A diarista Keila Aparecida dos Santos, de 46 anos, está há dois anos sem auxílio-doença. Ela recebeu de 2016 a 2018, até ter o benefício interrompido. A diarista então recorreu e, em dezembro do ano passado, veio a resposta negativa do INSS.
Ela fez um novo pedido em fevereiro e tem perícia marcada para abril. Keila vai apresentar um novo laudo que mostra hérnias de disco na coluna lombar que a impedem de trabalhar em serviços domésticos. O médico recomendou no laudo que ela usasse bengala devido ao risco de quedas.
“Não estou trabalhando e nem recebendo. Estou sobrevivendo com muita dificuldade, pois sou mãe solteira e meu filho tem 14 anos. Às vezes tento fazer um bico ou outro, mas a dor nas costas é constante”, conta. Keila tentou receber o Auxílio Emergencial no ano passado, mas também não conseguiu.
Keila é uma entre milhões de brasileiros que tiveram o pedido de auxílio-doença negado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nos últimos anos.
Dados fornecidos pelo próprio INSS ao Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) mostram que, do total de 39,3 milhões de pedidos de benefícios previdenciários recusados entre 2010 e 2020, quase 21 milhões foram de auxílio-doença, ou seja, 53,2%.
Os dados do INSS mostram aumento no número de indeferimentos de auxílio-doença, principalmente de 2019 para 2020.
No ano passado, devido à pandemia, o INSS estabeleceu a antecipação do pagamento de um salário mínimo – que era de R$ 1.045 – para quem tinha direito ao auxílio-doença. Os segurados não precisavam passar por perícia – era preciso enviar o atestado médico pelo Meu INSS.
O INSS afirmou ao G1 que, em virtude da pandemia, o benefício de auxílio-doença foi alterado em 2020. Até aquele ano, segurados que possuíam benefícios indeferidos, conforme lei 8.213, tinham o prazo de 30 dias para requerer recurso e, após 30 dias, poderiam fazer novo requerimento.
Em 2020, em virtude da pandemia e as antecipações no valor de um salário mínimo, foi aberta a possibilidade de o requerente entrar a qualquer tempo com novo pedido (podendo ter mais de um pedido em aberto, assim como logo após um indeferimento, fazer novo requerimento).
“Essa sistemática de 2020 fez com que o número de requerimentos aumentasse de forma considerável, bem como a quantidade de indeferimentos, devido à duplicidade”, informa o instituto.
Para Diego Cherulli, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, o aumento do indeferimento do auxílio-doença se deu a partir de 2016, após a implantação de pente fino ainda no governo de Michel Temer, com uma varredura nos benefícios pagos pelo INSS para combater fraudes.
De 2015 para 2016, o aumento de indeferimentos foi de 62% – de 1.365.464 para 2.181.319. E, desde então, o número de recusas se mantém no patamar acima de 2 milhões.
“A política do pente fino, além de cessar vários benefícios em manutenção, ainda passou a indeferir os novos requerimentos sob os mesmos prismas de análise”, informa Cherulli.
Para o vice-presidente do IBDP, essa medida gerou outro efeito: o atolamento judiciário com benefícios por incapacidade. “O IBDP estuda atentamente os dados do pente fino, cuja economia ainda é questionável visto ao aumento da judicialização e a demora processual, fatores que colaboram para o aumento do custo dos processos administrativos e judiciais.”
Além do auxílio-doença, a aposentadoria também tem número elevado de indeferimentos entre 2010 e 2020. Veja abaixo os benefícios com maior número de recusas do INSS no período:
Auxílio-Doença Previdenciário: 20.969.648
Aposentadoria por Tempo de Contribuição: 5.032.616
Aposentadoria por Idade: 4.183.089
Amparo Social Pessoa Portadora Deficiência (BPC): 3.218.398
Auxílio Salário Maternidade: 2.650.691
Pensão por Morte Previdenciária: 1.659.028
Em todos esses benefícios, o ano de 2020 teve o maior número de indeferimentos, com exceção de Amparo Social Pessoa Portadora Deficiência e Pensão por Morte Previdenciária.
O total de pedidos de benefícios previdenciários recusados entre 2010 e 2020 foi de 39.301.497. Novamente, o ano de 2020 teve o maior número de indeferimentos.
O INSS informou que “analisa os requerimentos com base única e exclusiva na lei previdenciária vigente e demais normativos. Desta forma, as análises de pedidos são feitas única e exclusivamente no cumprimento do que determina a regulamentação legal e infralegal”.
Por tipo de filiação, os desempregados tiveram o maior número de indeferimentos de benefícios de 2010 a 2020 – 68,5% do total. Veja abaixo:
Desempregado: 26.943.574
Empregado: 4.432.119
Segurado Especial: 3.630.102
Autônomo: 3.324.504
Em todas as categorias, o ano de 2020 teve o maior número de indeferimentos, com exceção dos desempregados, que tiveram o menor número desde 2015.
No caso dos empregados, o salto de 2019 para 2020 foi mais que o dobro (de 457.098 para 1.154.065). Os autônomos também tiveram um pico nas recusas: de 384.034 em 2019 para 661.242 em 2020.
No caso dos segurados especiais (agricultores familiares e pescadores artesanais), o IBDP destaca o aumento de 91% entre 2018 a 2020 – de 288.429 para 552.246.
De acordo com Jane Berwanger, diretora científica do IBDP, segurados especiais da Previdência Social têm direito a aposentadoria por idade, benefícios por incapacidade comum ou acidentário (permanente ou temporária), entre outros.
“É dentre todos os tipos de segurado o que mais apresenta complexidade, em razão de seu conceito e da forma de comprovação de sua atividade alinhado com entendimentos diversificados nos tribunais brasileiros”, explica.
Já as faixas etárias com maior número de indeferimentos entre 2010 e 2020 são as seguintes:
55-59 anos: 6.309.339
50-54 anos: 5.686.479
60-64 anos: 5.105.778
45-49 anos: 4.195.301
Por ramo de atividade, os indeferimentos entre 2010 e 2020 atingem principalmente os comerciários (12.520.818) e trabalhadores rurais (4.440.662).
Já o número de benefícios concedidos entre 2010 e 2020 foi de 54.918.904. Após se manter no patamar de 5 milhões deferimentos desde 2016, o número caiu para 4,8 milhões em 2020.
Novamente, o auxílio-doença é o benefício com maior número de concessões entre 2010 e 2020. Veja abaixo:
Auxílio-Doença Previdenciário: 23.530.987
Aposentadoria por Idade: 7.070.982
Auxílio Salário Maternidade: 6.623.596
Pensão por Morte Estatutária: 4.624.762
Aposentadoria por Tempo de Contribuição: 3.560.757
Auxílio-Doença por Acidente do Trabalho: 2.625.627 (G1)