(Reuters) – O dólar finalmente conseguiu romper a barreira psicológica dos 4 reais, e analistas avaliam que esse nível se aproxima cada vez mais do novo patamar de fundamento para a taxa de câmbio, conforme se acentuam os riscos à agenda de reformas.

Até pouco tempo atrás, era consensual a ideia de que perto de 4 reais o dólar estava excessivamente valorizado. Mas esse cenário contemplava menos reveses na reforma da Previdência e estabilidade ou alta dos juros, tendo como pano de fundo uma economia mais fortalecida e um ambiente externo menos conturbado.

Nesta semana, porém, a cotação revisitou os patamares de 4 reais e, na véspera, fechou acima desse nível pela primeira vez em sete meses e meio.

A demora na aprovação da reforma previdenciária na CCJ, etapa mais simples do processo, e os ruídos subsequentes expuseram a falta de articulação política do governo, o que explica boa parte dessa valorização do dólar. Isso porque o mercado teme uma reforma menos potente e, por tabela, um quadro mais conturbado para as contas públicas.

Como resultado, empresas adiaram investimentos, mantendo a economia ainda frágil, o que por sua vez reavivou debate sobre retomada de flexibilização monetária.

“Não dá mais para dizer que esse patamar (4 reais) está ‘torto’. O nível de risco aumentou, e o mercado se ajusta a isso. É reação à piora de fundamento”, disse Ronaldo Patah, estrategista de investimentos do UBS Wealth Management.

Patah citou o nível do CDS de cinco anos, que pouco tempo atrás parecia mais alinhado aos 150 pontos-base, mas que agora se encontra em 180 pontos e pode buscar os 200 pontos.

O CDS é um derivativo que mede o custo de um calote da dívida brasileira e é importante componente de modelos econométricos de cálculo de estimativas para a taxa de câmbio.

Também variável relevante nessa conta, o diferencial de juros favorável ao Brasil já está nas mínimas históricas e pode cair mais à medida que mais analistas veem a Selic ceder dos atuais 6,50% para a faixa entre 5% e 6% até o fim do ano.

“Um ‘carry’ de 14% aguenta muito desaforo. Mas a taxa atual, para este nível de risco, não”, disse Roberto Campos, gestor sênior de câmbio da Absolute Investimentos, referindo-se ao retorno embutido, no passado, em contratos a termo de real, que deixavam a moeda doméstica mais atrativa que suas rivais emergentes.

Os ajustes nas expectativas para a taxa de câmbio ainda têm sido espaçados, mas começam a se acumular. Nesta semana, o Morgan Stanley passou a estimar dólar em 4,10 reais ao fim de junho, contra projeção anterior de 3,85 reais, citando justamente a perspectiva de mais ruídos políticos.

O Bank of America Merrill Lynch aumentou nesta quinta-feira a estimativa para o dólar ao fim do ano a 3,80 reais, ante prognóstico anterior de 3,60 reais. “Crescimento menor, juros mais baixos, real mais fraco”, resumiu em nota equipe de estrategistas do banco, com expectativa de corte de 100 pontos-base da Selic até o fim do ano.

A despeito da expectativa de que alguma reforma da Previdência seja aprovada, a percepção é que os níveis de risco subiram de forma estrutural. E mesmo um alívio não seria suficiente para baixar de forma substancial o dólar.

“Dificilmente veremos dólar depreciado”, afirmou Jefferson Laatus, sócio-fundador do Grupo LAATUS, para quem a “tempestade perfeita, o inferno astral” desta semana para os ativos brasileiros pode se estender.

Na visão do profissional, dado que o dólar sobe por questões de fundamento, os vendedores que contarem com ajuda do Banco Central para aliviar a moeda vão se frustrar. “O mercado tem subido aos poucos, e isso revela consistência. Se o BC atuar, vai apenas alimentar a pressão de alta”, considerou.