Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e diretora-executiva da Agrifatto
Gustavo Machado é engenheiro agrônomo e consultor de mercado na Agrifatto
Caroline Matos é zootecnista e trainee pela Agrifatto
A China vive atualmente uma crise de proteína animal, causada pela disseminação da PSA (peste suína africana) no maior produtor de suínos do mundo, eliminando aproximadamente 42% do seu plantel.
Em 2019 os chineses importaram aproximadamente 494 mil toneladas de proteína bovina do Brasil, levando as exportações brasileiras a novos níveis recordes. As altas na arroba registradas no final de outubro e novembro estão diretamente atreladas à demanda chinesa de proteína animal.
Gráfico 1.
Exportações brasileiras de carne bovina total para China e Hong Kong entre 2010 e 2019.
Fonte: Secex/Agrifatto.
Após um ano de euforia para os principais exportadores de carne bovina no mundo, se acende um alerta vermelho para os possíveis impactos que o surto de coronavírus pode trazer.
Até o momento aproximadamente 40 mil casos foram confirmados no mundo – a maior parte deles na China, principalmente na província de Hubei que tem sido considerado o epicentro da doença.
Outros 25 países já confirmaram casos da doença, sendo eles: Tailândia, Taiwan, Japão, Malásia, Coréia do Sul, Singapura, Índia, Vietnã, Camboja, Nepal, Sri Lanka, França, Alemanha, Reino Unido, Canadá, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Bélgica, Suíça, Itália, Filipinas, Finlândia, Rússia, Austrália e Estados Unidos da América.
O surto vem sendo comparado com um outro tipo de coronavírus chamado de SARs-COV (Síndrome respiratória aguda grave) que afligiu a Ásia entre novembro de 2002 e junho de 2003, com 1804 casos suspeitos e 62 mortes, segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde).
Os primeiros casos de Sars foram registrados em novembro de 2002, mas devido a sua disseminação relativamente mais lenta, os principais impactos econômicos foram percebidos no terceiro trimestre de 2003 – os principais setores atingidos foram as atividades de lazer (bares e restaurantes), transporte local/internacional e turismo.
Mas a interferência nas vendas do atacado foi menor naquele ano, já que a população passou a preferir refeições em casa. Este cenário também pode se repetir neste novo surto, ou seja, o setor de alimentação fora de casa e de turismo devem ser impactados mais rapidamente, enquanto a necessidade por produtos acabados pode se ampliar.
No gráfico 2 é possível observar que as importações chinesas de carne bovina caíram a partir de 2003, voltando a se recuperar apenas 2007. É importante ressaltar que as compras realizadas por Hong Kong passaram por uma queda menos brusca do que a China, reforçando a ideia de que as compras foram direcionadas a região.
Além dos Sars, outros fatores também favoreceram uma queda nas exportações, o aumento dos preços internacionais, problemas políticos entre Japão e Rússia e o caso de EEB (encefalopatia espongiforme bovina – “vaca louca”) do Canadá barraram para menos de 1% o crescimento do mercado de carnes, enquanto que em 2002 foi de 6%.
Gráfico 2.
Exportações de carne bovina para China e Hong Kong entre 2000 e 2010.
Fonte: USDA/Agrifatto.
O novo coronavírus (2019-nCOv) mostra disseminação mais rápida, as consequências também devem ser mais dinâmicas, e previsões mais otimistas, apontam para impactos no curto prazo com rápida recuperação em momento seguinte.
Portanto, é fato que a distribuição e o abastecimento estão comprometidos na China neste momento, o que pode resultar em desaceleração da sua economia no curto prazo. As importações chinesas, que geralmente são retomadas em fevereiro após seu Ano Novo lunar, podem ter sua recuperação atrasada, ocasionando em menores volumes exportados pelo Brasil nas próximas semanas.
Ainda sobre o curto prazo, as redes de restaurantes e turismo devem ser mais impactadas, enquanto que a busca por alimentos mais seguros e a necessidade de aumentar a oferta local por proteínas podem estimular as importações.
Além disso, há dificuldades de transporte de insumos (milho, farelo e ração) até as granjas chinesas – outro fator que pode aumentar a necessidade por importação de produtos prontos.
Sendo assim, se o curto prazo ainda é permeado de certo pessimismo, há expectativa de que a necessidade chinesa por produtos acabados aumente após o período de maior crise.