O surto da peste suína africana que tem afetado a produção da carne na China já trouxe prejuízo para o Brasil. Só em maio e junho deste ano a exportação de soja – grão muito usado na ração para alimentação de porcos – para o país asiático encolheu 33%, representando perda de US$ 2,4 bilhões (R$ 9,2 bilhões à cotação de R$ 3,82) em movimentação financeira em 60 dias.
Além da peste que acomete a produção chinesa, o cenário externo é desafiador para o produtor de soja. Segundo o professor do núcleo de estudos do agronegócio da Universidade do Mato Grosso e consultor Ernesto Ramos, há uma queda dos preços da soja que antecede o problema chinês e é reflexo tanto de tensões comerciais dos países desenvolvidos quanto do enfraquecimento das economias emergentes, em especial as da região da América Latina.
“Há um movimento mundial que é adverso para o mercado de soja e que precisa ser contornado com bastante cautela pelos produtores. Nos últimos meses, a desvalorização da oleaginosa chegou a ser de 15%, dependendo do local da lavoura”, disse. A avaliação do acadêmico vem em linha com as premissas mundiais. Na semana passada, o preço da soja na Bolsa de Chicago caiu por três dias, com exceção da véspera do feriado de 4 de julho. No Brasil, o ambiente não se mostra muito diferente. A consultoria Safras & Mercado apontou recuo de R$ 0,5 a R$ 1 no preço da saca, apenas na passagem do dia 1 para o dia 2 de julho.
Apesar do momento adverso, o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Bartolomeu Braz, reforçou que o movimento é pontual, e que o País caminha para ser líder mundial na oferta da oleaginosa. “Isso [peste suína] preocupa para 2019, mas a soja é usada para a alimentação dos animais, e para 2020 deve voltar ao normal”, ressaltou.
Números robustos
Em maio deste ano – quando as primeiras notícias da praga foram liberadas ao mundo – as importações chinesas de soja caíram 27% na comparação anual. Em termos financeiros, o encolhimento foi de 38%, passando de US$ 3,9 bilhões em maio de 2018 para US$ 2,42 bilhões neste ano.
Depois deste tombo, o resultado de junho seguiu deficitário. No sexto mês do ano, os contratos negociados movimentaram US$ 2,43 bilhões, queda de 26,6% ante US$ 3,3 de um ano antes. Na análise por volume do grão, a redução foi de 13%.
O cenário, porém, continua incerto. “Ainda que a questão seja pontual, o mercado segue apreensivo porque faltam informações sobre a dimensão da peste”, resume Ernesto Ramos. A dúvida do mercado não é sem sentido. Na última quinta-feira, o governo chinês reportou que os casos de surto da doença estavam em queda, e a produção dos porcos estaria, lentamente, voltando ao normal. A informação foi passada pelo vice-ministro da Agricultura e Assuntos Rurais, Yu Kangzhen, em resposta às pressões que o governo vinha sentindo para liberar dados atuais da situação.
De acordo com ele, o país asiático só registrou 44 novos casos nos primeiros seis meses de 2019, o que levaria o número total de incidências reportadas desde agosto de 2018 para 143, com 1,16 milhão de animais sacrificados.
Mesmo com o argumento de Yu, fontes ouvidas pela Reuters em condição de anonimato citaram que há pouco interesse das autoridades em apurar suspeitas da doença. O vice-ministro rebateu as críticas dizendo que há muitos rumores sobre o tema. O mercado estima que a perda de animais por sacrifício ou morte poderá chegar a 200 milhões, mas os números não foram confirmados pela autoridade local.
Quem não tem cão…
Ao mesmo tempo que cresce a incerteza sobre a exportação de soja, outro lado do agronegócio tenta ganhar espaço por lá: os produtores brasileiros de carne suína. Por isso, as exportações de carne suína do Brasil cresceram 41% em maio, puxadas justamente pela China. Foram 67,2 mil toneladas embarcadas, contra 47,7 mil em igual mês do ano passado. Os dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) englobam tanto produtos in natura quanto processados.
Em receita, as comercializações atingiram US$ 143,8 milhões, um crescimento de 54,6% sobre os US$ 93 milhões registrados em maio do ano passado. Sozinha, a China foi responsável pela compra de 21,1 mil toneladas em maio, o equivalente a 31,9% do total de embarques. O volume é 51% maior na comparação anual. “A questão sanitária vivida pela produção chinesa dá sinais mais fortes no ritmo de importações. A fatia da participação chinesa nas exportações brasileiras é a maior já registrada”, explicou o presidente da ABPA, Francisco Turra.
Já em relação à carne de boi, que tem aparecido mais no cardápio do chinês, o resultado também foi positivo. Em junho as exportações totais (in natura + processada), alcançaram 134.377 toneladas, com receita de US$ 514,6 milhões, num crescimento de 107% no volume e 93% na receita ante mesmo mês de 2018, quando a movimentação foi de 65.026 toneladas, em função da greve dos caminhoneiros. Os dados da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) apontam a China como o principal comprador da carne de boi. No primeiro semestre, 38,4% das exportações tinham como destino o país asiático, com a compra de 317.828 toneladas. (DCI)