O mercado de câmbio foi tomado por uma onda de compra de dólar ante o real nesta quarta-feira, com a moeda norte-americana em alta pela 11ª sessão consecutiva e cravando novos recordes, já a caminho de 4,60 reais, depois que um salto nas apostas de cortes de juros no Brasil em meio a dados mornos da economia minou o cenário para entrada de capital no país.
“De novo, a história tem a ver com ‘carry’”, disse Italo Lombardi, estrategista sênior para mercados emergentes do Crédit Agricole em Nova York, referindo-se ao diferencial de juros entre o Brasil e o restante do mundo.
As taxas de DI negociadas na B3 tiveram quedas expressivas nesta quarta-feira, com os contratos embutindo chances de corte de 0,50 ponto percentual da Selic neste mês e um juro médio de 3,79% no último trimestre do ano. A Selic está atualmente em 4,25% ao ano.
Veja a diferença (em pontos percentuais) entre os juros de dois anos do Brasil e dos Estados Unidos:
“No meio disso tudo, existe uma ‘falta de história’ com o Brasil, o Brasil está com uma história que não atrai ninguém, a economia não consegue acelerar”, completou Lombardi.
A economia brasileira teve em 2019 o pior crescimento em três anos, apesar da aprovação da reforma da Previdência, e várias instituições financeiras têm revisado para baixo suas projeções para o PIB deste ano à casa de 1,5%.
A ausência de ímpeto na atividade prejudica a atratividade do país como destino de investimentos e afeta o cenário para ingresso de capital, o que joga contra um aumento na oferta de dólar no país que ajudaria a baixar a cotação.
Nesta quarta, o Banco Central divulgou que o Brasil perdeu em fevereiro 4,408 bilhões de dólares, considerando dados do fluxo cambial contratado. Assim, o país acumula nos dois primeiros meses do ano saldo negativo de 4,792 bilhões de dólares, depois de ter registrado saída líquida recorde de mais de 44 bilhões de dólares em 2019.
O dólar passou quase toda a sessão ampliando a alta contra o real, tanto que fechou perto das máximas da sessão. Nem mesmo o anúncio, pelo Banco Central, de oferta líquida na quinta-feira de até 1 bilhão de dólares em contratos de swap cambial tradicional conseguiu desacelerar os ganhos da moeda.
Lombardi, do Crédit Agricole, considera que o BC não precisava ter divulgado na véspera o comunicado sobre estar atento aos efeitos do coronavírus, que abriu a porta para uma disparada nas apostas de corte de juros locais neste mês. “É estranho dar essa sinalização (de corte de juro) e atuar no câmbio, que se desvaloriza justamente por causa do cenário para a Selic”, afirmou.
“Considerando que o Fed cortou os juros em 0,50 ponto e pode reduzir mais em 18 de março (poucas horas antes do Copom), o mercado provavelmente vai precificar mais corte de juros para março e além, implicando uma curva (de juros) mais inclinada e um real com desempenho pior”, afirmou o Citi em nota a clientes.
O real teve, de longe, o pior desempenho entre as principais moedas nesta sessão.
Já Flávio Byron, sócio da Guelt Investimentos, entende que o problema maior para o câmbio neste momento parece ter cunho político. “Esse embate entre Executivo e Legislativo, essa briga em torno da aprovação das reformas, essa lentidão… tudo isso gera desconfiança do investidor e tem grande fundamento na alta recente do dólar.”
Dado o movimento atual do câmbio, Byron não descarta que o BC possa anunciar ofertas programadas de contratos de swap cambial para prover hedge ao mercado. O BC já utilizou esse recurso no passado.
No fechamento das operações interbancárias nesta quarta-feira, o dólar saltou 1,55%, a 4,5806 reais na venda, perto da máxima intradiária recorde alcançada durante os negócios, de 4,5844 reais na venda.
É a maior alta percentual diária desde 8 de novembro de 2019 (+1,83%).
No ano, o dólar spot dispara 14,15%, o que coloca o real na liderança isolada das maiores perdas entre 33 rivais da divisa dos EUA.
Nas negociações com dólar futuro na B3, a moeda chegou a subir para 4,5915 reais e, às 17h42, ganhava 1,28%, a 4,5820 reais. (Reuters)