Após fechar em alta de 0,80% na quarta-feira, o dólar caiu mais de 1% na sessão desta quinta-feira, 19, em sintonia com o enfraquecimento da moeda norte-americana no exterior tanto em relação a divisas emergentes quanto fortes, em especial o euro. Nos momentos de maior pressão vendedora lá fora, a moeda chegou até a trabalhar abaixo da linha de R$ 4,90 e desceu até o patamar de R$ 4,88. Operadores relataram fluxo de estrangeiros para ativos domésticos, favorecidos em suposto movimento de rotação de carteiras pela alta de commodities agrícolas e metálicas, e desmonte de posições defensivas no mercado futuro.
Segundo analistas, o dólar sofreu nesta quinta com movimento global de realização de lucros, após a forte apreciação nas últimas semanas induzida pela expectativa de aceleração do processo de ajuste monetário conduzido pelo Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano).
O tropeço do dólar teria sido provocado sobretudo pela recuperação pontual do euro, na esteira de sinais da ata do último encontro de política monetária do Banco Central Europeu (BCE) de eventual aumento de juros na zona do euro no início do segundo semestre. A ata do BCE, ressaltam analistas, vem após falas duras de dirigentes da instituição nos últimos dias e a divulgação da alta de 7,4% da inflação anual da zona do euro em abril.
Afora a questão técnica, há também preocupações com uma eventual retração da economia dos Estados Unidos diante do aperto das condições financeiras. O índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – operou em queda firme ao longo de toda a sessão, tocando 102,657 na mínima, com perdas superiores a 1% frente ao euro e a libra esterlina. A moeda norte-americana tombou também em bloco frente a divisas emergentes e de países exportadores de commodities, com destaque para o peso chileno, o real e o rand sul-africano. O Banco Central da África do Sul elevou a taxa básica de juros em 50 pontos-base, a 4,75% ao ano.
Em queda desde a abertura dos negócios no mercado doméstico, o dólar rompeu o piso de R$ 4,90 por aqui à tarde e desceu até a mínima de R$ 4,8809 (-2,04), em meio ao aprofundamento das perdas da divisa americana lá fora e a máximas do Ibovespa, que superou os 107 mil pontos. Com a piora das bolsas em NY no fim da sessão e o índice DXY se afastando das mínimas, o dólar voltou a superar R$ 4,90 e fechou a R$ 4,9168, em queda de 1,32%. Com o tombo desta quinta, o dólar já acumula perda de 2,78% na semana e passou a apresentar baixa em maio (-0,52%).
Em sua ata, o BCE afirma pode subir os juros “algum tempo” depois do fim do programa de compra de ativos, que deve terminar no início do terceiro trimestre. Isso pode significar algumas semanas ou meses após a conclusão do programa de relaxamento quantitativo (QE, na sigla em inglês). “A abordagem não impede um aumento oportuno das taxas se as condições assim o justificarem”, ressalta a ata.
O economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, observa que a inflação na Europa roda na casa de 7% e já começa a crescer a expectativa de que o BCE terá que antecipar a primeira alta dos juros, esperada anteriormente para o fim do ano. “O euro vem apanhando muito já faz bastante tempo. É uma recuperação pontual hoje frente ao dólar, que acabou levando a uma queda da taxa de câmbio também por aqui”, afirma Velho “Mas a tendência é de dólar forte no mundo, porque aparentemente o Fed vai ter que elevar o juro acima do neutro, com uma taxa dos Fed Funds mais para 4% que para 3%.”
Para Velho, apesar de o Banco Central brasileiro ter sinalizado que pretende manter a taxa Selic em níveis elevados por mais tempo, após uma provável alta adicional em junho, o dólar não deve se situar abaixo de R$ 4,90. O economista ressalta que, além do aperto monetário nos EUA, há outros fatores externos que dão sustentação à demanda por dólares, como possível recrudescimento das tensões geopolíticas no Leste Europeu, com a recusa russa em aceitar entrada de Finlândia e Suécia na Otan, e dúvidas sobre o ritmo de crescimento da economia chinesa. “Tudo indica que o dólar é mais para cima. Só cairia se houvesse um fluxo muito grande para o Brasil, como no primeiro trimestre, o que acho muito difícil. Vamos ter eleição presidencial no segundo semestre”, afirma.
Em razão da paralisação dos servidores do Banco Central, só estão disponíveis números do fluxo cambial até o dia 1º de abril, o que impede o mercado de aferir o apetite do capital externo por ativos domésticos. Dados da B3 mostram que os investidores estrangeiros ingressaram com R$ 292,865 milhões na Bolsa na sessão de terça-feira, 17. O saldo em maio, contudo, é negativo em R$ 12,403 bilhões. O ingresso líquido do estrangeiro na B3 neste ano, que já chegou a superar R$ 60 bilhões, agora em R$ 45,247 bilhões.
Para a economista Bruna Centeno, da Blue3, a ata do BCE contribuiu para um movimento parcial de recuperação do euro, mas as expectativas ainda são de dólar forte no mundo, o que vai impedir que a moeda brasileira se aprecie ainda mais. Centeno observa que a perspectiva é que o Fed seja muito mais agressivo que o BCE. “Podemos esperar uma alta de juros na Europa no segundo semestre, mas de maneira moderada. O dólar ainda vai seguir como refúgio para os investidores”, diz Bruna, para quem investidores vão buscar abrigo na moeda americana diante de quadro de inflação elevada, agravada pela guerra na Ucrânia, e revisões para baixo do crescimento global. “Há muita incerteza e a volatilidade deve continuar alta. No curto prazo, vemos um suporte para o dólar em R$ 4,90”.
(Estadão Conteúdo)