Nas planícies dos Estados Unidos conhecidas como Cinturão do Milho, os agricultores passam seus dias e noites nutrindo, cuidando e rezando pelo bem-estar desse alimento comum, mas globalmente significativo. Scott Haerr, que colhe mais de 1,6 mil hectares todos os anos (uma área que corresponde mais de 1,5 mil campos de futebol), é um deles. Dentro de um enorme silo em sua fazenda no oeste de Ohio, o agricultor de terceira geração examina os grãos de milho da colheita do ano passado. “É um milho muito bom”, diz ele, peneirando um punhado.
Mas, embora a qualidade da colheita do ano passado possa ter sido boa, a quantidade produzida pelos agricultores americanos não foi. O aumento dos preços de fertilizantes e combustíveis fez com que o número de hectares plantados caísse significativamente em relação a 2021. Além disso, uma seca nas planícies ocidentais alimentou um aumento no preço do milho americano no mercado internacional. “Tivemos uma safra reduzida por causa do clima e o rio Mississippi secando no outono passado e no início do inverno, o que retardou muito nossas exportações”, diz Haerr. “Por causa disso, o preço do milho subiu, o que nos tornou menos competitivos”. O trabalho árduo e a experiência tecnológica dos agricultores americanos cimentaram seu lugar no topo das exportações de milho. Todos os anos, dezenas de milhões de toneladas são enviadas dos EUA para mais de 60 países em todo o mundo. Mas seu status de superpotência do milho pode estar chegando ao fim.
Os compradores na China – país que é o maior importador mundial de milho – estão cancelando pedidos dos Estados Unidos, em grande parte porque existem alternativas mais baratas em outros lugares. Em janeiro, as vendas de milho dos Estados Unidos para a China ficaram 70% abaixo dos níveis dos anos anteriores. E em maio, a China começou a comprar milho sul-africano pela primeira vez. É uma tendência preocupante para os agricultores dos EUA. De fato, depois de décadas no topo, está prestes a ser ultrapassado como o maior exportador mundial da safra – e o Brasil está na briga para tomar sua posição.
A ascensão do Brasil
Em análise divulgada no site da Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/USP), o professor Lucílio Alves aponta que o Brasil deve embarcar volume de milho equivalente ao dos Estados Unidos na safra de 2022/23. Serão 51 milhões de toneladas entre outubro de 2022 e setembro de 2023, segundo estimativas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos divulgadas em fevereiro. “Esse cenário pode ser verificado pela primeira vez para os exportadores brasileiros”, apontou Alves. Nos Estados Unidos, não é apenas a China que está se distanciando do milho produzido no país. As exportações para todos os países, exceto a China, estavam em seu segundo menor nível em duas décadas, conforme noticiou a agência Reuters. O México, que compra cerca de US$ 5 bilhões (R$ 24,6 bilhões) em milho dos Estados Unidos todos os anos, está se preparando para limitar as importações da variedade geneticamente modificada, uma grande quantidade da qual vem de seu vizinho do norte.
Enquanto isso, no Brasil, agricultores têm convertido faixas de terra agrícola de pastagens para campos de milho nos últimos anos, dizem especialistas. A vantagem adicional do Brasil é que seus agricultores podem colher não só uma, mas duas safras de milho por ano. “No ano passado, em particular, eles tinham muito mais estoques exportáveis ​​do que nós aqui nos Estados Unidos”, diz Frayne Olson, economista agrícola da North Dakota State University. “A tendência de longo prazo é que o Brasil está aumentando sua produção de milho, está se tornando um ator muito mais dominante.” A análise de Lucílio Alves, do Cepea/USP, aponta que o Brasil pode superar os Estados Unidos como maior exportador de milho do mundo, no Brasil, o aumento das exportações resultam de um superávit interno da produção estimado em cerca de 55 milhões de toneladas tanto para as safras 2021/22 quanto para 2022/23, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A China vem aumentando significativamente suas encomendas de milho brasileiro. Os dois países também firmaram uma série de acordos que permitirão que mais milho seja embarcado do Brasil para a China. O movimento da China para diversificar as importações de alimentos provavelmente é estimulado por uma combinação de fatores, de acordo com Harry Murphy Cruise, economista da Moody’s Analytics focado no país asiático.
China x EUA
Além da questão do preço, o aumento das tensões entre os Estados Unidos e a China está levando Pequim a diversificar rapidamente caso a situação se deteriore ainda mais. “O comércio é uma ferramenta fundamental no arsenal de todos os formuladores de políticas”, disse ele. “Existe a possibilidade de que a China esteja usando o comércio como uma forma de coerção econômica.” Cruise disse que batalhas sobre produtos como semicondutores, eletrônicos e baterias não são os únicos exemplos de como a China mudou sua relação comercial com os Estados Unidos. “É mais amplo do que isso”, diz Cruise, observando que a China está procurando mitigar riscos e fortalecer as cadeias de suprimentos de bens essenciais. “Alimentos e rações para o gado são críticos.”
Nos Estados Unidos, os preços do milho estão altos por muitos dos mesmos motivos pelos quais a maioria dos outros produtos e serviços são caros hoje: inflação. Para os agricultores, os custos crescentes de maquinário, sementes e terras agrícolas prejudicaram seus resultados. “Quando você olha para o maior diferencial no custo de produção de milho nos EUA em relação ao Brasil, África do Sul ou Argentina, provavelmente é a terra”, diz Frayne Olson. O preço por acre de terra em Iowa, o maior estado produtor de milho dos EUA, aumentou 29% em 2021 e mais 17% em 2022, o maior já registrado. Em Illinois, o segundo maior produtor de milho, o aluguel da terra atingiu preços recordes no ano passado. Economistas dizem, porém, que a ascensão do Brasil não deve ter grande impacto no dia a dia dos americanos – a agricultura não tem o mesmo peso econômico de décadas atrás. “A agricultura é importante – o abastecimento de alimentos é crítico – mas não é uma grande parte de toda a economia”, diz Olson.
O agricultor Scott Haerr, por sua vez, diz que não planeja reduzir o número de hectares de milho que planta, já que o custo de fertilizantes e combustível diminuiu em relação às altas do ano passado. “Mas estamos prontos para pivotar, se precisarmos”, diz ele. Ele acredita que há pouco a ser feito para impedir a rápida ascensão do Brasil, mas isso não significa que os agricultores americanos estejam fora do jogo de exportação. “A Indonésia não está importando milho no momento, mas seu potencial de crescimento para o etanol (produzido a partir do milho) é enorme”, diz ele. No início deste ano, ele e outros produtores de milho de Ohio visitaram os países do Sudeste Asiático para ouvir em primeira mão o que os compradores querem. “Precisamos ter certeza de que estamos tentando desenvolver novos mercados”, diz ele.
(G1)