Entrevista com a Diretora da Agrifatto, Lygia Pimentel, para a edição de Fevereiro de 2018 da Revista feed&food
>> Em termos de macroeconomia. O pior já passou? As projeções positivas do cenário macroeconômico, como controle de inflação e taxas de juros em patamares reduzidos, animam o mercado pecuário?
Teoricamente sim, infelizmente ainda temos o grave problema da insegurança jurídica e as altas despesas públicas que encontram fortíssimas barreiras para serem cortadas. De toda forma, já são palpáveis os efeitos da retomada de crescimento sobre o consumo interno sobre os preços pecuários, especialmente alavancados pela menor taxa de endividamento populacional.
Além do desemprego em queda e da renda em recuperação (patrocinada principalmente pela inflação mais baixa), o fato de o consumidor interno precisar despender uma fatia menor do salário para abater dívidas impulsiona o consumo de carne bovina nos lares brasileiros.
>> O câmbio, por conta da indefinição política, é o indicador que mais pode variar e ser um problema para o planejamento do setor? Se sim, como se proteger?
Há um dito de Luciano Coutinho: “Taxa de câmbio é invenção de Deus para humilhar economistas”. De fato, o Dólar ainda pode trazer grandes surpresas em 2018, mas com um cenário positivo às privatizações e medidas pró-mercado, a moeda norte-americana deve seguir a esteira altista, o que pode interferir negativamente nos custos de produção de quem depende da compra de insumos dolarizados.
Uma solução para esse tipo de exposição é a compra de dólares via mercado futuro ou através do mercado de opções, considerando um investimento limitado para assegurar um preço máximo a se pagar pela moeda no momento do desembolso.
Mais uma opção seria tentar negociar um preço fechado de venda antecipada diretamente com o fornecedor, o que costuma ser mais difícil e precisa ser garantido através de um contrato claro e bem estabelecido entre as partes.
>> O cenário 2018 se apresenta positivo quanto ao consumo interno, correto? Muito por conta das eleições. Mesmo com a crise econômica e política, podemos esperar índices como o das últimas eleições ou é pensar de forma muito positiva? Qual a sua opinião?
Sim, o consumo interno se apresenta como um importante fator para o mercado pecuário em 2018, especialmente baseado na recuperação econômica em um ambiente de menor endividamento das famílias, o que é fundamental para que a escolha pela proteína vermelha possa se consolidar no lar do consumidor brasileiro.
As eleições presidenciais deveriam ser encaradas como uma possível “boa” surpresa para o consumo no segundo semestre. Sobrescrevo o adjetivo entre aspas pois aquilo que é artificial não costuma ter base sólida em termos de crescimento econômico sustentável, mas sim, pode ser fator de suporte às cotações da arroba, como nos indica o histórico de preços pecuários.
Os anos eleitorais de 2002, 2006 e 2010 contaram com valorização média safra-entressafra de 26%. Já em 2014, a variação de preços entre abril e outubro ficou em decepcionantes 7,6%. Nesta última ocasião, o alto endividamento das famílias, a crescente e alta taxa de desemprego, bem como a inflação administrada, foram fatores que impediram o aquecimento artificial da economia tradicionalmente promovido pelo período eleitoral. Isso tudo ocorreu apesar de o financiamento eleitoral ter atingido a impressionante soma de R$ 5,1 bilhões, um recorde!
Em 2018 permanecemos frágeis, mas com indicadores de PIB, inflação, desemprego e dólar mais promissores, o que pode trazer ânimo complementar ao mercado consumidor advindo do período eleitoral. Entretanto, destaco como principal fator de incentivo ao consumo a enorme proporção do mercado interno brasileiro dentro de um contexto de recuperação econômica, contando menos com a “mãozinha” das eleições como influência para toda a temporada e mais concentrada no segundo semestre.
>> Especificamente sobre o mercado do boi gordo: a demanda vai sustentar uma retomada deste mercado?
A demanda promete dar excelente suporte ao equilíbrio dos preços pecuários, como já temos sentido de maneira consistente no último trimestre.
Isso deve dar um bom suporte ao mercado.
Por fim, é importante lembrar que, à exceção de 2014, anos eleitorais estimulam o consumo carne bovina e, consequentemente, aceleram o abate.
Assim sendo, enxergo 2018 como um ano que pode ajudar o pecuarista a fazer a lição de casa e, na esteira de 2017, acelerar a passagem pela fase de baixa do atual ciclo pecuário, que pode terminar já na metade de 2019.
>>Com a aparente boa safra de grãos para 2018, os custos de produção devem ser favoráveis ao setor pecuário. Aliado à recuperação da demanda, este cenário se apresenta propício a investimentos na atividade por parte do pecuarista?
Em relação à próxima safra de milho, espera-se que a produção total recue 5,50%, fato que deve levar pressão positiva às cotações do grão ao longo de 2018. Soma-se a isso o aumento do risco de ocorrência de La Niña de 50% para 70%.
O último levantamento da CONAB estima que a próxima safra fique em 92,34 milhões de toneladas, queda de 0,60% em relação à primeira estimativa, reforçando a tese de que em 2018 será difícil observar preços similares àqueles de 2017.
