Renovada, a bancada ruralista do Congresso, aliada de primeira hora do governo do presidente Jair Bolsonaro, começa a contestar a agenda liberal proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Alguns deputados dizem nos bastidores que o governo pode até perder votos na bancada a favor da reforma da Previdência caso não aceite debater as pautas do setor, como o fim de crédito subsidiado para grandes produtores.

Depois do fim das tarifas antidumping ao leite importado de União Europeia e Nova Zelândia, o mal-estar foi tão grande que Bolsonaro precisou entrar em cena ainda quando estava hospitalizado e determinar que a Economia estudasse medidas compensatórias ao setor. Os ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e o próprio Guedes foram ao gabinete da ministra Tereza Cristina, da Agricultura, tratar do assunto na tentativa de acalmar os ânimos dos parlamentares.

Apesar de apoiar Bolsonaro em peso desde a campanha presidencial e ter indicado Tereza — sua última presidente — para o governo, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) opõe-se ao pacote de medidas da equipe econômica, que propõe desde o corte de subsídios a linhas de crédito rural do Plano Safra até a cobrança de contribuição previdenciária sobre exportações agropecuárias.

Até o ano passado, a FPA contava com a adesão de 262 deputados e senadores, porém 52% não voltaram para o Congresso, seja porque perderam as eleições ou não se candidataram. As estimativas preliminares das lideranças da bancada, porém, é que o grupo seja ainda maior, próximo de 300 parlamentares, por conta da renovação de seus quadros. Apenas na Câmara, por volta de 86 deputados sempre votavam a favor de propostas de lei da alçada do agronegócio no mandato anterior. Para os próximos quatro anos, porém, a tendência é que o número pode passar de 100, apurou o Valor. A maior bancada de deputados federais hoje é a do PSL, com 55.

“O Paulo Guedes é apenas um ministro entre tantos e com certeza vai ter que ouvir o setor. A FPA não quer criar qualquer tipo de atrito, mas queremos um tipo de relacionamento com o governo que assegure no mínimo previsibilidade”, disse ao Valor o futuro líder da bancada ruralista, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que toma posse hoje junto com a nova diretoria da FPA. “Não dá para ter um ministro que decide de acordo com a sua cabeça o que entende, nem lá [no Ministério da Economia], nem em outro lugar. O setor é o mais importante do país e pode perfeitamente trabalhar qualquer discussão”, acrescentou.

Moreira reforça o apoio ao governo e nega que a bancada aposte em “moedas de troca” ou “ameaças” com o governo, muito menos que esteja levantando a bandeira do protecionismo frente a cartilha de livre mercado rezada por Guedes e equipe. Ele defende “proteção racional” aos mercados agropecuários, diante dos gargalos em infraestrutura e histórico de juros altos no Brasil apesar do atual patamar baixo. Moreira, no entanto, tem dito desde o fim do ano passado que a bancada não será “aliada automática” do governo em qualquer pauta.

Por outro lado, há na bancada quem suba o tom contra a Economia na defesa do setor. “Quem vai votar mudanças no país como a reforma da Previdência, somos nós que fomos eleitos. Estamos preocupados com as coisas que ele tem dito. A agricultura brasileira não é um mar de subsídios. Ele precisa vir ao Parlamento”, frisa Evair de Melo (PP-ES).

De natureza suprapartidária (representa cerca de 15 partidos), a bancada ruralista tem ampliado sua influência política desde o governo do ex-presidente Michel Temer e não raro sai vitoriosa nas votações de projetos prioritários de interesse do agronegócio brasileiro. Para Pedro Lupion (DEM-PR), um dos “novatos”, a bancada fez sua primeira demonstração de força quando reagiu à derrubada do antidumping ao leite, mas apoia “maciçamente” o governo e a maioria dos ruralistas votariam hoje a favor da reforma previdenciária. “O presidente Bolsonaro sabe da força da bancada.”

Já o deputado José Mário Schreiner (DEM-GO), vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), defende uma economia de livre mercado, desde que as mudanças sejam gradativas. “Querer jogar o setor num mercado liberal em que Europa e Estados Unidos têm muitos subsídios não dá.”

Outro neófito na bancada ruralista, mas experiente no setor, o ex-ministro da Agricultura Neri Geller (PP-MT), admite a preocupação da FPA com mudanças no sistema de crédito agrícola. “A bancada está muito coesa e é bem articulada. Vamos ajudar o governo nas reformas, agora não podemos abrir mão das conquistas que o setor teve que tanto ajudou a economia”, disse.

 

Fonte: Valor Econômico