Autor: Simon Quilty – Analista Global de Proteína Animal
Tradução e adaptação: Agrifatto

 

O governo chinês, nos últimos meses, adotou uma série de iniciativas importantes que culminarão em volumes crescentes de importação de todos os tipos de alimentos, à medida em que os impactos da Peste Suína Africana começam a ser sentidos, com grandes perdas de suínos e preços crescentes desta carne no mercado interno chinês.

Os números de matrizes caíram 23,9% em maio ante um ano atrás e o número total de suínos caiu 22,9% – Acredito que esses números mais recentes evidenciam uma queda muito maior do total de suínos na China até o final do ano – acredito que as quedas serão próximas de 35-40%, ante estimativas anteriores de 30%.

Essa taxa revisada de liquidação é apoiada por outros analistas que também consideram este aumento da taxa de declínio da população de matrizes da China como preocupante e, se olharmos para o Vietnã como uma “base” para PSA mais transparente do que realmente está acontecendo na China e as perdas incorridas – em 3 meses, o Vietnã teve uma perda de 2,2 M de um rebanho total de suínos de 34 M cabeças – se eu replicar essa taxa de perda para a China ao longo de uma janela de 17 meses (de agosto de 2018 a dezembro de 2019), seria um prejuízo da ordem de 37%, o equivalente a uma queda de 160 milhões de cabeças no rebanho chinês (veja abaixo na atualização do Vietnã). Outros indicadores-chave que também apontam para esse maior déficit de oferta de carne suína são: o declínio de 46% na ração de leitões para o período de janeiro a abril e os preços de leitões 63% maiores do que no ano passado, estando cotados em 38,35 RMB / kg – em outras palavras, leitões são escassos, o que aponta para um esvaziamento dos investimentos em suínos.

Um relatório recente da Dim Sums (ver abaixo) afirma que a província de Guangdong, a segunda maior província produtora, viu o estoque de suínos cair 40% devido ao abate de suínos por causa dos severos surtos de PSA em fevereiro e março – a liquidação permaneceu alta também em abril e maio, indicando que o valor do estoque de suínos de março pode ser ainda menor hoje.

Algumas iniciativas importantes nos últimos meses, indicam que a China está construindo um planejamento de importações crescentes de alimentos, por meio das seguintes ações:

  •     Isenção tarifária de importações de alimentos dos EUA, em particular para suínos;
  •     Expansão dos países e fornecedores aprovados, à medida em que as importações da China começam a desempenhar um papel mais importante na gestão do déficit alimentar;
  •     Plano de expansão da capacidade logística e de armazenagem na cadeia de congelados (cold-chain supply) nos próximos anos.

Outras questões abordadas neste relatório:

  • Relatório Dim Sum destaca perdas regionais severas devido a PSA;
  • A inflação de alimentos da China saltou para 7,7% em maio, o maior valor em nove anos, com a carne suína aumentando 18,2%;
  • As exportações de carne suína dos Estados Unidos permanecem robustas nas últimas 5 semanas, embora os números tenham sido moderados na última semana;
  • As exportações de carne bovina do Brasil para a China foram retomadas, após 10 dias de embargo;
  • Coréia do Sul continua em alerta máximo, enquanto a Coréia do Norte enfrenta a PSA sozinha;
  • Aumento do número de casos no Vietnã.

 

  1.     Isenção Tarifária de Importação da China – Governo chinês concede isenções a empresas agrícolas

O governo chinês enviou uma diretiva em maio convidando as empresas de importação chinesas a solicitar uma isenção de 12 meses do pagamento do atual imposto de importação de 50%, adotado após a guerra comercial entre EUA e China – acredito que esta nova política da China tem tudo a ver com os custos dos produtos dos EUA e, especialmente, da carne suína.

