Yago Travagini é economista e consultor de mercado pela Agrifatto
Caroline Matos é zootecnista e trainee pela Agrifatto
Bruna Giacon é graduanda em agronomia e estagiária pela Agrifatto
Resumo da semana:
Buscando um equilíbrio entre uma oferta escassa e uma demanda derrapante, os preços do boi gordo se mantiveram estáveis na última semana. O preço médio do animal na última semana ficou em R$ 301,57/@, 0,14% maior em comparação a semana retrasada. Ainda que esta seja a oitava semana consecutiva em que o boi gordo registrou variação positiva semanal e que a sexta-feira tenha reservado mais um recorde no indicador do Cepea (R$ 303,00/@), a alta do boi gordo começou a encontrar barreiras na demanda, a sobra de carne nas gôndolas dos supermercados, retraiu os compradores varejistas que já imprimiram uma queda sobre a carcaça casada, com isso, a pressão que a oferta restrita coloca sobre o preço do boi gordo parece estar com os dias contados.
O bezerro continuou firme no seu processo de valorização, no estado do Mato Grosso do Sul o animal ficou cotado a R$ 2.760,67/cab na última sexta-feira, representando uma valorização de 2,18% em comparação com a sexta-feira da semana retrasada. A consolidação do boi gordo na casa dos R$ 300,00/@ deu ânimo aos compradores, que voltaram ao mercado leiloeiro e aceitaram os novos valores pedidos pelos criadores. Além disso, a demanda sazonal desta época do ano atua positivamente sobre os preços da reposição.
A semana também foi de aceleração para a suinocultura norte-americana. O preço do suíno magro na CBOT bateu sua máxima dos últimos 19 meses na última sexta-feira, ficando cotado à cents de US$ 74,13/lp no vencimento corrente (fevereiro/21) e valorizando 4,47% no comparativo semanal. A alta do suíno nos EUA acontece em meio ao crescente número de casos de Peste Suína Africana na China, estimulando assim as compras chinesas da proteína suína norte-americana. Na última semana, o governo de Hong Kong sacrificou 840 porcos em uma fazenda local devido ao aparecimento de casos de PSA nesta fazenda. Com a perspectiva de que o gigante asiático continue comprando proteína suína norte-americana, o preço do suíno magro deve romper novos recordes nas próximas semanas.
Enquanto a pecuária acelera, a soja brasileira encontra dificuldade para romper novas máximas. A semana se encerrou com a oleaginosa cotada em média a R$ 165,73/sc em Paranaguá/PR, registrando uma leve queda de 0,38% em comparação a sexta-feira da semana retrasada. Com o início do Ano Novo Lunar na China, as negociações que já estavam devagar no Brasil se interromperam de vez, os produtores voltaram suas atenções para a colheita e para atender os contratos previamente negociados. As tendências são de que as negociações permaneçam no “congelador” pelo menos até o término do ano novo chinês.
1. Na tela da B3
Pouca liquidez e muita indecisão. Assim pode ser resumido o mercado de boi gordo na B3 na última semana. Enquanto o mercado físico permaneceu firme cotado acima dos R$ 300,00/@ em São Paulo, a B3 chegou a flertar com os R$ 293,00/@ durante a última semana. Ainda que o contrato com vencimento para fevereiro/21 tenha encerrado a semana com leve alta de 0,35%, cotado à R$ 298,00/@, este mesmo contrato chegou a mínima de R$ 293,20/@ e a máxima de R$ 301,50/@ na última semana. Ou seja, a volatilidade elevada e o pouco volume de contratos em abertos continuam a dar o tom dos negócios de boi gordo na B3.
E mesmo com o aumento de contratos negociados na última semana, o total de contratos em aberto seguiu perto das mínimas dos últimos anos. São 17,18 mil contratos em aberto (futuros + opções), 0,81% a mais do que na semana retrasada, no entanto, esse é um dos menores volumes dos últimos três anos. A escassez de gado pronto para o abate no mercado físico pode estar se transpondo para os negócios na B3.
