Agricultores norte-americanos abocanharam lucros com vendas de soja recém-colhida após os preços da oleaginosa atingirem uma máxima de quatro anos neste outono (do Hemisfério Norte), em uma mudança de cenário bem recebida depois das perdas sofridas com a guerra comercial entre Estados Unidos e China.
As fortes exportações para a China, à medida que a maior importadora de soja do mundo emerge do “lockdown”, ajudaram a impulsionar o contrato futuro mais ativo da oleaginosa na bolsa de Chicago a uma alta de 12,3% entre 1º de agosto e meados de setembro, quando a colheita ganha força no Meio-Oeste dos EUA.
Mas a disparada atípica nos preços chegou tarde demais para muitos produtores brasileiros. Eles, que passam pelo ciclo oposto do cultivo, venderam parte da safra antecipadamente a preços muito mais baixos e agora podem tentar renegociar contratos com compradores.
A soja do Brasil se esgotou antes do normal neste ano. O país vendeu tanto para a China que, nas últimas semanas, empresas locais precisaram importar soja –um evento raro para o maior exportador global da oleaginosa.
Essas importações incluíram 30 mil toneladas proveniente dos EUA –um volume pequeno em relação aos padrões comerciais globais, mas o maior de soja norte-americana comprado pelo Brasil desde 1997.
O Brasil foi o principal beneficiário da disputa sino-americana, iniciada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, em 2018, já que a China passou a depender da América do Sul para quase toda sua demanda por soja. Agora, porém, as forças do mercado global estão finalmente ajudando os agricultores norte-americanos.
Após a assinatura da “fase 1” de um acordo comercial em janeiro, a China ampliou as compras de soja junto aos EUA no segundo semestre deste ano, ajudando a impulsionar o maior rali do preço da soja ao final do verão (do Hemisfério Norte) em 13 anos.
Produtores norte-americanos que aguardaram o início da colheita, em setembro, para vender sua produção, em vez de comercializá-la antecipadamente, foram recompensados generosamente com vendas direto dos campos para processadoras e elevadores.
“Finalmente essa foi a coisa certa… Geralmente as melhores oportunidades para vender para o outono (boreal) ocorrem entre março e junho, mas o mundo acabou em março”, disse o agricultor Jed Olbertson, de Norway Center, Dakota do Sul, referindo-se à queda acentuada nos preços das commodities quando a pandemia de Covid-19 atingiu o Hemisfério Ocidental.
“VAI TER PROBLEMA”
Os produtores brasileiros, que iniciam a colheita em janeiro, tinham vendido quase metade da safra de 2021 antes de agosto, segundo a associação Aprosoja. As diferenças de preços esperadas para a colheita evocam memórias da temporada 2003/04, quando agricultores se recusaram a entregar grãos comercializados antecipadamente.
Frederico Humberg, proprietário da trading AgriBrasil, disse que a maioria dos contratos não possui garantia de que o grão será entregue, já que não há pré-pagamento por parte dos compradores.
“Se os preços em Chicago e o dólar continuarem nos níveis atuais, vai ter problema”, disse Humberg. “Chega a hora de colher e o produtor pode alegar que os rendimentos caíram, ou algum tipo de problema climático, na tentativa de melhorar os termos da venda feita antecipadamente.”
Compradores de duas grandes empresas norte-americanas com operações no Brasil, falando em condição de anonimato, disseram que também há o risco de que a entrega não aconteça. Os agricultores venderam a soja quando a saca de 60 quilos custava cerca de 80 reais, segundo eles, menos da metade dos 170 reais vistos atualmente.
Os preços da soja no Brasil acompanham de perto o mercado de Chicago, levando também em conta os prêmios locais nos portos e os preços do frete.
Unidades de processamento de soja e frigoríficos do Brasil, um dos principais produtores de carnes do mundo, estão enfrentando custos mais altos para a ração, o que gera inflação nos alimentos. O país chegou a modificar regras sobre a soja geneticamente modificada para permitir mais importações da oleaginosa norte-americana.
Produtores brasileiros disseram à Reuters que ficaram para trás no rali, mas destacaram que a venda de parte da safra com antecedência é uma maneira clássica de “travar” os custos de plantio no início da temporada.
“Eu sou um dos produtores mais arrependidos”, afirmou Cayron Giacomelli, agricultor em Mato Grosso. “Ninguém imaginava, nem no cenário mais otimista, que haveria preços de mais de 120 reais por saca para entrega futura neste momento do ano.”
Enquanto isso, os agricultores norte-americanos, que também receberam subsídios recordes do governo neste ano, comemoram após anos de excesso de oferta e preços baixos, que os fizeram contrair cada vez mais dívidas e forçaram muitos a deixar a indústria.
“Talvez subisse um pouco mais (a soja), talvez não, mas eu vou pagar algumas contas”, disse Paul Anderson, produtor em Coleharbor, Dakota do Norte. (Reuters)