Por Lygia Pimentel. médica veterinária, pecuarista e sócio-diretora da Agrifatto.

Após alguns anos com maior folga de orçamento, baixa oferta e preços ascendentes, 2017 começa a se desenhar como uma grande tempestade. Mas a verdade é que para quem acompanha as nossas análises mais de perto não foi surpresa. Temos alertado sobre a virada desde o final de 2014.

Já se foram alguns anos de margens melhores para o criador, consequente retenção de fêmeas e, com isso, aumento de estoque de animais no rebanho brasileiro.

Não bastasse os movimentos naturais do ciclo pecuário, a economia brasileira foi dizimada. O consumo per capita de carne bovina caiu devido à renda limitada do cidadão, o que deu espaço ao aumento da ingestão de frango, uma proteína mais barata.

Da última vez que passamos pela fase de baixa do ciclo pecuário, a economia brasileira estava no auge, o que criou o que aqui na Agrifatto chamamos de “colchão de consumo”. Essa expressão também pode ser entendida como uma sustentação forte dos preços pecuários vinda pelo lado da demanda. Isso ocorreu entre 2012 e 2013 e não deixou que a crise fosse sentida com tanta intensidade como a última baixa anterior, o fundo do poço da pecuária, vivido entre 2005 e 2006. Na verdade, em termos de retorno financeiro, as fases de baixa dos ciclos de 2006 e 2013 não têm a mínima condição de comparação. Por isso afirmamos categoricamente que cada ciclo é um ciclo. Único, singular, exclusivo, como uma impressão digital.

Hoje, no fim de 2016, o colchão de consumo já não existe. Aliás, esse consumo está atipicamente abaixo de seus níveis históricos, o que deve complicar bastante a situação caso precisemos colocar um excedente produtivo para que o varejo absorva.

As exportações também não ajudaram, e é com elas que começamos a desenhar uma análise cuidadosa sobre 2017.

1. As exportações provavelmente atingirão seu menor nível desde 2012

No início do ano, esperava-se um aumento do volume exportado em 2016. E no início de 2015. E no início de 2014. Com toda essa conversa sobre aumento esperado das exportações, temos a impressão de que estamos nas máximas históricas.

Entretanto, a verdade é que temos registrado queda tanto para o volume como para o faturamento desde 2014 e, se confirmado o volume projetado pela Agrifatto de 2.020 milhões de toneladas totais exportadas em 2016, atingiremos os menores níveis observados desde 2012, quando exportamos 1.907 milhões de tons.

Gráfico 1. Evolução das exportações de carne bovina.Gráfico 1. Evolução das exportações de carne bovina.
Fonte: SECEX/Agrifatto 

O fato é que as exportações têm crescido sua participação no produzido e provavelmente terminaremos o ano exportando 23,3% da produção no Brasil. É mais do que registramos na média dos últimos 10 anos, algo em torno de 20%. Mas com a forte queda do consumo no mercado doméstico, isso não representa boas notícias, apenas mostra que o consumo interno regrediu mais que o externo. E na comparação final, concluímos que ambos caíram. Algo péssimo para os preços pecuários!

Com a valorização do Real frente ao Dólar e com a projeção de maior oferta vinda dos principais concorrentes em nível mundial, não deu para compensar a queda do consumo interno e podemos afirmar que 2016 foi um dos anos mais decepcionantes da história. Aliás, esse é nosso segundo ponto.

2. 2016 foi o ano mais decepcionante da história!!!

Simplesmente observe a Tabela 1.

Tabela 1. Evolução das projeções futuras para os preços do boi gordo – BM&FBovespa
Fonte: Agrifatto

A tabela é extensa, mas não complexa. Ela representa os preços e sua evolução, no mercado físico e no mercado futuro. Explico.

A coluna 1 representa o preço médio no balcão do frigorífico nos meses de abril dos respectivos anos. A coluna 2 representa o que o mercado futuro dizia que deveria valer outubro daquele mesmo ano. Portanto, a coluna 2 representa a projeção futura.

