A oferta abundante de boi gordo no Brasil pode estar perto do fim. O cenário, negativo para os frigoríficos, entrou no radar de alguns analistas antes do esperado. Embora não seja consensual, a avaliação sugere que o movimento de reabertura de abatedouros que caracterizou o último ano encurtou o ciclo da pecuária, o que deve se traduzir na piora da rentabilidade em 2019.
No ano passado, dezenas de frigoríficos do país reabriram as portas, buscando aproveitar o aumento da oferta de boi e especialmente a crise da líder JBS, que chegou a reduzir drasticamente os abates após a delação premiada dos irmãos Batista. Mas a aposta de que a companhia quebraria se revelou errada, e a JBS retomou a liderança — a empresa tem cerca de 30% dos abates inspecionados do país.
Em meio ao quadro mais desafiador, o frigorífico Frigol, que fatura mais de R$ 1 bilhão por ano, desistiu de reabrir a planta que alugou em Juruena (MT). A reabertura da unidade, sem operar há anos, chegou a ser anunciada para fevereiro, mas não ocorreu.
Para o proprietário de um frigorífico de médio porte, as empresas pagam o preço pelos equívocos. “Estão perdendo muito dinheiro em plantas abertas sem estudo”, diz ele, que sofreu com a maior concorrência por bovinos e prefere não ser identificado. No primeiro trimestre, a Marfrig Global Foods chegou a citar a maior competição por boi como um fator de pressão sobre a margem.
Nesse cenário, a confirmação da reversão do ciclo da pecuária pode tornar o quadro ainda pior. Neste ano, a margem dos frigoríficos brasileiros já não é das melhores para os períodos de maior oferta de gado. No acumulado do ano até outubro, o indicador de margem bruta calculado pela diferença entre o preço de carne bovina no atacado e o do boi ficou em 1%, ante a média histórica de 0,97%, segundo levantamento da consultoria MB Agro. “É meio de lado. Quando está muito bom, dá 1,05%”, afirmou o analista César Castro Alves. No ano passado, o indicador da MB Agro ficou em 1,02% — em abril, o índice bateu 1,08%, no maior nível desde 2010.
“Para quem está no mercado interno, 2019 provavelmente será um ano complicado”, diz o sócio-diretor da consultoria Athenagro, Maurício Nogueira. Para os grandes frigoríficos, o alento devem ser as exportações, que estão aquecidas e podem trazer margens mais consistentes no próximo ano, diz. Segundo ele, a capacidade dos pecuaristas de fornecer boi pronto para o abate é menor do que a demanda da indústria. “Acelerou o ciclo. 2019 já é ano de alta do boi”, acrescenta Nogueira.
A avaliação do especialista é reforçada pela diretora da consultoria de pecuária Agrifatto, Lygia Pimentel. “Acho que uma virada do ciclo acontece em 2019”, afirma, ressaltando que a situação deverá repercutir negativamente no resultado das indústrias. “Historicamente, quando o preço do boi sobe [cenário previsto para o próximo ano], os frigoríficos têm resultados piores”, afirma ela. O boi gordo representa, em média, 80% do custo de produção das indústrias.
Tecnicamente, explica Nogueira, o ciclo de alta do preço do boi gordo ocorre quando a cotação do animal pronto para o abate se valoriza acima da inflação. Essa é a etapa negativa do ciclo para os frigoríficos, quando os pecuaristas retêm mais vacas para aumentar o rebanho futuro. Nos últimos dois anos, o Brasil passava pelo cenário inverso do ciclo, mais favorável aos frigoríficos. Nessa fase, o preço do bezerro é menos rentável para os criadores, o que estimula os descartes de vacas.
De acordo com o sócio-diretor da Athenagro, o atual momento é de transição, do ciclo de baixa para o de alta. Para sustentar seu argumento, Nogueira menciona a oscilação de preços. Entre janeiro e outubro, a cotação do boi gordo subiu, em média, 5,17% no país. No mesmo intervalo, o Índice Geral de Preços — Disponibilidade Interna (IGP-DI), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), subiu 4,93%.
Adolfo Fontes, analista do Rabobank, também já nota sinais de inversão do ciclo, embora acredite que a redução do estoque de bovinos será mais sensível em 2020. “O preço voltou a estimular a cria [de bezerros]”, afirma ele, mencionando dados do levantamento de preços do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), vinculado à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP). De acordo com o analista, o bezerro em Mato Grosso do Sul chegou a atingir R$ 1,106 mil por cabeça em 17 de janeiro, menor patamar do ano. Agora, é negociado por mais de R$ 1,214 mil, o que já representa uma alta de 9,7%.
Além disso, a evolução dos abates no país também dá força à tese de que o ciclo agora vai favorecer os pecuaristas em detrimento dos frigoríficos. Conforme os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 15,4 milhões de cabeças de bovinos foram abatidas no primeiro semestre, crescimento de 4,3% na comparação anual.
Além dos abates em si, outro dado que chamou a atenção de Lygia Pimentel, da Agrifatto, foi a participação de vacas no total dos abates. As fêmeas foram responsáveis por 46,6% e 44,3% dos abates no primeiro e segundo trimestres, respectivamente. Trata-se do maior nível desde 2014, conforme o IBGE. (Valor Econômico)