Yago Travagini é economista e consultor de mercado pela Agrifatto
Stefan Podsclan é engenheiro agrícola e consultor de mercado pela Agrifatto
Jéssica Huescar é médica veterinária e trainee pela Agrifatto
Antônio Costa é estagiário pela Agrifatto
Laura Rezende é médica veterinária e consultora pela Agrifatto
Resumo da semana:
A última semana foi marcada por baixo volume de comercializações no mercado físico do boi gordo. Com um cenário de exportações da proteína bovina ainda travado e um movimento de greve dos caminhoneiros, os frigoríficos continuaram sem grande apetite por novas compras e assim soltaram preços balcão ainda menores do que fora visto ao fim da semana retrasada, a tentativa de compra em São Paulo ocorreu próximo aos R$ 300,00/@. Como grande parte dos pecuaristas não aceitaram tal referência de preços, poucos negócios foram efetivados e com isso as escalas de abate atingiram as mínimas dos últimos doze meses em grande parte do território nacional, que tem em média em 5 dias úteis programados. O indicador Cepea fechou a semana com o valor médio de R$ 307,14/@, recuando 0,69% no comparativo semanal e sendo o menor valor desde a primeira semana de março/21.
E o etanol hidratado continua a romper recordes em solo brasileiro, ainda que desta vez a alta tenha acontecido de maneira mais tímida, com valorização de apenas 0,37% no comparativo semanal, o combustível atingiu o patamar dos R$ 3,24/l, o maior valor de toda a história. A valorização da gasolina (afetada pelo petróleo e dólar) em conjunto com a menor produção da cana-de-açúcar e do milho tem sustentado esta alta do etanol em todo o país.
Em uma semana que rodou em compasso de “espera” no mercado norte-americano, aguardando a divulgação do relatório de oferta e demanda do USDA, o preço da soja nos EUA fechou o período em estabilidade, recuperando as perdas do início da semana após a divulgação de tal relatório. No Brasil, a evolução do dólar e do prêmio pago nos portos fez com que a oleaginosa encerrasse a semana com valorização de 1,76%, atingindo os R$ 173,42/sc, o maior valor desde o dia 20/08/2021.
Após as manifestações do dia 07 de setembro, a eterna crise política vivenciada no Brasil voltou a dar as cartas sobre o dólar. A moeda norte-americana chegou a encostar nos R$ 5,33 durante a quarta-feira (08/09/2021), em uma resposta do mercado ao receio do tensionamento entre os poderes no Brasil (Judiciário, Executivo e Legislativo). No entanto, após conversas internas, o dólar se “acalmou” e fechou a semana com uma alta de apenas 1,17%, cotado a R$ 5,25.
1. Na tela da B3
Mais uma semana em que o mercado do boi gordo na B3 atuou com novidades e volatilidade. Se na semana retrasada as cotações mergulharam em desvalorizações após a notícia sobre a Encefalopatia Espongiforme Bovina, na segunda-feira da semana passada a confirmação de que se tratavam de casos atípicos fez as cotações recuperarem o patamar dos R$ 308,00/@. No entanto, com a demora da China em se posicionar sobre a volta dos embarques e uma possível greve dos caminhoneiros fez com que a desvalorização atingisse as cotações dos vencimentos de boi gordo na B3 novamente.
Diante dessa movimentação o contrato de boi gordo para outubro/21 na B3 fechou a sexta-feira cotado a R$ 302,00/@, valorizando 1,67% frente ao fechamento da sexta-feira retrasada. Vale a ressalva de que a leve alta deste vencimento não foi acompanhada no mercado físico, visto que as poucas negociações de boi gordo efetuadas em São Paulo tiveram como base os R$ 300,00/@ para animais comuns, recuando dos R$ 310,00/@ que fora visto no início da semana retrasada.
E a volta da volatilidade ao mercado do boi gordo na B3 está atraindo mais operadores, ao menos é o que indica o volume de contratos em aberto. No comparativo semanal foi notado um crescimento de 8,30% no total de contratos em aberto (futuro + opções), atingindo os 85,94 mil contratos, o maior volume desde 05/11/2020. Ainda assim, vale ressaltar que este volume é 17% menor que o registrado no mesmo período do ano passado.