Comentário: esta é uma das muitas medidas a serem tomadas pelo governo chinês para começar a importar grandes volumes de carne suína (e outras proteínas) dos EUA, visando atender o déficit causado pela PSA – a data crítica deve ser em julho e eu não ficaria surpreso se os produtos que desembarcarem na China em junho e julho estiverem sob o novo critério de importação.

 

  1.     Aprovação de plantas frigoríficas pela China está crescendo globalmente e mostra resultados

A China continua expandindo o número de plantas habilitados a fornecer proteína animal. A lista mais recente sobre instalações aprovadas está disponibilizada abaixo. Deve-se notar que em muitos países existem plantas duplas, isto é, abate tanto carne de ovinos quanto de bovinos – eu as relacionei separadamente em cada categoria e fiz uma nota de rodapé com as informações.

O sucesso da China em ampliar sua base de fornecimento é melhor refletido nos últimos números de importação para a China (Abri/19), mostrando capacidade de aumentar as importações quando necessário (veja abaixo).

Nota de rodapé: Uruguai tem 10 plantas de carne bovina/ovina, o Brasil tem 1 (uma) planta de porco/frango e a Mongólia tem 35 plantas de carne bovina/ovina.

Os benefícios desta expansão da base de oferta global são melhor vistos nas importações de abril, com importações de carne bovina 75% maior que no ano passado, 62% de alta na carne de frango e 11% na suína.

Comentário: O que é interessante notar é que o número de plantas de carne suína aprovadas é quase o mesmo que o de carne bovina. Ao meu ver, isto evidencia que a carne bovina é uma prioridade para governo chinês.

  1.     Capacidade de armazenamento (câmaras frias) da China crescem

Em fevereiro deste ano, o governo chinês lançou um plano de 5 anos para revitalizar o setor agropecuário por meio da melhoria da qualidade de produção, promovendo o crescimento da capacidade de armazenamento e logística da cadeia de refrigerados/congelados (cold-chain). No relatório, eles destacaram o foco na construção de instalações de pré-resfriamento, armazenamento e infraestrutura de retenção nas principais regiões produtoras.

De acordo com as estatísticas recentes, a capacidade de armazenamento refrigerado na China em 2018 foi de 53 milhões de toneladas (+10% ante 2017). Esse ritmo de crescimento deve continuar, ao menos, pelos próximos quatro anos.

Comentário: As questões relativas ao armazenamento a frio têm sido debatidas durante muitos anos como um dos principais problemas da exportação para a China e, em particular, para a carne bovina, ovina, suína e frango refrigerados. O plano proposto parece reconhecer essas deficiências e visa resolver este problema.

  1.     Relatório Dim Sums – ‘Impactos diferentes da PSA em Guangdong e Sichuan’ (Resumo deste relatório)

Pesquisas nas províncias chinesas mostram que a PSA está evoluindo de diferentes formas conforme as regiões. Uma pesquisa feita em maio/19 nas províncias de Guangdong e Sichuan destacam essas diferentes – ambas são importantes províncias produtoras de carne suína, sendo Guangdong a segunda maior produtora.

O relatório de Guangdong trouxe que a venda generalizada de suínos é a razão pela qual os preços não subiram e que os maiores abates de suínos pelo pânico lotaram as instalações de armazenamento da província.

Já o relatório de Sichuan trouxe que os estoques de carne suína não são tão grandes e há preocupações sobre a carne suína estocada conter o vírus da PSA. Um gerente de Sichuan disse que os testes de estoques de suínos encomendados pelo governo ainda não começaram. Algumas pessoas dizem que 90% do suíno estocado está infectado, mas o gerente do matadouro (entrevistado durante a pesquisa) duvida que seja este o número. A carne infectada terá que ser destruída, disse o gerente.

Comentário: Excelente relatório. Alguns pontos adicionais: i) as porcas são muito vulneráveis a PSA e em alguns distritos as fêmeas caíram até 60%; ii) as chuvas, que foram em grandes volumes em abril/19, contribuem para a propagação do vírus da PSA; iii) eventos e festivais, que envolvem tráfego de grandes volumes de pessoas, implicam em maiores riscos de propagação do vírus – não é coincidência que os surtos mais graves ocorreram durante o Festival da Primavera, em fevereiro/19.

