Caroline Matos é graduanda em zootecnia pela USP e estagiária pela Agrifatto
Gustavo Machado é engenheiro agrônomo e consultor de mercado pela Agrifatto
Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e diretora executiva da Agrifatto
A arroba do boi gordo começou a ganhar força ao final de agosto deste ano, e com intensidade ainda mais expressiva a partir da metade de outubro, quando começaram a ser sentidos os efeitos das exportações de carne bovina para a China a partir das novas plantas habilitadas.
A conjuntura já é conhecida, ou seja, uma associação entre a falta de animais prontos para o abate e o consumo aquecido. Foi a realidade vivida, por exemplo, em 2010, quando os preços pecuários subiram 30% ao longo do ano.
Naquele ano, porém, a realidade brasileira era outra. O produto interno bruto (PIB) do país crescia 7,5%, com inflação de 5,9%. A economia nacional estava a pleno valor.
Hoje, a conjuntura foca no problema de abastecimento proteico chinês, especialmente após o surto de peste suína africana (PSA) que está dizimando o maior rebanho comercial suíno do planeta.
Entretanto, o mercado consumidor brasileiro encontra-se em outra situação. O PIB deve encerrar o ano abaixo de 1%. A inflação está controlada pela baixa atividade econômica, afinal, o desemprego segue historicamente alto, assim como o endividamento da população. Por isso, é importante entender como os preços pecuários mais altos devem interferir na escolha do consumidor brasileiro. Afinal, os preços da arroba do boi gordo são os mais transmitidos para as outras proteínas, ou seja, quando sobe o preço do boi, carne, frango e suíno tendem a ir junto.
Em valores reais (corrigidos pela inflação), a média mensal do traseiro bovino no atacado retornou aos seus maiores valores já alcançados, superando também resistência forte ao redor dos R$ 14,00/kg (gráfico 1).
Na média parcial de novembro, o traseiro bovino no atacado está ao redor de R$ 14,55/kg, encostando na máxima real alcançada em novembro/10 (em R$ 14,70/kg) – ou seja, estamos nos maiores patamares reais em 10 anos.
Os valores descritos são médias mensais, mas se considerarmos o último levantamento diário, a cotação já chegou em R$ 15,27/kg, superando em 3,9% o maior valor real histórico.
Entretanto, é importante observar as bandas também indicadas no gráfico. Sempre que se aproximam das máximas reais, os preços assustam o consumidor, que se refugia em proteínas mais baratas, como o frango, o suíno e os ovos para fazer a carne se encaixar no orçamento familiar.
Por isso, outro ponto importante a se observar é o quanto as altas estão sendo repassadas para o varejo. Neste sentido, observa-se que o movimento tem acontecido em maior intensidade no atacado, especialmente a partir de setembro/19, totalmente alinhado às variações da arroba no mercado físico.
Ou seja, as altas recentes ainda não foram totalmente repassadas para os elos seguintes da cadeia e a expectativa fica para o comportamento dos preços do varejo para este período final do ano – quando o consumo doméstico tende a se aquecer.
Desde o início de 2018, as altas acumuladas para a arroba do boi gordo e para o boi casado no atacado ficaram ao redor de 11,6%, enquanto a cotação da carne bovina no varejo subiu 6,6% no mesmo período.
Assim, com a forte alta observada também no atacado para a proteína bovina no atacado e em menor intensidade no varejo, pode-se questionar se a competitividade da carne bovina foi comprometida.
Mas dado o aquecimento geral das exportações de proteínas animais, a carcaça especial suína, o frango resfriado e também os ovos contaram com revisões positivas em seus preços no atacado.
Observe, por meio da comparação de valores da carne bovina com seus substitutos, que o spread tem se mantido dentro da média dos últimos 10 anos, ou seja, o avanço das indicações da carne bovina ainda não distanciou o seu preço das proteínas concorrentes, preservando a sua competitividade por enquanto.
Portanto, as altas da arroba bovina foram repassadas para os elos seguintes, especialmente no mercado atacadista, alcançando seus maiores valores reais.
Confira abaixo os gráficos que ilustram o spread (diferença de preço) entre a carcaça casada bovina e suas proteínas concorrentes.
A competividade da carne bovina em si não foi comprometida, já que as proteínas alternativas também tiveram seus preços revistos.
Entretanto, o alto valor nominal alcançado pela carne bovina em detrimento do gasto médio familiar com o produto já favorece a migração de seu consumo para as proteínas alternativas, o que tende a manter os spreads equilibrados. E essa tendência fica evidente especialmente quando se considera os pontos colocados no início desta análise: alta taxa de desemprego e endividamento da população.
Por ora, é importante lembrar que, com o costumeiro bom desempenho das vendas no varejo registrada no fim do ano combinada ao aumento da habilitação de plantas para a exportação e sem perspectiva de ampliação da oferta de animais prontos até fevereiro, tudo indica novas valorizações para o mercado físico do boi gordo no curto/médio prazo.
Mas após as festas de fim de ano no Brasil e do ano novo chinês – que tende a influenciar o mercado interno do gigante asiático até a metade de fevereiro -, o desafio será continuar repassando a alta da arroba ao consumidor interno e é aí que se concentram as maiores chances de o mercado mostrar certa resistência.
Outro ponto de atenção é que o acordo comercial com a China prevê a venda de animais de até 30 meses, que basicamente consistem em animais suplementados com concentrado. Em fevereiro, quando a oferta desse animal costuma escassear, é provável que a oferta maior seja de animais mais erados, o que pode reduzir o apetite da indústria.
Há comentários no mercado sobre a possibilidade de se renegociar esse termo específico do acordo e abrir o mercado para animais com classificação mais flexível. No curto-prazo, isso manteria o apetite dos chineses sobre o boi brasileiro. No longo-prazo, o enxugamento do nosso rebanho bovino. Mas isso é papo para uma próxima análise.
Eita, que o mercado está esticado igual corda de violino!
Um abraço e até a próxima!