Apesar deste incremento no volume de negócios, a movimentação dos players pouco se alterou, mantendo o que já era visto na semana passada: PJs não-financeiras e Pessoas Físicas compradas (“apostando” na alta) e Investidores Institucionais vendidos (“apostando” na queda).
Nesta semana o que gostaríamos de destacar é o volume de CALLs em aberto que há no mercado de boi gordo, com as 3,5 mil CALLs abertas na última semana há agora 46,07 mil CALLs no mercado, o maior volume desde 22/10/2020. Tal fato demonstra que apesar de não haver posicionamentos grandes em futuros, os operadores estão buscando se posicionar através das opções e até aceitam pagar mais para adquirir estas.
Apesar de não ser uma confirmação de para onde o mercado vai, esse posicionamento grande em CALLs indica que os operadores de boi gordo acreditam mais na alta do ativo neste momento.
Fonte: Agrifatto; B3;
1.1. O que o mercado futuro proporciona?
Após uma semana da confirmação de que se tratavam de casos atípicos de Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB) no Brasil ainda não temos nenhuma confirmação oficial do governo chinês sobre a retomada das compras de carne bovina por parte do país. Como a questão sanitária já está resolvida junto a OIE, o que estamos enfrentando agora é uma burocracia política/comercial/diplomática, afinal, o risco sanitário do Brasil continuou inalterado.
Conforme elucidamos neste relatório (coloca link sobre possibilidades chinas aqui), não visualizamos que a China tenha ótimas alternativas de substituição que os “completem” no caso de ficarem um mês sem comprar proteína bovina brasileira. Como isso continua afetando a precificação do boi gordo na B3, não à toa chegamos aos R$ 309,50/@ e voltamos aos R$ 302,00/@ durante a semana no vencimento para outubro/21, reforçamos as recomendações da semana retrasada:
“A forma mais comedida para buscar surfar nessa possível valorização seria através das opções, que encareceram por conta da volatilidade da última semana, mas ainda assim entregas possibilidades interessantes de ganhos. A compra de CALLs simples para outubro/21 próximo aos R$ 310,00/@ ou então a compra de CALLs Spreads para novembro/21 com o intervalo entre R$ 313,00 e R$ 325,00/@ seriam as operações mais interessantes e conservadoras diante da análise de mercado atual.
Uma outra forma de surfar nessa valorização, mas de maneira mais arriscada, seria a compra de futuros para outubro/21 e novembro/21, visto que a confirmação de casos atípicos da doença traz impactos de curto prazo (teríamos uma volta à normalidade ao fim do mês de setembro/21), mas a tendência seria de volta aos patamares anteriores a circulação da notícia. Sendo assim, o nível atual de R$ 302,00/@ estaria “barato” diante de tais fatos.
Acreditamos que a compra de PUTs para se proteger contra novas quedas seria interessante a partir do momento em que tivéssemos uma volta à normalidade dos embarques para fora do país, e assim, a precificação deste ativo recuaria a valores mais aceitáveis. ”
2. Enquanto isso, no atacado…
O mercado atacadista da carne bovina interrompeu a fraqueza em que vinha “surfando” e começou a entrar em um cenário de relativa firmeza, mas com incertezas. Nos últimos dias, muitos acontecimentos abalaram o mercado do boi gordo, tais como os casos de “mal da vaca louca” atípicas, a greve dos caminhoneiros e a indefinição sobre os embarques de proteína bovina a China. Ainda assim, a demanda interna parece ter dado uma resposta aos atacadistas após consecutivas quedas, visto que a carcaça casada bovina registrou alta de 0,87% no comparativo semanal, e fechou a semana cotada em R$ 19,44/kg.
Após sofrer um ajuste na semana retrasada, o preço do frango resfriado no atacado paulista demonstrou que foi algo pontual e já fechou a semana passada com alta de 0,17%, ficando cotado a R$ 8,25/kg. O aumento do custo de produção (por conta da energia elétrica e da ração) está sendo repassado com sucesso aos consumidores, visto que os preços conseguiram se firmar nas máximas históricas.