Compare as colunas 1 e 2, cujo resultado é a coluna 3: essa é a valorização porcentual entre safra e entressafra que o mercado esperava para o respectivo período. Exemplo: em abril de 2001, o mercado futuro apontava que haveria uma alta de 15,04% entre abril e outubro. Olhando para a coluna 4, vemos que em outubro os preços não chegaram a subir tanto quanto se esperava em abril, e que na verdade a alta esperada de 15,04% se tornou uma valorização de apenas 11,54%, representada pela coluna 5.

Acompanhe o ágio histórico (coluna 3) e observe que a cada ano o mercado futuro registra menores ágios, ou seja, menores valorizações entre safra e entressafra, chegando a registrar desvalorizações ao longo do ano.

Isso representa o maior volume de animais confinados? Na verdade, não. O volume de animais confinados é a consequência, não a causa.

A causa é o aperto das margens históricas da pecuária e o confinamento é a tentativa do produtor de burlar esse aperto através da maior aplicação de tecnologia na propriedade. Em outras palavras, ele acelera a engorda através do confinamento.

Dito isso, vamos à afirmação “2016 foi o ano mais decepcionante da história”.

Observe novamente as colunas 3 e 5. Veja que 2016 foi o único ano que apresentou uma alta projetada de 3,94% contra uma queda REAL de -3,85%. É a pior desvalorização relativa à projeção futura anterior da história. Assim como a crise econômica, todo mundo esperava que 2016 seria ruim, mas não TÃO RUIM.

3. A crise econômica levou o consumo de carne bovina às mínimas históricas

Na última sexta-feira (9 de dezembro), o Banco Central (BACEN) divulgou suas últimas previsões dos indicadores econômicos para 2017. O Relatório FOCUS aponta o seguinte:

Tabela 2. Expectativa de mercado – FOCUS em 9 de dezembro de 2016.
Fonte: BACEN/Agrifatto

Observe a evolução dos indicadores, especialmente o PIB e o IPCA. Agora olhe para a dívida pública. Isso é fiscalmente péssimo e indica que a carga tributária não poderá diminuir nos próximos anos, atravancando o desenvolvimento do país mesmo com a diluição dos sintomas da crise, além de dar plena margem para que a roubalheira continue.

Outro indicador importante: preços administrados tendem a ser menores do que a inflação corrente, certo? Depende do prazo da sua análise. Compare o IPCA 2017 com os preços administrados. Sim, o intervencionismo cobra seu preço. Normalmente, em dobro, e no momento ele está começando a cobrar o seu.

Em suma, nos últimos tempos vivemos caos econômico: inflação, desemprego, queda do poder de compra, queda do PIB, ruptura da conjuntura industrial, explosão da dívida pública… E tudo isso afetando sobremaneira o orçamento do brasileiro, é claro.

Por esse motivo, pela primeira vez em quinze anos vemos o consumo de carne bovina furar o suporte dos 30 kg per capita.

Gráfico 2. Evolução do consumo per capita de carne bovina e carne de frango (kg/hab/ano).Gráfico 2. Evolução do consumo per capita de carne bovina e carne de frango (kg/hab/ano)
Fonte: Agrifatto 

4. A renda mensal do brasileiro atingiu o menor nível desde 2011

Simplesmente observe o gráfico.

Gráfico 3. Evolução do rendimento médio mensal no BrasilGráfico 3. Evolução do rendimento médio mensal no Brasil
Fonte: IBGE/Agrifatto

Ele representa a extensão do problema relatado no item 3.

5. Por isso, acumulamos o maior rebanho bovino da história

Devido à criação do “colchão de consumo” na última fase de baixa do ciclo pecuário anterior, não foi possível sentir de maneira clara os efeitos da perda de valor real sobre os preços da arroba bovina. Em outras palavras, o crescimento econômico artificial fez o brasileiro consumir mais carne bovina (não à toa conseguimos lançar uma marca de carne ao varejo pela primeira vez na história e exatamente naquele período), segurando os efeitos da expansão da capacidade produtiva brasileira em resposta à retenção de fêmeas em períodos passados.