Também estou surpreso com o gerente de Sichuan, dizendo que os testes dos estoques de carne suína ainda não começaram, e isso em parte poderia explicar por que os estoques domésticos de carne congelada não saíram mais rapidamente dos armazéns e a estagnação dos preços nos últimos meses. A alegação de que 90% da carne suína estocada pode estar infectada é surpreendente, mas mesmo que seja 50%, o fato de que será destruída após os testes mostra quão precário será o suprimento de carne suína nos próximos 6 meses.

  1.     Inflação de alimentos da China aumentou em maio

Em maio, a inflação de alimentos da China saltou para 7,7% no comparativo ano-a-ano, sendo a maior inflação alimentar desde janeiro/2010. A carne suína saltou 26,7% no mesmo comparativo.

Em novembro do ano passado, escrevi um artigo intitulado “Os preços crescentes da carne suína da China são hoje uma dor de cabeça como no passado – administrando a agitação social” – este artigo analisou a história e qual foi o impacto da doença da orelha azul na China entre 2006 e 2008, e em particular se concentra no aumento da inflação impulsionado pelos preços da carne suína, que aumentaram naquela época, mais de 50% no varejo e até 95% no atacado. As altas resultaram em temores inflacionários que elevaram o indicador, mostraram a necessidade das importações de produtos alimentícios como um meio de baixar o preço doméstico – não diferente de hoje.

  1.     USDA: as exportações de carne suína continuam robustas

Dados do USDA divulgados na última semana mostrou que 2.300 toneladas foram exportadas para a China, queda de 17.400 toneladas ante a semana anterior. Há 3 e 4 semanas, os volumes foram de 39.200 e 31.400 toneladas, respectivamente.

Os embarques de carne suína dos EUA em 2019, entre janeiro e abril, foram de 97,35 mil toneladas, uma queda de 26% em relação ao mesmo período do ano passado. Mas, em abril, houve uma recuperação e pode ser um sinal de que um programa de exportação de carne dos EUA está em andamento. Este gráfico não inclui miúdos.

Comentário: Nos seminários sobre PSA que ocorreram em abril nos EUA, houveram muitas conversas entre participantes de que um programa de importação de suínos na China estava prestes a começar ou já havia começado. Os números de abril podem evidenciar isso.

  1.     China quer punir o Canadá

Autoridades chinesas aumentaram as inspeções de carne de porco canadense devido à crise diplomática entre os dois países – usando como motivo a presença de patógenos na carne de porco canadense. Isso ocorre após a prisão, em dezembro/18, da principal executiva da Huawei que está sendo extraditada para os Estados Unidos em relação às violações por sanções ao Irã.

  1.     Coreia do Sul em alerta máximo com a Peste Suína Africana à sua porta, enquanto a Coreia do Norte ignora a sua ajuda

A Coreia do Sul alega que a Coreia do Norte ignorou quaisquer pedidos de esforços conjuntos para conter a disseminação da PSA depois que um surto ocorreu na Coreia do Norte. O Ministério da Agricultura da Coreia do Sul tem monitorado 340 fazendas de suínos próximas a fronteira com a Coreia do Norte, com exames de sangue feitos em todas as fazendas, que retornaram resultados negativos para o vírus.

Para controlar a doença e evitar uma disseminação, a Coreia do Sul introduziu cercas e armadilhas em toda a região de fronteira, buscando evitar que javalis espalhem a doença – estima-se que existam 6.300 fazendas de suínos na Coreia do Sul.

  1.     Exportações de carne bovina do Brasil para a China foram retomadas

Na quinta-feira (13/jun), após 10 dias embargadas depois da confirmação de um caso atípico de “vaca louca” (ou BSE), as exportações brasileiras de carne bovina para a China foram retomadas.