Já no cenário da proteína suína, as vendas de cortes e carcaças não apresentaram uma movimentação tão significativa no final de semana do feriado, sendo então consideradas apenas razoáveis. No entanto, como a oferta de animais se manteve regular, a carcaça especial suína fechou a semana cotada em R$ 9,16/kg, sem alterações significativas no comparativo semanal.
O consumo pós feriado prolongado do 7 de setembro não foi considerado excelente pelos atacadistas e varejistas, ainda assim, a carcaça casada bovina conseguiu emplacar uma valorização, fato que não ocorria há mais de três semanas. A perspectiva a partir da segunda quinzena do mês é de manutenção do atual patamar de preços, obviamente considerando que os embarques para a China sejam normalizados.
3. No mercado externo
Surpreendentemente durante a última semana as exportações de carne bovina in natura ganharam forças, foram 55,34 mil toneladas enviadas ao exterior nos últimos quatro dias úteis. Desta forma, a média de embarques estabeleceu-se em 12,41 mil t/dia, avançando 18,08% em comparação a semana passada. Em números totais, já são 86,88 mil toneladas enviadas para fora do país, número impressionante, visto que os embarques para a China estão suspensos desde o dia 03/09/2021.
Como o preço pago pela proteína vermelha recuou 0,52%, sendo vendida a um preço médio de US$ 5,78 mil/t, a receita gerada pela carne bovina avançou de maneira mais tímida que o volume, ainda assim a média diária obtida com a venda de carne bovina bateu os US$ 71,85 milhões, 17,46% a mais do que na semana anterior. Com isso, o total obtido em sete dias úteis de setembro/21 com a venda de carne bovina já ultrapassa meio bilhão de dólares.
As vendas externas de milho registraram o volume 724,96 mil toneladas exportadas com ritmo diário de embarque de 179,97 mil ton, 0,95% superior ante a semana retrasada. Os sete primeiros dias úteis de setembro/21 somam 1,26 milhões de toneladas embarcadas, volume 40,68% inferior comparado ao mesmo período em 2020. A receita obtida no mês corrente totaliza US$ 246,32 milhões, o equivalente a 23,72% de todo setembro/2020.
As importações do cereal continuam fortes, durante a semana passada 122,84 mil toneladas atracaram em portos brasileiros, uma média diária de 26,93 mil toneladas descarregadas e um avanço de 22,95% no comparativo semanal. As compras internacionais do cereal no mês corrente já consolidam US$ 45,43 milhões, o valor atual é 203% superior ao desembolso de setembro/20.
O volume exportado de 1,962 milhões de toneladas no mês atual já responde por 46,05% de toda soja exportada no mês setembro/20. O ritmo diário atual de embarque de 280,3 mil toneladas é 38% superior ao ritmo registrado no mesmo mês de 2020.
Com preço de US$500,3/ton a receita obtida com a exportação da oleaginosa no mês setembro/21 é de US$1,589 bilhões e equivale a 63% de todo faturamento registrado em setembro/20. O valor unitário da soja exportada no mês corrente é 38% superior ao mesmo período de 2020.
4. A compra do pecuarista
O feriado e a tensão da semana com a greve dos caminhoneiros refletiram em um movimento de apreensão no mercado do milho. Apesar da melhor oferta o recuo dos preços foi mais tímido e a saca em Campinas/SP registrou valor médio semanal de R$ 92,63/sc, queda de 1,4% sobre a semana anterior. No mês de atual a saca do cereal tem preço médio de R$ 92,78/sc e está 5,9% abaixo do preço médio de agosto, refletindo o mercado abastecido com poucos compradores ativos e a melhora da oferta.
O mercado de milho está bem ofertado e com preços em queda, mas pode alcançar patamares mais baixos devido ao tímido comportamento da demanda, a consolidação de uma boa safra nos EUA reduzindo os patamares das paridades de importação e exportação e também a necessidade de esvaziar os silos em novembro para a entrada da safra de soja no mês de novembro.