Isso fez com que o produtor não promovesse a liquidação do plantel entre 2011 e 2013.

Além disso, os efeitos colaterais da “nova matriz econômica” aplicada no fim do governo Lula II e nos governos Dilma I e II pelo ex-ministro-ex-presidiário-atual-investigado Guido Mantega estão evidentes na evolução do relatório FOCUS (Tabela 2).

Como a correlação entre renda e consumo de carne bovina é alta, a destruição da economia agora cobra seu preço em dobro, não somente através da queda do consumo per capita de carne bovina, mas também pelo fato de isso acontecer exatamente quando temos o maior estoque de bovinos da história.
Outra questão importante é que a queda do consumo de carne bovina gerou um ajuste produtivo por parte dos frigoríficos, que reduziram suas compras para se adaptar à demanda deprimida.

Na contabilidade da Agrifatto, em 2015 foram 43 plantas frigoríficas que fecharam suas portas. Outras 5 em 2016, sem considerar a altíssima capacidade ociosa com que trabalharam as plantas restantes. Para se traçar um paralelo, 2009 trouxe a pior crise que o setor frigorífico já presenciou. Hoje, com 48 plantas paralisadas, podemos citar as 50 plantas encerradas naquele período.

Com a queda do interesse pela compra de animais terminados, caem também os abates e cresce ainda mais o rebanho bovino que soma a si esses animais que ficaram para trás.
Resultado: a Agrifatto estima que em 2016 o rebanho bovino brasileiro deve registrar 218 milhões de animais que, mais cedo ou mais tarde, deverão ser abatidos. E com margens negativas, o produtor necessitará fazer caixa. O que será que ele poderia vender rapidamente para equilibrar suas contas?

Exato. O boi.

6. A crise econômica brasileira tem sido tão severa com o setor frigorífico quanto a crise mundial de 2008

Para se traçar um paralelo com a crise de 2008, o consequente enxugamento de crédito que apareceu no ano de 2009 trouxe a pior crise que o setor frigorífico já presenciou. Hoje, com 48 plantas paralisadas Brasil afora, podemos citar as 50 plantas encerradas naquele período e comparar a dimensão do problema.

A diferença é que naquele período, o problema era agudo. Hoje, é crônico.

7. O abate de fêmeas ainda tem muito o que aumentar

O cenário parece tenebroso, mas de acordo com as premissas do ciclo pecuário, a tormenta está apenas começando.

Acontece que antes de o mercado voltar a subir temos que abater o “excedente”. E temos excedente por dois lados: tanto pelo estoque de animais, que está alto, como pelo consumo, que está baixíssimo.

Isso significa que, enquanto o consumidor se recupera com a economia, a margem do pecuarista continuará caindo a ponto de ele abater seus machos e, por fim, suas fêmeas, numa tentativa de fazer caixa.

O problema é que mal começamos a fazer isso. Observe a Tabela 3.

Tabela 3. Evolução proporção de fêmeas abatidas: média por trimestre e por fase do ciclo pecuário.Tabela 3. Evolução proporção de fêmeas abatidas: média por trimestre e por fase do ciclo pecuário
Fonte: Agrifatto

O abate de fêmeas está próximo das mínimas recentes. Temos retido essas fêmeas desde 2013, ou seja, acumulamos vacas produzindo bezerros em no nosso rebanho. Isso que nos diz que o abate de fêmeas terá que aumentar muito antes que comecemos a sentir falta dos bezerros das vacas que estão aí, vivinhas da silva e pastando pelas fazendas brasileiras.

Isso significa que haverá mais oferta já a partir de 2017 e, junto com ela, provavelmente…

8. 2016 deve trazer carcaças abatidas mais pesadas

Há perspectiva de boas condições climáticas para o desenvolvimento de das pastagens, algo que se confirmado impactará o peso das carcaças abatidas, que ficarão mais pesadas na próxima temporada.

