O fim da regra de ouro e um novo marco fiscal baseado em um teto para endividamento público são vistos com cautela por especialistas. Apesar disso, eles admitem que falta convergência entre as regras atuais.
No último dia 6, os técnicos da Secretária do Tesouro Nacional (STN) propuseram uma reformulação das normas fiscais atualmente vigentes no Brasil que contemplam a meta de resultado primário, o teto de gastos e a regra de ouro.
A proposta é instituir um limite de longo prazo para o endividamento público que seria alcançado por meio de metas de resultado orçamentário e de despesa. A regra de ouro acabaria de vez.
O professor de economia da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Fundação Getulio Vargas (Ebape-FGV), Istvan Kasznar, considera que o fim da regra de ouro é ruim para os investimentos públicos do Brasil. “Essa norma caminha na direção de estimular os investimentos, que têm caído muito desde a recessão a nível federal, estadual e municipal”, afirma Kasznar.
A regra de ouro proíbe que o governo emita dívida para pagar despesas correntes, como salários, aposentadorias e outros custeios da máquina pública (contas de energia e luz, por exemplo).
Kasznar analisa ainda que a norma, a princípio, incentiva o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). “Ela [regra de ouro] é vital para garantir disciplina fiscal e, ao mesmo tempo, assegurar investimento público”, acrescenta o professor da FGV.
O coordenador do curso de administração do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), Ricardo Balistiero, diz, por sua vez, que a regra de ouro engessa muito o orçamento. “Em momentos de crise, o governo tem que ficar pedindo autorização do Congresso para elevar despesa corrente”, opina.
Para ele, o mérito da proposta do Tesouro está em tentar criar regras que sejam mais convergentes entre si. “Hoje nós temos três normas: uma ligada à receita e despesa [resultado primário], outra somente à despesa [teto de gastos] e mais uma ligada ao endividamento [regra de ouro]”, elenca.
“Porém, cada uma delas foi criada em um momento diferente do País e a prática orçamentária tem mostrado que elas não estão conversando do ponto de vista fiscal. É preciso harmonizá-las”, acrescenta.
A regra de ouro foi estabelecida em 1988, enquanto a meta de resultado de primário foi instituída pela LRF em 2000. Já o teto é de 2016.
Desvinculação
Em seu documento, o Tesouro propõe ainda a realização de reformas que reduzam a proporção de despesas obrigatórias e de receitas vinculadas no orçamento, como forma de melhorar o cumprimento do resultado primário.
Sobre isso, Balistiero alerta que é preciso tomar cuidado para não acabar com as receitas e despesas vinculadas ao orçamento de saúde e educação. “Essas duas áreas são políticas de Estado e, portanto, você não pode gastar como quer”, afirma o especialista.
Por fim, Kasznar ressalta que é preciso estabelecer muito bem quais serão os indicadores que irão balizar o teto para o endividamento público. Segundo ele, o baixo crescimento econômico pode ser impeditivo para se alcançar essa meta.
“A arrecadação de impostos está desaquecida justamente pelo ambiente de atividade fraca. Isso dificulta o controle de expansão da dívida”, diz Kasznar. “Porém, me parece correto se o objetivo for o de diminuir o endividamento de forma gradual. Se for algo pirotécnico, não vai dar”, reforça.
Detalhes
No relatório, o Tesouro propõe que seja utilizada como referência a dívida bruta sobre proporção do Produto Interno Bruto (PIB), que poderia ser de 60%, por exemplo. Haveria um período de carência até 2026, onde o governo se comprometeria a obter melhoras anuais de resultado primário de 0,5 ponto percentual do PIB.
A partir de 2026 começaria o período de transição para o novo marco fiscal. Durante esses anos, o governo teria que reduzir a dívida em 1,5% do Produto Interno Bruto a cada ano, regra que orientaria a meta de resultado primário.
Depois do período de transição, quando a dívida já se encontrar abaixo de 60%, para qualquer superação do limite, serão acionados gatilhos sobre as despesas públicas. Esses gatilhos serão faseados e cumulativos nos patamares de 60%, 65% e 70% do PIB. (DCI)