Fonte: Agrifatto;
Os problemas logísticos nos EUA ocasionados pelo furacão Ida já está atrapalhando a safra de soja norte-americana que está prestes a iniciar a colheita. Embora os preços internacionais estejam mais baixos, a demanda internacional trouxe elevação dos prêmios de exportação e o fator dólar também influenciou na elevação dos preços da soja no mercado a interno. A consequência foi a elevação nos preços da soja na última semana que trouxe sustentação aos preços do farelo que está no patamar de R$ 2.100,00/tonelada em Rio Verde/GO, o mesmo patamar de agosto. A redução no poder de compra do pecuarista para 2,91 toneladas por boi gordo de 20@ veio pela desvalorização do boi gordo em consequência da apreensão do mercado sobre os casos atípicos de vaca louca já confirmados.
*Considera-se um boi gordo de 20 arrobas;
Fonte: Agrifatto;
5. O destaque da semana
A última semana foi marcada por uma nova greve dos caminhoneiros, que se iniciou na quarta-feira (08/09), e foi responsável por paralisar rodovias em 16 estados brasileiros. O movimento se iniciou devido a insatisfação de alguns representantes da classe com as recentes decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal e em apoio ao presidente do Brasil. Os manifestantes exigiram a entrega de um documento ao presidente do Senado, pedindo impeachment de ministros do supremo.
Em 2018, o país passou por uma situação parecida, quando no dia 21 de maio, caminhoneiros decidiram realizar uma greve, reivindicando melhores condições de trabalhos e uma redução no preço do diesel. Após 10 dias negociações com o governo, o movimento se encerrou. Na ocasião, a restrição feita ao transporte de bens e insumos provocou um salto nos preços captados pelo IPCA do mês de junho, a inflação chegou na casa dos 1,26%, 1,04 p.p. a mais do que fora projetado para o mês de abril/18.
Fonte: IBGE/Agrifatto
A inflação que voltou a ganhar forças em 2021 e a extensão desta greve poderia causar estragos ainda maiores para a economia brasileira, que vinha se recuperando pós pandemia. Com o apaziguamento da situação, a paralisação deve ter efeito reduzido, visto que o desabastecimento não ocorreu em grande parte do país.
Ainda assim, a cadeia da pecuária de corte sofreu com mais um “ingrediente” após a EEB diagnosticada na semana retrasada, frigoríficos que já estavam sem apetite de realizar novas compras, reduziram ainda mais sua demanda diante da falta de previsibilidade, principalmente na quarta e quinta-feira. Vale a ressalva de que o fim do vazio sanitário se aproxima em grande parte do país e a continuação dessa paralisação poderia ser catastrófica para o início do plantio da soja.
Ao que parece a situação está resolvida, no entanto, continuaremos observando já que a instabilidade política ainda paira sobre Brasília.
6. E o que está no radar?
Não há como fugir. O que deve continuar no radar dos pecuaristas e de qualquer um que trabalhe com bovinocultura de corte neste momento é o retorno da Chinas as compras de carne bovina brasileira.
Acreditamos que isso deve ocorrer, não há boas alternativas dispostas “a mesa” para que os chineses interrompam as importações de proteína bovina do Brasil. Nem mesmo os EUA, que ventila como uma possível possibilidade para substituir o Brasil, conseguiria atender a China em volume e preço igual o Brasil atende.
No entanto, a “bola” está com os chineses, é eles que determinarão quando voltaram e mesmo passado mais de uma semana da confirmação da OIE que o Brasil permanece com o status sanitário inalterado, ainda assim, não há nenhum posicionamento deles quanto a data de volta as compras de proteína bovina.
Apesar de se ter certeza que os embarques devem voltar em algum momento, quanto mais tempo se passa, maior vai ficando a “bola de neve” gerada pela falta de posicionamento chinês. Quando os embarques foram interrompidos voluntariamente pelo Brasil no dia 03/09/2021, já havia cerca de 150 mil toneladas com programação de envio a China, como não houve nenhum posicionamento chinês desde então, os volumes de animais “China” abatidos continuam a encher as câmaras frias dos frigoríficos enquanto se espera a liberação do governo.
Até lá, os preços pagos pelos frigoríficos devem seguir próximo dos R$ 300,00/@ em São Paulo, que já é o valor ofertado atualmente no balcão paulista. Aguardemos novidades do outro lado do mundo!