É bom lembrar que isso também interfere na perspectiva para a produção de grãos internamente. Além disso, há expectativa de bom desenvolvimento nos cinturões norte-americanos produtores de grãos, o que deve reduzir custos com ração.

9. O cenário internacional está jogando no meio de campo

Entre nossos concorrentes, apenas a Austrália aponta para queda de volumes exportados, especialmente devido ao tamanho do rebanho, que hoje possui algo em torno de 26,5 milhões de cabeças, mas que deve seguir em recuperação já este ano, visto que não houve seca severa por lá. Em cinco anos, poderá atingir algo em torno de 29,5 milhões de cabeças, voltando a tornar a Austrália uma ameaça competitiva em relação às exportações brasileiras.

Entretanto, a oferta de carne bovina tende a aumentar globalmente.

Os Estados Unidos, por exemplo, devem expandir sua oferta de carne em torno de 5,5% em 2017, algo que impactará a oferta global de carne positivamente e pode atrapalhar uma possível recuperação brasileira. Outro ponto importante sobre os EUA é que a China está às margens de uma reabertura para a carne norte-americana. Apesar de isso não tender a ocorrer no curto-prazo, é certamente um ponto de atenção.

Moral da história

Após esse texto que parece mais o roteiro de um filme de Hitchcock, é importante estabelecermos algumas verdades.

a) O ciclo pecuário já virou;
b) A possibilidade de fazer excelentes negócios está muito reduzida;
c) O risco aumentou sobremaneira;
d) O mercado futuro já percebeu isso.

A combinação desses fatores é mortal para quem insiste em buscar preço ao invés de margem.

Observe a última linha da Tabela 1. Ela é de extrema importância. A última linha nos indica a valorização média entre o período de safra/entressafra ao longo da história. Ela também indica qual o ágio médio que o mercado futuro ofereceu. Ou seja, uma comparação entre hedge e especulação e quanto menos você leva de valorização ao longo dos anos por travar às cegas, ou seja, sem analisar o mercado.

A Tabela mostra para gente que a especulação (ausência total de travas e venda direta no balcão do frigorífico) leva a um ágio médio de 9% entre safra e entressafra. Travando no mercado futuro ou mercado a termo, o ágio médio é de 8,05%.

Parece que a especulação é melhor, não? O problema é que tem anos em que a falta de ágio incorre em prejuízo. Então o mercado futuro valoriza menos com o passar do tempo, mas dá uma estabilidade que permite trabalhar tranquilo sob o custo de 1% de valorização.

Uma alternativa é procurar o mercado de opções, em que você não limita seus ganhos. Considerando o hedge com opções, o ágio é de 9,49%, maior que a especulação. Essa conta considera um prêmio pago equivalente a 3,5% do valor da arroba, ou seja, já inclui o custo do hedge.

A verdade é que chegamos em um ponto em que as oportunidades de se fazer um bom negócio estão extremamente escassas. Hoje, o mercado futuro está de fazer chorar, mas oportunidades têm aparecido quando você observa com bastante atenção.

A análise de mercado pode trazer informações novas, mas a moral da história é sempre a mesma: negociar antecipadamente e mitigar riscos não faz mal a ninguém. Aliás, muito pelo contrário. Dá ao produtor tranquilidade em um ano em que todos estão arrepiando os cabelos de medo do que pode vir pela frente.

Além disso, em anos como 2016, dá fôlego a quem conseguiu travar para sobreviver à tempestade que se aproxima. Quem travou 2016 fechou o ano com boa margem de lucro, enquanto quem nada fez fechou o ano com prejuízo.

E quanto maior o risco, maior a necessidade de gerenciá-lo.

A Agrifatto tem a missão de orientar toda a cadeia em relação às decisões de compra e venda. Consulte-nos para saber as modalidades de serviço que oferecemos.

Um abraço e até a semana que vem!