A volume de contratos reduzidos reforça o posicionamento reduzido por parte dos players que operam o boi gordo na B3. As Pessoas Físicas continuam a segurar uma posição comprada, chegando na última semana a um saldo comprado de 2,70 mil contratos, sendo este o menor posicionamento comprado das PFs de 2021. Do outro lado da ponta, as PJs não financeiras assumem uma posição vendida de 2,63 mil contratos. Cabe a ressalva de que apesar do baixo número de contratos, esta é a primeira vez dos últimos seis meses em que as PJs não financeiras mantem uma posição vendida por mais de duas semanas, indicando a aposta desses na desvalorização do boi gordo. Vale atenção a este movimento.
1.1 O que o mercado futuro proporciona?
Ao mesmo tempo em que demonstra firmeza e se consolida nos R$ 300,00/@, o mercado físico encontra dificuldade para navegar acima dos R$ 305,00/@, e com isso, a cotação do animal na B3, mesmo para contratos mais longínquos não ultrapassa os R$ 300,00/@. A falta de perspectiva e liquidez penalizam o boi gordo na B3.
As opções se mostram com boas alternativas para negociações de curto prazo e que visam proteger patrimônio. A escassez de oferta que continuamente abordamos neste relatório dificilmente abrirá espaço para que o boi gordo navegue abaixo dos R$ 270,00/@ no curto prazo, no entanto, para aqueles que ainda não tem nenhuma proteção para os meses de fevereiro e março/21 a compra de PUTs pode ser interessante visando a proteção de no máximo 20% dos animais que irão ser negociados neste período. Com um custo médio de R$ 1,68/@ é possível comprar PUTs secas com strike nos R$ 280,00/@ para os meses de fevereiro e março/21.
Para os pecuaristas, a venda de futuros continua como uma opção mais “barata” e que pode atender melhor às necessidades deste. No entanto, a atenção com as chamadas de margem e ajustes de posições deve ser redobrada neste tipo de operação. A combinação de oferta escassa e preços travados da carcaça casada e da carne bovina deixa o cenário de boi gordo nublado no curto prazo, os próximos dias podem revelar desvalorizações do animal, a depender do desempenho das vendas do varejo no feriado prolongado do carnaval. Desta forma, a venda de futuros só é recomendada para aqueles que ainda não negociaram nada dos seus animais de curto prazo (fevereiro e março/21), e, mesmo nesses bovinos, a recomendação é de que não ultrapasse 25% do total a ser abatido neste período.
Com o feriado prolongado e sem encontrar animais, os frigoríficos seguiram fora do mercado à termo na última semana.
2. Enquanto isso, no atacado…
A oferta reduzida de carne bovina continua a determinar o ritmo das negociações no atacado, no entanto, o movimento de alta começou a perder força na última semana. A carcaça casada do boi encerrou a última semana cotada em média à R$ 19,01/kg, com uma alta de 0,51% em relação a semana retrasada. Ainda que tenha apresentando valorização na semana, o ritmo de variação positiva do animal reduziu, e o varejo já deu sinais de que está saturado com o preço médio da carne ultrapassando os R$ 35,00/kg em São Paulo. A próxima semana será de definição para a carcaça bovina no atacado paulista.
Por outro lado, as outras proteínas entraram em um movimento de valorização na última semana. De maneira mais tímida, o frango resfriado obteve uma alta de 2,23% no comparativo semanal, atingindo o valor médio de R$ 5,52/kg, sendo este a maior cotação desde a terceira semana de dezembro/20. Já a proteína suína voltou a acelerar com mais força, a carcaça suína especial registrou valorização de 7,05% na semana, ficando cotada à R$ 9,70/kg, o maior valor desde a terceira semana de janeiro/21.
A valorização dessas duas proteínas está atrelada a um movimento de substituição do consumidor final da carne bovina para proteínas com menor valor agregado. Isso por que enquanto a carcaça casada bovina se valorizava 7,77% no mês de janeiro/21, o frango resfriado caia 5,58% e a carcaça suína especial recuava 3,65% no comparativo mensal. Desta forma, o encarecimento da proteína bovina levou a migração do consumidor para outras proteínas animais, fazendo essas carnes se valorizarem nas últimas semanas.
Além de uma migração de consumo, o custo elevado da ração animal tem pesado sobre as proteínas animais. O preço da caixa com 30 ovos fechou a última semana cotada a R$ 132,00, subindo 9,00% em comparação a semana retrasada, com isso, o preço dos ovos já flertam com suas máximas históricas em São Paulo.

