Por: Marco Guimarães

Desde agosto de 2018, a China vem enfrentando um surto de peste suína africana. Até o momento, são mais de 120 focos espalhados por todas as regiões do país.

A doença:

A peste suína africana (PSA) é uma doença altamente contagiosa, causada por um vírus que não acomete o homem, mas é fatal aos suínos e não possui vacina ou cura. Ele é altamente contagioso e pode ser transmitido por suínos vivos ou mortos, carrapatos, carne suína (congelada, fresca, refrigerada, industrializada, etc), rações, veículos, instalações, entre outros.

Os sintomas da doença que levam o animal a óbito começam com febre e avermelhamento da pele, na sequência, há diarreia e secreção nasal e ocular.

A atual onda de focos iniciou-se em 2007, na Geórgia, alastrando-se pela Europa Oriental até alcançar a China, a maior produtora e consumidora global de carne suína, detentora de praticamente metade do rebanho suíno mundial.

Desde a constatação do primeiro caso, em 3 de agosto de 2018, na província de Liaoning (região nordeste), a doença se expandiu rapidamente para as províncias das regiões norte e oeste da China.

A principal medida adotada para contenção da doença foi a proibição do transporte de suínos, alimentos e produtos que pudessem transmitir a peste suína, tanto nas províncias infectadas quanto nas suas vizinhas de fronteira.

O país detém milhões de propriedades com menos de 500 animais, alimentados com restos de comida e em ambiente de menor controle sanitário, portanto, mais suscetíveis a serem infectados pelo vírus.

Isso facilitou o alastramento da doença em apenas algumas semanas, com um surto sendo registrado a quase de 3 mil quilômetros de Liaoning (1º caso), em Zhatong, uma província na região sudeste. Naquele momento, ficou evidente a gravidade da doença e, até meados de maio de 2018, foram registrados mais de 118 surtos em todas as 31 províncias chinesas.

As restrições de transporte, na tentativa de conter o vírus, impediram que as principais regiões produtoras de carne suína atendessem as províncias com maior densidade populacional. Assim, houve um descontrole de preços entre as províncias.

Entretanto, conforme a doença foi se alastrando por todo o país, as restrições totais de transporte foram convertendo-se gradualmente para controle parcial, diminuindo a diferença de preços entre as províncias nas últimas semanas.

Segundo os números oficiais do governo chinês, a quantidade de animais abatidos para conter a doença supera 1 um milhão de cabeças. Extraoficialmente, pode-se afirmar que os impactos podem chegar a ser dezenas de vezes maiores.

Segundo o Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China, o rebanho de suínos reduziu 16,6% no comparativo anual, com base em fevereiro deste ano. Em relação as porcas (matrizes), o recuo foi de 19% no mesmo comparativo.

Em relatório divulgado em abril, o Rabobank projetou uma diminuição de 30-40% no rebanho de suínos e uma queda de 25-35% na produção de carne suína em 2019.

Em um primeiro momento, o receio dos produtores em ter seus rebanhos infectados pelo vírus e a queda dos preços pagos pelo suíno motivaram o abate dos animais, com ampliação inicial da oferta desta proteína.

Contudo, no médio prazo, a diminuição expressiva do rebanho já começa a comprometer a capacidade de oferta da carne suína.

E ainda, além da ação da doença, há produtores cautelosos em continuar com a atividade, além de maior inclinação do governo chinês à profissionalização da produção de carne suína, dada a maior efetividade do controle sanitário. Esse segundo fator levaria os produtores menos tecnificados a deixar o mercado.

Impactos globais:

A China, com 1,4 bilhão de habitantes, possui mais de 50% da produção e do consumo global de carne suína. O consumo per capita, de 39,7 kg ao ano, representa 47% do consumo de proteína animal no país (dados do USDA e Euromonitor).

Mas a queda de produção na China afetará não somente o mercado de suínos, mas toda a cadeia de proteína animal, já que nem se toda a carne suína comercializada globalmente tiver a China como destino, será o suficiente para atender o buraco deixado pela peste suína.

E apesar da China aparecer como o 5º maior exportador em 2018, o país importa mais do que exporta. Ou seja, em condições normais, a oferta de carne suína chinesa já não é suficiente para atender a sua demanda interna.

