Por: Lygia Pimentel. Médica veterinária, pecuarista e diretora da Agrifatto.

Hoje o texto é longo.

Esta é a nossa primeira impressão como contribuidores da Agência Estado e decidi que, ao invés de começar com as turbinas a todo vapor, falando sobre como o mercado está difícil, ou parado, ou desafiador, desenvolvendo análises sobre o status das exportações, ou explicando como enxergamos a chegada desta safra, resolvi dedicar um pouco do nosso tempo e atenção a explicar um dos motores mais fortes que direciona os preços: o ciclo pecuário.

Para estimar o futuro e realizar um planejamento estratégico, nada melhor do que entender onde estamos inseridos no momento. Todo o resto parte disso.

E o fato é que estamos em pleno fim do primeiro ano da fase de baixa do ciclo pecuário.

Não conhece o ciclo pecuário? Explico: os preços pecuários se comportam ciclicamente. Eles apresentam comportamentos que os colocam acima e abaixo da variação inflacionária, ou seja, em termos nominais, a arroba quase sempre ganha valor, mas em termos reais, ela encolhe e expande, como uma sanfona.

Para demonstrar isso, o ideal é observar os valores históricos. A série histórica mais longa que tenho de preços da arroba do boi gordo começa em 1954. Os dados são do Instituto de Economia Agrícola, o IEA, em continuação com os dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, o Cepea, e outros coletados pela Agrifatto.

Dividi em cores a duração de cada ciclo dentro desse período de tempo, como mostra o gráfico abaixo:

Gráfico 1.
Evolução do preço da arroba do boi gordo a prazo em Barretos – SP, deflacionado pelo IGP-DI

grafico-1

Fonte: IEA/Cepea/Agrifatto.

O gráfico nos ajuda a enxergar que os preços do boi se movem em ciclos que duram alguns anos e trabalham em fases: alta, estabilidade e baixa.

No Brasil, essas fases também têm uma duração média dentro da qual costumam trabalhar. No país, os ciclos pecuários duram, historicamente, algo em torno de 6 a 9 anos, com 3 a 4 anos de baixa e 3 a 4 anos de alta, intermediados por uma fase de estabilidade, que pode ser de 1 a 3 anos.

Há ciclos que fogem dessa regra.

A psicologia de mercado (incluímos aqui a dinâmica de consumo de carne bovina) atrelada à dinâmica do negócio na pecuária determina para onde os preços vão.

Isto significa que em anos de preços em alta, a margem do pecuarista melhora e ele tem mais capital para investir na produção e retém fêmeas para a produção de bezerros, além de aplicar novas tecnologias, comprar mais terras, entre outras atitudes motivadas pela necessidade de aumentar a produção.

E a produção, de fato, aumenta. Por isso, depois de alguns anos, a oferta gado e de carne sobe, deixando o mercado saturado. Os preços, então, começam a cair e tem-se o fim da fase de alta e o início da fase de baixa. Entre as duas fases pode ocorrer uma acomodação, o que chamamos de fase de estabilidade. Outro movimento que pode ocorrer é a distorção dos movimentos de mercado como reflexos de políticas econômicas intervencionistas (e, normalmente, mal sucedidas).

A questão é que no momento em que os preços variam abaixo da inflação, o pecuarista reduz o uso de tecnologias, insumos e aquisição de novas áreas. O objetivo é diminuir os custos de produção, e assim ele posterga investimentos. Quando não é mais possível realizar esses cortes, ele acaba refugiando-se na venda das matrizes para manter o caixa no azul, ou seja, é obrigado a liquidar o seu plantel.

Em um primeiro momento, esse abate de fêmeas dá ainda mais força ao movimento de baixa, já que a oferta de animais para abate também aumenta. Mas o efeito disso é sentido nos anos seguintes, quando os bezerros das fêmeas abatidas não são mais produzidos. Naturalmente a redução da oferta de bezerros acaba por pressionar também, negativamente, a oferta dos animais das eras seguintes, até faltar boi para abate.

A primeira indicação de que a produção de animais está reduzida aparece no preço do bezerro. As cotações começam a subir concomitantemente a um boi gordo em baixa/estabilidade. E é aí que o pessoal volta suas atenções ao pequeno e o interesse na produção dele volta a aumentar.

Como ainda faltam animais terminados, dentro de algum tempo o valor da arroba do boi gordo começa a se recuperar pela redução da oferta, dando início à fase de alta e um novo ciclo pecuário.

E, finalmente, onde estamos inseridos hoje?

Explicado o comportamento histórico do ciclo dos preços pecuários, vamos analisar o panorama atual do mercado dentro dessa lógica.

Estamos começando a colher os efeitos de 3 anos de retenção de fêmeas e investimentos na produção de bezerros. Observe:

Gráfico 2.
Evolução da participação de fêmeas no total abatido e margem da cria.

grafico-2

Fonte: Agrifatto

O gráfico acima mostra a relação inversamente proporcional entre o abate de fêmeas e o resultado da produção de bezerros. Quando este vai mal, o interesse em manter a fêmea no rebanho para produzir mais bezerros diminui, e elas são abatidas. O contrário também é verdadeiro.
Lembrando que quando evoluímos o rebanho, as fêmeas que foram retidas e produziram bezerros, produzirão 50% de fêmeas nesse resultado, que em algum tempo também estarão aptas a conceber.

Até o ano passado, o bezerro continuava com preços firmes. Sinal de escassez da categoria devido ao abate das fêmeas. Em 2016 foi diferente. Frente à maior dificuldade de encontrar compradores, quem trabalha com a cria teve que aceitar preços menores do que os verificados em 2015 para não ficar com a produção no pasto. E o que começamos a observar aqui é que isso faz com que a variação de preços não pague a conta da inflação no ano. Em outras palavras, queda de rentabilidade.

Situação similar ocorreu entre 2012 e 2013, entretanto, foi atenuada pelo que chamamos de “colchão de consumo”. O “Colchão de consumo” é resultado da aceleração econômica Keynesianista promovida pelo final do governo Lula II e pelos governos Dilma I e Dilma II, que impulsionou o consumo no Brasil, inclusive de carne bovina.

Como o “colchão de consumo” furou, não esperamos preços sustentados para 2017 frente ao menor consumo per capita de carne bovina observado para o brasileiro nos últimos 15 anos e a um rebanho estimado em 217 milhões de cabeças, resultado do ajuste produtivo promovido pelos frigoríficos (leia-se: queda de abates) como resposta à apatia do consumidor brasileiro frente à proteína mais cara.

Hoje temos uma luz vermelha acesa. Bem acesa.

A partir daqui, daremos sequência lógica a uma série de textos que serão parte de uma análise profunda e detalhada sobre os desdobramentos do mercado pecuário.

Nos vemos na semana que vem!