Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e diretora executiva da Agrifatto
Em 2010, o preço médio (30 dias) do boi de balcão subiu 30% em 10 meses. Foi uma loucura! De janeiro a outubro o mercado viveu cenário de alta praticamente contínua, além de os preços futuros terem alcançado a marca nominal simbólica de R$ 100,00/@ pela primeira vez em 15 de outubro daquele ano. O mercado físico alcançaria esse valor 3 dias depois. Não coincidentemente, a então BM&FBovespa refletiu o entusiasmo e registrou volume recorde de contratos futuros de boi gordo negociados naquele ano: algo equivalente a 1,7 milhões de animais.
É importante ressaltar que houve um rally em outubro de 2010: o mercado físico saltou de R$ 100,00 para R$ 117,00/@ em 15 dias. Na sequência, recuou até R$ 105,00/@ e só foi repetir a marca recorde em 2014, mas isso realmente não vem ao caso neste momento.
Nove anos depois, agora em 2019, o mercado sobe 13% em 60 dias. O indicador Cepea/ESALQ registrou valor nominal recorde em R$ 175,70/@ e já há negócios em R$ 180,00/@. E, novamente, o mercado futuro se antecipa marcando R$ 200,00/@ para o contrato de outubro/20. De acordo com o que indica o mercado futuro, serão necessários 10 anos para “dobrar a meta”.
Certamente todo mundo está eufórico e empolgado. A contrapartida é que isso faz turma perder o apetite pelo hedge, pois é bem mais difícil acertar bem a venda quando o mercado surpreende assim, dentro de uma situação sem precedentes. Afinal, os astros se alinharam (quem se lembra dessa frase?): temos a união entre o surto de Peste Suína Africana na China, uma leve recuperação econômica em vista e a fase de alta do ciclo pecuário turbinada pelo abate de novilhas em níveis recordes. Como não ficar empolgado?
De acordo com o que indica o mercado futuro, há uma alta projetada de 100% em 10 anos para os preços. Entretanto, o indicador de custos da Agrifatto projeta 114% de aumento no mesmo período. Assim, valores corrigidos, a alta ainda não é suficiente para compensar a perda de valor real da atividade pecuária.
Em meio a um mercado tão empolgante e notícias tão boas, sinto dizer que o esperado ajuste da arroba pelos custos não ocorrerá. Isso ocorre porque trabalhamos dentro do sistema agroindustrial, ou seja, produzimos commodity. É o tipo de produto que, em seu preço médio comercializado, não possui valor agregado e perde valor real ao longo do tempo, de modo que a solução para esse problema não está concentrada no comportamento dos preços, mas no aumento de produtividade.
Obviamente, altas ocorrerão, mas correções proporcionais, não.
Isso faz com que a oportunidade de aproveitar essas altas monumentais, quando ocorrem, seja ainda mais importante para fazer a diferença no longo-prazo.
Agora que o mercado explodiu, fica fácil enxergar a tendência alta como uma obviedade. Mas o que dizer quando os preços de balcão atingiram R$ 150,00/@ na metade do ano? Tinha muita gente com saudade do mercado futuro em R$ 163,00/@ naquele momento. Esse valor claramente ficou para trás e está longe de parecer interessante agora.
Segundo o matemático e autor Nassim Taleb, um grande conhecedor do mercado, eventos inesperados ocorrem mais do que a gente costuma perceber. Por isso trabalhar com opções em anos de mercado firme parece caro à primeira vista, mas acaba saindo barato quando o mercado trabalha fora da curva.
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Um abraço e até logo!