 

3. No mercado externo 
Com um desempenho muito fraco na segunda semana do mês de janeiro/21, as exportações de carne bovina observaram sua média diária desacelerar 26% no comparativo com a semana inicial deste mês. Foram 19,83 mil toneladas de proteína bovina embarcadas no acumulado da 2ª semana do mês, 51% a menos que na primeira semana. Desta forma, a média diária do mês de janeiro/21 caiu para 6,05 mil toneladas, nível 7% abaixo quando comparado a dezembro/20.
O impacto sobre a receita seguiu o mesmo caminho, visto que o preço médio continuou estabilizado na casa dos US$ 4.500/t. A receita média diária caiu 26% comparado a 1ª semana do mês de janeiro/21, estabelecendo-se em US$ 27,30 milhões/dia. Ainda que seja 7% maior que a média observada durante o mesmo período do ano passado, este fraco desempenho da 2ª semana coloca em “xeque” o possível recorde que seria batido.
A redução vertiginosa da oferta continua a acometer os embarques de milho brasileiro para fora do país. Com cerca de 601,88 mil toneladas exportadas na 2ª semana de janeiro/21 (6% a menos que na 1ª semana), a média diária exportada no mês caiu 3% em relação a semana retrasada, estabelecendo-se em 124,32 mil toneladas/dia. Cabe a ressalva que apesar da piora nos embarques nas últimas semanas, a média diária do mês de janeiro/21 está 30% maior que no mesmo período do ano passado.
Com uma queda de 11% no preço médio comercializado, a receita caiu de maneira ainda mais intensa no comparativo semanal. Foram obtidos US$ 104,42 milhões com a venda de cereal na segunda semana do mês, 27% menos em relação a semana retrasada. Desta forma, a média diária obtida com a venda de milho chegou à US$ 24,69 milhões, 13% a menos do que era visto na 1ª semana do mês.
Praticamente sem oferta no mercado interno, as exportações de soja seguiram lentas na 2ª semana do mês. Foram 17,50 mil toneladas embarcadas na última semana, fazendo finalmente o contador dos embarques de oleaginosa sair do “zero” no Brasil. Ainda assim, a média diária embarcada no mês está em 1,75 mil toneladas, 86% menor que em dezembro/20 e 97% menor que em janeiro/20.
A receita seguiu caminho parecido, foram US$ 6,66 milhões obtidos com a venda de soja no Brasil na segunda semana do mês de janeiro/21, elevando a média diária do mês para US$ 666,7 mil. Cabe a ressalva de que os preços da tonelada da oleaginosa brasileira continuam elevados, cotados em média a US$ 381,00/t.

 

4. A compra do pecuarista
Desde o fim do mês de novembro/20, a reposição enfrentava dificuldade para consolidar maiores altas nos preços e com a fraqueza do boi gordo este “problema” se tonificou. Com o boi gordo em queda, os compradores se afastaram das compras, e todas as categorias observaram desvalorizações no mês de dezembro/20, o boi magro chegou a recuar 5% no comparativo mensal.
No entanto, com a grande escassez vivenciada por toda a cadeia pecuária, a “maré” de baixa foi breve, já no início do mês de janeiro/21 observamos a estagnação das cotações da reposição. E com o boi gordo consolidando um forte movimento de valorização, os compradores voltaram ao mercado, reativando os negócios e enxugando a oferta que estava disponível. Com isso, a partir da segunda quinzena do último mês, todas as categorias de reposição voltaram a “surfar” na onda da valorização do boi gordo.
Nos últimos 30 dias, a categoria que mais se valorizou foi a novilha de 18 meses, que saiu de R$ R$ 2.515/cabeça e atingiu R$ 3.005/cabeça no estado de São Paulo, valorizando mais de 19,48%. O bezerro foi a categoria com a segunda maior evolução, valorizando 19,18% no mesmo período, chegando ao valor máximo de R$ 2.890/cabeça. A alta do boi gordo reativou o mercado de reposição.
Ainda que tal movimento seja ótimo para aqueles que fazem a cria, a compra de animais mais jovens como bezerros e bezerras a valores máximos, tais quais os atuais, leva a uma grande preocupação com a margem de venda desses animais nos próximos anos.