Entretanto, a pressão histórica dos custos, a tendência maior de aumento de aplicação tecnológica na pecuária para cobrir a redução da margem com incremento produtivo, bem como o estímulo positivo por parte da queda dos preços da reposição e o cenário favorável à sustentação dos preços pela demanda sugerem que os investimentos serão mantidos ao longo de 2018.
Dito isso, defendo a manutenção dos investimentos mesmo em tempos de crise, reduzindo o risco através das ferramentas financeiras disponíveis.
>>Quando você pontuou, em sua palestra em Goiânia, que as oportunidades começam a aparecer, sobre o que se trata? Seriam oportunidades de contratos de safra, principalmente?
Precisamente. Considerando a sazonalidade e o comportamento histórico dos preços, o primeiro semestre de 2018 deveria ser representado na curva futura sob o registro de valores mais baixos do que aqueles que vemos hoje. Não é o que acontece.
Não parece interessante poder vender animais em março acima dos preços que vimos ao longo de novembro e dezembro de 2017?
>>Mesmo sendo um tema abordado constantemente, é importante ressaltar a importância de gerenciar custos e fazer travas, ou seja, evitar correr riscos?
Oportunidades são permeadas por uma gama de riscos. Para investir, é importante tomar medidas para controla-los.
Evitar a ocorrência desses riscos é difícil, mas a ideia da gestão é fazer o possível para reduzi-los. Reduzir riscos significa que nossas chances de vender no preço mais alto do ano diminuem, mas com elas também reduz a probabilidade de vender no preço mais baixo – quando há a chance máxima de o pecuarista entrar em prejuízo operacional!
A adesão a ferramentas financeiras de gestão de risco de preços aumentou consideravelmente nos últimos 3 anos. De toda forma, dados do Rally da Pecuária apontam que, dentro daquele público – mais tecnificado do que a média brasileira -, menos de 10% realizam negociações antecipadas visando reduzir o risco de preços.
Por isso entendo que ainda há muito espaço para discutirmos a importância do hedge de preços dentro de um bom programa de gestão.
>>O Brasil já tem estes mecanismos em relação a compras futuras de farelo, soja e milho, certo? Além de venda do boi. Diante de incertezas políticas e da possibilidade de outras “bombas”, como Operação Carne Fraca e o caso JBS, acredita em um maior volume de atividade na bolsa em 2018?
Há uma boa correlação entre o volume de animais abatidos e o volume de negócios em Bolsa, mas a ausência das negociações a termo foi uma pedra no sapato para que o volume aumentasse de forma consistente.
Ainda com base em uma análise histórica, o aumento esperado para os abates em 2018 deve ajudar a estimular o volume de contratos negociados na B3. Além disso, a volta da negociação dos contratos a termo, que ensaia uma retomada, bem como uma recuperação de preços mais bem definida devem ajudar nesse sentido.
A expectativa também é boa para o mercado de opções, que viu sua utilização aumentar muito nesta temporada e se consolidou como o “seguro que garante preços mínimos”, uma ferramenta tecnicamente complicada, mas que se popularizou sob tal definição.
>>Tem uma visão sobre a demanda internacional de carne? O mercado externo deve seguir firme para o Brasil?
O bom ritmo das exportações nos levou a superar rapidamente as grandes dificuldades enfrentadas ao longo do ano. Assim, finalizaremos 2017 com uma alta de quase 11% o faturamento e 7% para o volume embarcado, considerando ainda dados não fechados de 2017.
O movimento deve continuar ao longo do próximo ano, dando fôlego para que possamos fazer a lição de casa e aumentar o volume de abates novamente, após a recuperação registrada em 2017.
>>Sobre os frigoríficos. Há a expectativa de um aumento de capacidade, por conta da reativação de plantas. Essa maior demanda por bois deve refletir na precificação ao pecuarista? É esperado ganhos maiores para o produtor rural?
O aumento do consumo conduzido pela recuperação econômica e exportação firme devem elevar os abates em 2018, fazendo com que a fase de baixa do atual ciclo pecuário possa ser encurtada.
>>E, por fim, a criação das ‘campeãs nacionais’, como a JBS, por meio de capital estatal, subiu a régua do setor? Você acha que é possível tirar isso de positivo diante de todos os problemas?
Ao empresário é importante ter otimismo, então devemos tentar enxergar o copo meio cheio sempre que possível e sem devaneios.
Apesar dos graves problemas que ainda enfrentamos para normalizar a distorção causada por políticas econômicas que direcionam recursos subsidiados a empresas escolhidas através de critérios meramente políticos, e não de diligência, as empresas que ficaram de fora da farra do crédito via BNDES tiveram que aumentar o nível de gestão acima do ritmo registrado na década anterior para poder competir no mercado processador.
Dado o número de empresas que paralisaram plantas, reduziram o volume de abates, decretaram férias coletivas e, inclusive, entraram com pedido de recuperação judicial, vê-se que não foi tarefa fácil. Certamente isso acelerou a velocidade de concentração da indústria acima do que deveria ocorrer em ambiente livre de arbitramento governamental.
Mas o aumento da competitividade e do nível de gestão das companhias que conseguiram se manter firmes é um fator que consta como positivo dentro de tudo o que podemos tirar da enorme problemática envolvendo os sócios do JBS.