Os preços da carne bovina dispararam no mercado atacadista brasileiro nas últimas semanas, em um aumento que não foi acompanhado pelos preços pagos pelo boi gordo e que colocou as margens dos frigoríficos no positivo pela primeira vez em meses.
A situação de mercado, que decorre de uma queda na oferta de carne pela redução de abates, e que poderá durar pelo menos até o fim do ano, beneficia grandes grupos como JBS, Marfrig e Minerva, mas também pequenos e médios abatedouros, disseram especialistas.
Os preços do traseiro bovino com osso, por exemplo, subiram mais de 24% desde o início de agosto, quando atingiram uma mínima de quase dois anos. No mesmo período, o preço de referência para o boi gordo recuou 0,9%, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).
A margem de comercialização de carne com osso, couro e outros derivados estava em 0,3% no fim de julho, tendo saltado para 21,3% na segunda-feira, de acordo com índice da Scot Consultoria.
“Na maioria dos meses de 2016, os frigoríficos trabalharam com margem abaixo da média”, destacou a analista de mercado Isabella Camargo, da Scot.
A explicação para o aumento do “spread” está na redução dos abates em diversas unidades industriais nos últimos meses, em meio à alta de custos e queda na demanda de carne.
Numa contagem da consultoria Agrifatto, das 281 unidades frigoríficas existentes no país (com inspeção federal), 58 fecharam as portas entre 2015 e 2016.
Também há unidades iniciando férias coletivas ou realizando abates em dias intercalados, destacaram especialistas.
“A queda no abate nos últimos meses enxugou a oferta de carne do mercado”, disse a diretora da Agrifatto, Lygia Pimentel.
Por outro lado, os preços do boi gordo, que chegaram a bater um recorde nominal histórico em abril, não acompanharam a alta da carne, devido à menor demanda pelas indústrias.
Beneficiados
Após meses de margens muito apertadas, o aumento no preço da carne é uma boa notícia para os frigoríficos, mas não traduz-se necessariamente no fim dos problemas do setor.
A redução de atividade em unidades de grandes empresas do setor foi uma solução encontrada para reduzir prejuízos em algumas regiões deficitárias, mas não elimina diversos gastos, como salários.
“A gente não consegue avaliar ainda o custo das plantas paradas. Provavelmente eles vão ter dificuldade de diminuir custo fixo”, disse Lygia Pimentel.
A Marfrig, segundo maior frigorífico de bovinos do país, por exemplo, viu sua unidade Beef (de carne bovina e ovina) reduzir a geração de caixa medida pelo Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) em 27 por cento no segundo trimestre deste ano, ante 2015, após fechamento de unidades e aperto nas margens operacionais.
“A redução de margens e volume (de vendas de carne) levou à queda do Ebitda no trimestre”, disse a empresa em seu relatório do segundo trimestre deste ano.
O movimento dos grandes frigoríficos para ajustarem-se ao mercado pode beneficiar as pequenas e médias indústrias, onde há menor ociosidade, disse a analista Agrifatto.
Na avaliação da consultoria IEG FNP, as indústrias de pequeno e médio porte podem ganhar espaço no atual cenário.
“Os (grandes) frigoríficos tentam de certa forma regular oferta (de carne), mas ainda existe concorrência… frigoríficos menores começam a ganhar mercado”, disse o diretor técnico da IEG FNP, José Vicente Ferraz.
Segundo ele, cerca de metade do consumo interno de carne bovina do Brasil é abastecido por pequenos e médios frigoríficos.
Varejo
Com os preços no atacado em ascensão, em breve a alta deverá chegar à rede varejista, e a questão é saber quem irá absorver os valores maiores.
Na visão do gerente de Inteligência de Mercado da Minerva Foods, um dos maiores grupos frigoríficos do país, Leonardo Alencar, uma “boa fatia” dos reajustes deverá ficar com os supermercados.
“Talvez o varejo não consiga repassar isso para o consumidor final”, disse ele.
Na visão de Ferraz, da FNP, há pouco espaço para o consumidor final absorver aumento de preços na carne bovina, em meio ao cenário de inflação alta, desemprego e endividamento das famílias. “Agora o maior braço de ferro está sendo entre indústria e varejo”, disse.