A China é o único país entre os compradores do Brasil que impõe um protocolo de saúde que exige suspensão das importações de carne bovina quando ocorre um caso atípico de “vaca louca” – como resultado dessa recente proibição, o governo brasileiro buscará negociar um novo protocolo de saúde com as autoridades chinesas, para evitar problemas de exportação, como o que ocorreu nos últimos 10 dias.

Comentário: a China não tem condições de manter a proibição ao Brasil, dada a importância do Brasil como fornecedor.

  1.  Intensificação de perdas do Vietnã

Autoridades vietnamitas relataram recentemente que 2,2 milhões de suínos foram abatidos devido a surtos de PSA, com um total de 2.332 casos de PSA relatados em 30 províncias. Em maio, o Exército vietnamita foi mobilizado para participar dos esforços de eliminar os porcos infectados em tempo hábil, na tentativa de impedir que os surtos se espalhassem ainda mais. O Ministro da Agricultura disse que “o Vietnã nunca enfrentou uma doença tão perigosa, complicada e custosa na história da produção de carne do país”.

Comentário: Se o Vietnã é a “base” para o que aconteceu na China, e dado que o Vietnã perdeu 5% do total de seu rebanho em 2,5 meses devido à PSA – estima-se perdas potencias na China em um horizonte de 17 meses (ago/18 a dez/19) – e se a taxa de perda fosse a mesma, a China já teria perdido 37% do seu rebanho de suínos.

  1.  Conclusão

A grande questão são os preços do suíno nos EUA, e por que sua cotação não subiu se todos os fatores abordados nesta análise mostram aumento das exportações de carne suína para a China e um aperto da oferta de suínos nos EUA. Contudo, nas últimas semanas, os futuros fizeram o oposto, e caíram.

Acredito que a resposta a esse dilema é timing e o fato de que os mercados norte-americanos acreditavam que as exportações de carne suína para a China aumentariam mais cedo, o que impulsionou o mercado futuro em fevereiro e março (veja abaixo). Os preços de carcaça permaneceram estáveis em abril e maio, quando o mercado de suínos dos EUA perdeu força devido à forte produção doméstica e às questões em curso com o México e imposições de tarifas.

Penso que o mercado nos EUA está relutante em cometer o mesmo erro pela segunda vez e está esperando para ver os próximos dados de exportação de carne suína, os números reais embarcados e uma queda na oferta interna à medida que os volumes serão destinados para a China – está prestes a acontecer.

A razão para a estagnação na China é descrita acima, por meio do aumento do abate de suínos em fevereiro e março, grandes estoques de carne suína congelada que estão sendo armazenados em todo o país, e a queda do consumo de carne suína (estimada em 15%).

Ao meu ver, isso mudou na última semana, com os preços da carcaça suína na China começando a melhorar, o que indica uma queda na oferta – os abates começaram a cair e só se pode supor que os estoques de carne suína congelada estão começando a cair também.

Alguns aspectos importantes para monitorar nos próximos meses:

  •         A inspeção do governo da China sobre a presença do vírus nos estoques de carne de porco congeladas, uma vez que isso pode levar a uma queda significativa dos estoques, posto que os volumes contaminados serão destruídos;
  •         O pipeline de suprimento de carne suína foi, de certa forma, mascarado pelos maiores estoques congelados. Mas, à medida que estes caem e o mercado chinês procura por suínos próximos ao estado de terminação, que não mais existem neste ponto, o fornecimento doméstico de carne suína pode cair muito – As quedas mensais do rebanho são críticas.
  •         As exportações de carne suína divulgadas pelo USDA são um indicador importante, mas é amplamente aceito que elas não são totalmente confiáveis – os embarques reais de carne suína serão o indicador mais verdadeiro, e infelizmente, têm um atraso de 6 semanas. Neste cenário, ao meu ver, agosto será um mês determinante para verificar os preços de carne suína nos EUA, já que os dados reais de exportação serão disponibilizados.