(Reuters) – O Brasil, maior exportador global de carne bovina, está faturando com a maior demanda da China, mas os consumidores brasileiros estão por tabela pagando mais pelo produto nos açougues, enquanto frigoríficos têm sido pressionados a fazer ofertas recordes por bois nas fazendas.

A fome chinesa para preencher o buraco deixado pela peste suína africana na criação de porcos já é sentida setorialmente nos índices de inflação no Brasil e ainda pressiona margens da maior parte dos frigoríficos do país, segundo especialistas.

Com impulso dos chineses, que elevaram as compras de carne bovina do Brasil em 23,6% de janeiro a outubro, para cerca de 320 mil toneladas, o país exportou 11% mais no período, para 1,47 milhão de toneladas, de acordo com a associação da indústria Abrafrigo.

Além da forte demanda da China após novas habilitações de indústrias de bovinos pelos chineses —que passaram de 16 no início do ano para 40 unidades atualmente, segundo a Abrafrigo—, um dólar em máximas históricas frente ao real também favorece as exportações.

“Estamos no auge da captação desses aumentos de preços, a carne vai continuar subindo e vai impor um desafio para a dona de casa. Quando a carne bovina sobe, outras carnes também sobem, ainda que não houvesse razão para isso, elas sobem pela questão da substituição (do produto)”, disse o economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) André Braz, da Fundação Getulio Vargas, que acompanha índices inflacionários.

Não fossem poucos os fatores de alta, a proximidade das festas de final de ano gera uma demanda adicional por carnes, há o pagamento da primeira parcela do décimo terceiro neste mês e uma oferta mais restrita de bovinos prontos para o abate.

“A gente já está assistindo sim uma alta forte, tem a ver com sazonalidade, e também com demanda chinesa. Isso gera choque de oferta”, completou Braz, em entrevista à Reuters.

“Com a chegada do décimo terceiro, o consumidor compra mesmo, e este comprar é o sinal verde para aumento de preços. O dever de casa seria comprar menos, mas vai dizer para a pessoa não celebrar o final do ano?”

Pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo, da FGV, a carne bovina apareceu entre os destaques em novembro, com alta de 5,26%, dez vezes mais do que o visto em outubro.

“Dá para ver que houve um avanço significativo no preço da carne bovina, já pronta para ir para o açougue”, comentou Braz, sobre a carne mais significativa para a inflação.

Em novembro, Índice de Preços ao Consumidor constatou alta de 6,04% no contrafilé, enquanto em outubro havia subido 2,69%.

“Parte da alta ao produtor é repassada sim, e dado que está subindo ao produtor, a carne vai continuar pressionando inflação em novembro e dezembro…”, disse Braz.

Isso em momento em que o preço da arroba do boi gordo, acompanhado pelo indicador Esalq/B3, atingiu um recorde de 204,05 reais na terça-feira, acumulando alta de 19,54% no mês, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), que também registrou nesta semana nova máxima histórica para a carcaça bovina na Grande São Paulo, de 13,90 reais/kg.

A inflação no país, no entanto, tem se mantido abaixo do piso da meta oficial para 2019, de 4,25% pelo IPCA com margem de 1,5 ponto percentual para mais ou menos.

E QUEM NÃO VENDE À CHINA?

“A gente sabia que ocorreria uma maior demanda por boi para abate, mas não nesta magnitude… O número de empresas habilitadas para a China foi muito significativo”, afirmou o presidente da Abrafrigo, Péricles Salazar.

Segundo ele, aqueles frigoríficos que não têm habilitação para a China não conseguem repassar para os seus preços a alta da matéria-prima.

“Margens menores. Tenho recebido a seguinte afirmação: está muito difícil para os frigoríficos que não têm habilitação da China, porque são obrigados a acompanhar o preço do boi daqueles que têm habilitação…”, disse.

Ele acrescentou que aquelas empresas que não têm habilitação para exportar à China, que está pagando melhores preços do que outros destinos, conseguem compensar apenas parte do aumento da arroba bovina, já que o mercado interno também está em alta.

Diante da forte demanda chinesa, ele disse que o setor espera ainda este ano novas habilitações de frigoríficos, após cinco unidades de carne bovina terem sido autorizadas na semana passada, incluindo fábricas da JBS e Marfrig.

Entretanto, ele comentou que o preço da arroba do boi a mais de 200 reais não é sustentável, e o mercado deve recuar em algum momento. Quando, ele disse não saber.

Na avaliação de Braz, da FGV, o preço da carne só vai começar a arrefecer um pouco ao final de janeiro.

“Lá para fevereiro e março a carne começa a devolver uma parte do aumento”, comentou ele, condicionando essa previsão a uma normalidade climática para as pastagens, por exemplo.