No dia 21 de fevereiro do ano passado, uma sexta-feira, o ministro da Saúde de Israel confirmou o primeiro caso de covid-19 naquele país, em um cidadão que estava viajando anteriormente no Japão. O vírus se espalhou rapidamente nas semanas seguintes, de forma que ultrapassava os 5 mil casos no fim de março. Naquele momento, para conter o avanço da pandemia, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu declarou emergência sanitária e, com ela, implementou medidas de distanciamento social, quarentena e fechamento de negócios não essenciais. Houve uma paralisação imediata de diferentes atividades industriais que, de acordo com o Serviço Oficial de Emprego de Israel, resultou em mais de 1 milhão de desempregados e 24% de desemprego em todo o país já na primeira semana de abril.
Embora esse cenário seja desanimador para o país do Oriente Médio, principalmente por seus efeitos econômicos e sociais, há um mercado com operações duradouras, demanda e atividade econômica estáveis: o da carne kosher. A opinião é do fundador da KLM Kosher Consult, Felipe Kleiman, que conversou com a CarneTec sobre os desafios que o mercado enfrentou e superou no ano de covid-19, destacando que a situação é perfeita para empresas estrearem como exportadoras de carne kosher.
O especialista uruguaio (e-mail: felipe@klmkosher.com) falou ainda sobre o cumprimento das normas sanitárias relacionadas e deu uma série de dicas para os executivos das empresas que buscam obter autorização para enviar carne kosher ao mercado israelense pela primeira vez.
CarneTec: Israel tem hoje [meados de janeiro] mais de 600 mil casos de covid-19 e mais de 4,5 mil mortes. Por que, diante dessa situação crítica, os frigoríficos da América Latina deveriam obter habilitação para exportar carne kosher a esse país?
Felipe Kleiman: A indústria da carne tem suas complexidades e tantos altos e baixos que trazem prejuízos econômicos para os frigoríficos. No entanto, a exportação de carne kosher para Israel é um negócio estável, onde a relação entre as fábricas de processamento de carne e seus importadores é duradoura. Os contratos são de médio a longo prazo e qualquer interrupção na produção é conhecida antecipadamente. A cadeia produtiva e comercial kosher não é arrastada por movimentos especulativos, como é o caso da carne commodity. Essa característica adiciona atratividade à categoria kosher devido à sua consistência. As plantas frigoríficas garantem, na maior parte do ano, a colocação bem paga dos cortes do dianteiro, produto exportado para Israel.
Para que uma planta frigorífica obtenha autorização para exportar para esse mercado, quais são os padrões que ela deve cumprir?
A planta frigorífica deve receber autorização do Ministério da Agricultura de Israel e do Rabinato Chefe também de Israel. Para fazer isso, a planta deve cumprir todos os requisitos e procedimentos religiosos israelenses e padrões sanitários. Nesse caso, é necessária a instalação de um box rotativo de imobilização de animais para abate kosher, o que contribui para bons níveis de bem-estar animal. Por outro lado, é necessária uma instalação de salga de carcaças bovinas, que seria composta por uma área refrigerada de 150 m² a 200 m², com transportadores aéreos e tanques de imersão, uma plataforma para salgar os dianteiros e, por fim, tanques de enxágue.
O que a Lei Religiosa diz sobre o método de produção de carne kosher?
O primeiro procedimento religioso é o abate do gado bovino, que deve ser realizado por um rabino autorizado para esta operação. O corte [degola direta nas jugulares e carótidas] deve ser feito de forma precisa e com faca de medidas especiais cuja lâmina tenha um gume perfeitamente afiado. O fio da faca é examinado antes e depois do abate de cada animal para cumprir uma lei religiosa, que é garantir que o tecido animal não se rasgue e seja cortado com uma incisão extremamente macia. O segundo procedimento é a inspeção dos órgãos do animal – com ênfase nos pulmões –, que determina se o animal possui status kosher. Após o resfriamento da carcaça, os quartos-dianteiros são salgados, o que consiste em imergi-los em água a 7°C por 30 minutos. Posteriormente, o dianteiro é coberto com sal por 60 minutos e, finalmente, é realizado o enxágue.
Os países do Mercosul hoje atuam como importantes fornecedores de carne kosher para Israel. Por quais motivos isso acontece?
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai estão – e continuarão – bem posicionados como exportadores de carne kosher para Israel. Suas plantas frigoríficas atendem aos padrões exigidos por esse país e são operações bastante lucrativas. Por exemplo, o preço atual do dólar em relação ao real dá ao Brasil grande competitividade. No entanto, o Uruguai reduziu ligeiramente sua participação como fornecedor de carne kosher para Israel por motivos econômicos internos e também pela alta demanda de outros mercados importantes, como a China. A Argentina se mobilizou por meio de seu Ministério das Relações Exteriores para aumentar as exportações de carne bovina para Israel. O Consórcio de Exportadores Argentinos de Carne e a Câmara de Comércio Argentino-Israelense se somam a essas ações. Considero essa iniciativa bastante notável.
Quais os desafios que os frigoríficos do Mercosul enfrentam diante da pandemia e como têm superado?
Houve um problema devido à questão do fechamento de aeroportos e a impossibilidade de continuar a produção de carne bovina certificada kosher. Até que, em abril de 2020, surgiu um movimento liderado pelos frigoríficos autorizados do Brasil e do Paraguai para trazer 12 grupos de rabinos de Israel em voo fretado. Eles chegaram no fim de maio para viabilizar a produção kosher e, assim, retomar a exportação. Longas negociações diplomáticas foram necessárias com os Ministérios da Agricultura e da Saúde, a Polícia Federal e outras autoridades para obter as licenças necessárias. A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) também teve papel fundamental nessa iniciativa inédita.
Por que agora, apesar da pandemia, é um bom momento para entender os regulamentos kosher?
A indústria da carne enfrentará mudanças significativas na produção e comercialização de seus produtos devido à covid-19. Temos um cenário de diminuição da oferta de carne kosher na Europa e nos Estados Unidos que vai redesenhar o mapa da produção para atender a estes mercados. Nós da KLM Kosher Consult assessoramos empresas frigoríficas que buscam ter alta performance no mercado kosher. Nosso trabalho começa quando, por meio de nossos serviços de inteligência de mercado, os gestores obtêm uma visão clara das oportunidades e desafios do nicho. O mais recente frigorífico kosher do Brasil e duas outras fábricas em construção no país têm seus projetos assinados pela KLM Kosher Consult e contam com nossa consultoria estratégica.
Como os leitores da CarneTec podem entrar em contato com você se quiserem contratar seus serviços?
Os leitores da CarneTec podem entrar em contato comigo pelo e-mail felipe@klmkosher.com. A KLM Kosher Consult possui mais de 20 anos de experiência e contatos exclusivos no mercado kosher mundial, assessorando um número significativo de empresas. Fazemos uma análise detalhada do frigorífico para determinar o custo e o retorno sobre o investimento da implementação de equipamentos e processos de produção kosher para abate de animais. Estou ansioso para falar com os leitores da CarneTec para posicionar com sucesso suas empresas no mercado de carne kosher. (CarneTec)