiu, só que lentamente. Em 2016, como a economia estava em recessão e o PIB caiu, o consumo do governo subiu para 20,4% do PIB. Depois, entrou em tendência de queda, até os 18% de 2022.
Embora sejam conceitos diferentes, o consumo do governo e as despesas públicas estão relacionados, lembra Matos. Afinal, os serviços públicos são custeados por meio da arrecadação de tributos.
Por isso, em alguma medida, a mudança de dinâmica no tamanho do Estado a partir de 2016 está relacionada às diretrizes dos governos Temer e Bolsonaro, com destaque para o teto de gastos, regra que limita a despesa pública federal ao valor do ano anterior, reajustada apenas pela inflação.
Pandemia
O período recente também foi marcado pelos impactos da covid-19, lembra a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria. A crise sanitária teve efeitos atípicos e nunca vistos sobre a economia, incluindo o consumo do governo.
No segundo trimestre de 2020, o consumo do governo caiu 7,8% sobre os três primeiros meses daquele ano, com o PIB como um todo.
Isso porque, embora os governos tenham gastado mais para enfrentar a pandemia, a oferta de serviços públicos foi prejudicada. Aulas foram suspensas nas redes públicas e as pessoas deixaram de procurar serviços de saúde não urgentes, como cirurgias eletivas ou tratamentos para problemas crônicos. Ao mesmo tempo, boa parte da elevação das despesas não foi com serviços públicos. O auxílio emergencial, por exemplo, entrou no consumo das famílias.
Retomada de gastos
As sinalizações da atual gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que assumiu o governo em 2023 no menor nível de consumo da União em quase três décadas, são de mais reajustes de salários do funcionalismo e mais gastos públicos.
Para Silvia Matos, do FGV Ibre, embora o sinal seja de aumento do peso do Estado na economia, a situação das contas públicas e o cenário econômico não permitirão a retomada daquele ciclo de crescimento dos primeiros governos do PT.
A economista lembrou que a economia e a arrecadação tributária não deverão crescer como cresceram nos anos 2000.
Por outro lado, embora possa haver mais reajustes de salários dos servidores (na sexta-feira, 10, o governo federal propôs um reajuste salarial de 9% para a categoria, a partir de maio), o efeito disso sobre o crescimento do consumo do governo é menor do que a contratação de novos funcionários para expandir a oferta de serviços.
Nos governos anteriores do PT, por exemplo, houve expansão das universidades federais, com criação de instituições e contratação de professores, o que acelera mais o consumo do governo.
Além disso, parte dos sinais que o atual governo Lula tem dado sobre aumento de gastos públicos está direcionada para o novo Bolsa Família e para a retomada de obras públicas, despesas que entram na conta como consumo das famílias e investimentos.