O governo lança hoje (11) o Plano Nacional de Fertilizantes, no qual trabalhou ao longo de pelo menos um ano. Esta não é a primeira tentativa de criar condições para reduzir a dependência do país de nutrientes importados. Outros três programas e planos nesse sentido já foram apresentados, nas décadas de 1970, 1980 e 2010, conforme o próprio documento, ao qual o Valor teve acesso.
Pelo contexto geopolítico atual, o assunto ultrapassou as paredes de salas do mundo corporativo e despertou a atenção da população, sobretudo após o início da guerra na Ucrânia. Com 85% da demanda coberta por importações, o Brasil é um grande cliente do Leste Europeu.
Considerado uma “provocação ambiciosa” por representantes do setor privado, a ideia central do projeto é ampliar a produção nacional, a partir de um conjunto de metas e ações traçadas de olho em 2050. O alvo, diz o texto, é segurança alimentar. Se o país está menos exposto às altas de preços internacionais, poderá reduzir o impacto de tremores externos na inflação de alimentos.
O plano elenca metas e ações em 195 páginas. “O trabalho foi bem conduzido. Mas, não há milagre que possa ser feito. É preciso observar se a exploração é viável”, diz um executivo do setor. A primeira pergunta a fazer, reforça, é se o Brasil tem esses minerais. “E a resposta é sim”.
Porém, é fundamental observar a qualidade das minas e questões sensíveis como a localização das jazidas, já que isso é um fator importante pela presença de comunidades no entorno – a exemplo dos indígenas nas proximidades do potássio de Autazes (AM). A Potássio do Brasil, nas mãos de investidores canadenses, aguarda a liberação de licenciamento ambiental até conclusão da consulta ao povo Mura.
A disponibilidade de gás natural – matéria-prima para os nitrogenados – a um custo viável também integra a lista dos primeiros desafios a observar. É preciso atrair investidores, já que quem colocará o projeto em prática é a iniciativa privada – como já reiterou a ministra Tereza Cristina -, e o objetivo é minimizar as compras externas a ponto de “depender 51% de nitrogênio, 5% do fósforo e ser um dos grandes players globais de potássio”, diz o texto.
Vale lembrar que as maiores dependências são de potássio e nitrogenados – acima dos 96%. Em potássio, as principais reservas nacionais estão em Sergipe e no Amazonas, e correspondem a apenas 3% dos estoques mundiais. Entre as metas estipuladas está elevar a capacidade instalada de óxido de potássio a 6 milhões de toneladas até 2050.
Para entender potenciais de dependência, é importante observar também os volumes de consumo do agricultor brasileiro – que tendem a crescer. O país já é, hoje, o quarto maior produtor de grãos do mundo, atrás de China, EUA e Índia. Suas lavouras de grãos, cana e café, são as principais consumidoras de nitrogenados, potássicos e fosfatados (N, P e K), e absorveram 42,5 milhões de toneladas de fertilizantes entre janeiro e novembro de 2021. Estima-se que a entrega total do ano alcançou 46 milhões de toneladas. Soja, milho e cana consomem mais de 70% do que é entregue a cada ano.
Uma das medidas avaliadas pelo governo no plano é a criação de um regime especial para a indústria de exploração desses nutrientes, com a concessão de estímulos fiscais e tributários. A avaliação é que a baixa produção atual se deve à inviabilidade econômica de projetos que foram assumidos por empresas privadas e pela Petrobras no passado recente.
Segundo o senador Lasier Martins (Podemos-RS), o governo agiu na contramão desse objetivo ao publicar a MP 1.095/2021, que extinguirá neste ano o Regime Especial da Indústria Química (Reiq), que prevê isenção de impostos sobre produtos químicos de 1ª e 2ª geração. “Temos que tentar tornar sem efeito [a MP] “, disse ele em audiência pública.
O diretor executivo do Sindicato Nacional da Indústria de Matérias-Primas para Fertilizantes (Sinprifert), Bernardo Silva, lembra que há uma “luta de décadas” contra um ambiente tributário que subsidia a importação de fertilizantes. “Sem foco em barreiras estruturais, seguiremos caminho para ultrapassar 90% da dependência”, diz Para Silva, medidas imediatistas e conjunturais, como a ideia que poderia ser ressuscitada pelo contexto atual, de reduzir o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (ARFMM) de fertilizantes, não garantiria a redução do preço do insumo e favoreceria a competitividade dos fornecedores estrangeiros.
A logística também é citada por fontes consultadas pelo Valor como ponto estrutural de linha de frente. O documento cita a necessidade de convergência com o Plano Nacional de Logística e outras políticas públicas, como o Novo Marco legal e o Programa Novo Mercado de Gás (no capítulo que aborda a viabilização de plantas de nitrogenados).
Ademais, o Ministério da Agricultura e a Receita querem criar um regime especial de análise da importação desses insumos nos portos e postos de fronteira, com um canal verde e prioritário para as cargas, que seja mais ágil que o comum, semelhante ao implantado para a importação de respiradores e outros equipamentos de saúde por conta da pandemia.
Mesmo que a logística interna tenha melhorado – e o Arco Norte é prova disso -, não é suficiente para parear custos com importações. Um exemplo dado pelo Sinfprifert indica que a transferência de fertilizantes de uma fábrica em Rio Grande (RS) para o Porto de Aratu (BA) custa mais caro do que trazer potássio de Belarus – sancionada por EUA e UE.
“Como ficaremos décadas [à frente] dependendo de importações, e o plano reconhece isso, é preciso criar facilidades logísticas. Greves em portos e estradas impactam muito o fluxo”, reforçou Ricardo Tortorella, diretor da Anda, que reúne empresas do setor, em entrevista ao Valor.
(Valor Econômico)