E o Brasil?

Com participação de 8,6% nas exportações globais de carne suína, 19,7% na carne bovina e 32,8% na de frango, o Brasil terá um papel fundamental no atendimento a demanda chinesa por carnes (dados USDA/2018).

Carne Suína: com o embargo da Rússia ao final de 2017, subiu a participação da China (e Hong Kong) nos embarques de carne suína brasileira, passando de 29,9 para 50,1% entre 2017 e 2018.

Já no primeiro trimestre (1T19) deste ano, o volume embarcado para a China (e Hong Kong) recuou 24,4% em relação ao mesmo período do ano passado, somando 66,8 mil toneladas enviadas a esse destino. O total exportado no 1T19 foi de 154,84 mil toneladas, queda de 0,20% ante os três primeiros meses de 2018.

O Brasil conta atualmente com 9 frigoríficos habilitados a exportar carne suína para a China (JBS/Seara: 2; Aurora: 2; Pamplona: 2; Alibem: 2; BRF: 1).

Carne bovina: China (e Hong Kong) foram responsáveis por 38,6% das exportações brasileiras de carne bovina em 2017, subindo para 43,8% em 2018. No 1T19, os embarques para o país asiático foram de 161,73 mil toneladas, queda de 10,9% ante o mesmo período do ano passado.

O Brasil conta atualmente com 9 frigoríficos habilitados a exportar carne bovina para a China (JBS: 6; Marfrig: 2; Minerva: 1; Outros: 5).

Carne de frango: a participação da China nos embarques de carne de frango, entre 2017 e 2018, passou de 15,2 para 16,4%, importando 651,4 mil toneladas em 2018. Nos primeiros três meses deste ano, os embarques aos chineses foram de 157,27 mil toneladas, recuo de 10,3% ante o volume do 1T18.

O Brasil conta atualmente com 33 frigoríficos habilitados a exportar carne de frango para a China (JBS/Seara: 12; BRF: 7; Outros: 14).

Perspectivas:

Embora as exportações totais brasileiras de carnes para a China tenham recuado no 1º trimestre deste ano quando comparadas com o mesmo período de 2018, o cenário deve mudar nos próximos meses.

O aumento de oferta de carne suína no curto prazo e os estoques de proteínas do Governo devem dar espaço a uma necessidade maior de importação, com a China comprando volumes crescentes das três proteínas animais. Aliás, já dão: a importação de carne suína chinesa a partir do Brasil cresceram 44,3% em abril.

Em relação à carne bovina, a Austrália, segundo maior exportador, enfrentou fortes chuvas no início deste ano, que ocasionaram a morte de mais de meio milhão de cabeças de gado. Percentualmente, uma queda aproximada de 6% do total abatido em 2018.

A China é o 4º maior destino do mercado australiano, que detém maiores participações em mercados com maior exigência de qualidade, como EUA, Japão e Coreia do Sul.

O Brasil exporta pequenos volumes de carne in natura aos principais destinos australianos. Mas, de qualquer forma, em âmbito global, um buraco na oferta de carne bovina impactará os principais players, direta ou indiretamente.

Em meio à guerra comercial entre Estados Unidos e China, o presidente norte-americano Donald Trump disse que elevará tarifas de 10 para 25% sobre 200 bilhões de dólares em produtos chineses, intensificando as disputas entre as duas maiores economias e frustrando as expectativas do mercado sobre um possível acordo próximo.

Esse cenário pode trazer benefícios ao Brasil, posto que os Estados Unidos são o maior exportador de carnes e o grande concorrente nos embarques de soja para a China. Até os dois países encontrarem uma solução para o embate comercial, o Brasil aumenta a participação de seus produtos no mercado chinês.

A Ministra Tereza Cristina visitará a China neste mês, e existe uma expectativa de melhora nas relações comerciais entre as duas nações, inclusive com a habilitação de novas plantas frigoríficas que atendam o abate de frangos, suínos e bovinos. Em seguida, a Ministra visitará o Vietnã, outro país asiático que a PSA tem dizimado o rebanho de suínos.

Por fim, é crucial que o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), em parceria com outros órgãos, redobre os cuidados sanitários, evitando a entrada do vírus no Brasil em meio às preocupações globais sobre a disseminação do vírus.