Ao desenharmos um cenário de compra do bezerro à R$ 2.890/cabeça e um tempo de engorda de dois anos com um custo médio diário de R$ 4,30/cabeça, a operação já traz retornos negativos, mesmo com a venda do boi gordo a um valor de R$ 300,00/@ (considerando um boi gordo de 20 arrobas.
Desta forma, visualizamos que a compra de animais de reposição neste momento se apresenta em um dos seus momentos mais arriscados dos últimos meses, principalmente de animais mais jovens (bezerro/bezerras), o custo fixo desse animal que será negociado daqui a dois anos é de difícil diluição. Além da dificuldade em realizar uma boa margem na engorda desses animais, vale a ressalva de que o ciclo pecuário deve ter seu momento de virada em 2023, com isso, o risco em “levar” esses animais mais jovens para abate daqui dois anos fica ainda maior.
5. O destaque da semana
O destaque desta semana vai para os números de abate divulgados pelo IBGE e pelo Indea-MT. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística publicou os resultados preliminares da pesquisa trimestral de abate de animais do último trimestre de 2020, foram 7,2 milhões de animais abatidos no 4º trimestre de 2020, 5,8% menor que no terceiro trimestre de 2020 e 10,2% a menos que em comparação ao mesmo período de 2019.
Com a divulgação desses dados, o ano de 2020 se consolidou como o ano com o menor abate de bovinos no Brasil desde 2011, foram 29,6 milhões de cabeças encaminhadas para a linha de abate no país no último ano, 8,8% a menos que em 2019. Ainda que os dados estratificados não tenham sido divulgados pelo Instituto, a nossa previsão é de que a participação das fêmeas no abate tenha caído ao menor nível de 2010, e foram elas que puxaram o abate de bovinos no Brasil ao menor nível dos últimos dez anos.
Além do IBGE, o Indea-MT divulgou na sexta-feira os dados de abate de bovinos mato-grossenses de janeiro/21, e os números apresentados justificam a movimentação do preço do boi gordo no último mês. Foram 367,21 mil animais abatidos em janeiro/21, 7,7% a menos que em dezembro/20 e o menor volume para um mês de janeiro dos últimos 12 anos. Historicamente, o mês de janeiro costuma ter um abate maior que dezembro, no entanto, a junção do ciclo pecuário em seu pico de escassez de oferta e o atraso das chuvas no estado mato-grossense levaram o abate de bovinos a um dos piores desempenhos dos últimos anos.
Ainda que as chuvas tenham se normalizado, a dificuldade dos frigoríficos em compor escalas e o preço do boi gordo batendo recordes levam a crer que o abate de bovinos deve continuar próximo de suas mínimas históricas em fevereiro/21. Diante de tal cenário, vemos que as máximas atuais da pecuária estão sendo causadas por um choque de oferta e não por uma demanda melhor (nem mesmo chinesa).

 

6. E o que está no radar?
A dificuldade em compor escalas ainda impera sobre o mercado de boi gordo brasileiro, o ponto facultativo do carnaval que não irá ser adotado em grande parte do país será seguido por grande parte das indústrias frigoríficas do país. O “pulo” dos dias de abate já se tornou comum, e o carnaval apenas facilitou tal programação.
O preço do boi gordo segue firme em grande parte do país, a referência para o boi comum em São Paulo flutua nos R$ 300,00/@, e a escassez na oferta dita as regras para que a cotação deste se mantenha elevada. Ainda assim, a preocupação com o desempenho das vendas de carne bovina no atacado só aumenta. A carcaça casada bovina recuou 3,72% em relação a sexta-feira da semana retrasada, queda justificada pela comercialização travada no mercado atacadista.
A entrada da segunda quinzena do mês representa a redução do poder aquisitivo da população, visto que não há recebimento de salários. E com as outras proteínas animais (frango e suínos) com preços mais atrativos que a carne bovina, a tendência é de migração de consumo para essas proteínas.
Ainda assim, vale a ressalva de que não há expectativa de que a oferta melhore nas próximas semanas, e com isso, o preço do boi gordo deve se manter estagnado nos patamares atuais, travado pela dificuldade em escoar a carne bovina.