A quarentena mudou a rotina de muitos brasileiros. Em casa, as famílias tiveram de cozinhar mais, o que afetou a dinâmica de preços dos alimentos e estimulou a venda de produtos como margarina e linguiça. Mas, ainda que seja tentador atribuir aos novos hábitos o movimento nas gôndolas e a disparada de básicos como arroz e leite, é a limitação da oferta no campo e a sustentação proporcionada pelo auxílio emergencial que dão as cartas.
O Valor entrevistou executivos da indústria de alimentos, analistas e produtores rurais para compreender as razões das oscilações expressivas nos preços de alimentos. Ao consumidor, leite longa vida e arroz subiram mais de 15% ao longo do ano, um reflexo da situação no campo – não à toa, as cotações aos orizicultores gaúchos seguem no maior nível da história, e próximas disso aos pecuaristas.
Outros produtos agropecuários, como feijão, trigo e carne de porco, também enfrentam um cenário de limitação de oferta. O ritmo aquecido da exportações, particularmente de carne suína e bovina, e o encarecimento da importação por causa da apreciação do dólar, o que afeta leite em pó e trigo, também ajudam a explicar o movimento dos preços.
“É o auxílio emergencial que está mantendo o consumo. Não há dúvida. Mesmo com o aumento de preço, o consumo está acontecendo”, ressaltou o diretor de uma das maiores indústrias de carnes do país, que pediu anonimato. No segundo trimestre, Seara e BRF aumentaram em mais de 10% as vendas de alimentos processados. Na comparação com o período pré-pandemia, o volume vendido de itens como kibe que almôndegas cresceu 17%. No caso de hambúrguer, o alta bateu 10%.
Nas regiões Norte e Nordeste, a venda de produtos cárneos surpreendeu positivamente, acrescentou um executivo da indústria frigorífica. Citando dados da consultoria Nielsen, ele disse que, de maio a junho, as vendas de alimentos industrializados à base de carnes aumentaram mais de 5%.
Entre os produtos cárneos, avaliou a fonte, a demanda está mais aquecida por produtos de “baixo valor agregado”, como salsicha e linguiça. Nesse sentido, é perceptível diferença de oscilação de preços entre tipos de carne. Conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o preço da linguiça subiu 6,4% no ano, ao passo que o filé mignon consumido nos domicílios registrou queda de 19,3% – nesse caso, o fechamento de restaurantes e churrascarias também pesou.
Quando se considera commodities como arroz, feijão e trigo – além de derivados -, a demanda também aumentou, mas a persistente valorização dos preços reflete, sobretudo, a menor oferta disponível. “No primeiro semestre, vendemos 10% mais arroz. Mas desde junho os pedidos vêm voltando aos patamares normais”, contou Renato Franzner, diretor de vendas da Urbano Alimentos.
No caso do arroz, os estoques estavam baixos, após a quebra da safra gaúcha da temporada passada. Somado à maior demanda internacional, que fez o Brasil elevar as exportações de arroz em casca, e à manutenção da procura nacional, os preços seguiram elevados.
Situação semelhante ocorre com o feijão. Com o estoques apertados após a quebra da primeira safra no início do ano, os preços não arrefeceram. “Passaremos um período de escassez”, disse o diretor de política agrícola e informações da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Sérgio De Zen. Ao consumidores, o preço do feijão aumentou entre 19% e 34% no ano, a depender da variedade, conforme o IPCA.
A Conab prevê que a terceira safra da leguminosa, ainda sendo colhida, crescerá 13,4%. Mas mesmo se confirmadas as previsões, ainda faltará feijão porque a terceira safra representa 23% do total produzido no país, e a próxima colheita será só no começo do ano que vem. “Ainda tem pouco produto disponível para comprar”, disse Franzner, da Urbano.
No mercado de trigo e derivados, a demanda também está aquecida. ”Só não se vende mais porque nossas capacidades produtivas estão limitadas. Há muita demanda para massas secas e massas frescas”, disse o representante da cooperativa gaúcha Cotriel, Cesar Pierezan.
Como no caso das outras commodities, a forte demanda e a menor oferta de trigo nos últimos meses fizeram os preços aos agricultores baterem recorde no Paraná e Rio Grande do Sul. Ao consumidor, os preços da farinha de trigo subiram quase 12% no ano, e o macarrão, 3%, acima do índice geral da inflação, que acumulou alta de só 0,46% no período.
Entre os laticínios, foi a combinação de menor oferta, fruto do atraso da safra no Sul, cautela dos produtores e aumento das vendas que fez os preços dispararem. Em meio às incertezas provocadas pela pandemia, muitos laticínios haviam indicado, ainda em abril, que a demanda seria menor e que os pecuaristas deveriam reduzir a produção. No entanto, o auxílio emergencial ampliou a demanda, disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Leite Longa Vida (ABLV) e sócio do Laticínios Jussara, Laércio Barbosa.
Cientes do papel do auxílio para amparar as vendas, os empresários já se preparam um cenário negativo com o fim ou redução do benefício. “Vamos passar este ano tranquilos. Mas em 2021 vamos pagar a conta”, reconheceu um executivo. (Valor Econômico retransmitido pelo BeefPoint)