Juliano Severo Leon é pecuarista na Estância Pedra Só
Assim começo descrevendo um pouco do que penso sobre o atual mercado pecuário gaúcho, um assunto que me atrai e vem me tirando o sono, assim como de outros produtores.
Trabalho com ciclo completo e estou sentindo na pele a queda do preço do boi gordo em uma época que isso não deveria acontecer.
O que está acontecendo agora?
Fazendo uma reflexão nas notícias, me atrevo afazer uma análise do atual cenário.
Gostaria de começar falando em boi gordo, mas como se trata de uma cadeia de produção, vou começar pelo início, ou final, como preferirem.
Carne
O mercado da carne está muito tímido, segundo analistas e frigoríficos da região, constata-se que existe ociosidade de até 50% nos seus abates (por razão de falta de boi gordo a preços compatíveis com o que o mercado pode absorver).
Um fator importante e para mim, de maior relevância, é a retração da economia com redução no poder de compra a população, que passa a consumir proteínas mais baratas (frango e suínos), pelo menos a custo prazo.
O elevado custo de produção (suplementação). Faz com que menos produtores entreguem frangos e suínos para abate, isto gera num curto/médio prazo uma diminuição de oferta dessas carnes retornando o mercado ao equilíbrio (suínos/aves x Boi).
A exportação, que representa muito pouco no volume abatido de gado no estado, perdeu competitividade de um curto espaço de tempo para cá. Abandonou o dólar perto de R$4 para ficar na volta dos R$3. Alguns otimistas podem me contrariar argumentando a abertura/reabertura de mercados (principalmente China e USA) como solução para sustentar as exportações (volume e preço). Não acredito que isso ocorra logo! China vem demonstrando enfraquecimento na sua economia e assim como os EUA, vem ao Brasil buscar carne barata, reforçando a ideia que a diferença cambial pode atrapalhar esses mercados também. Acredito que a entrada desses mercados, principalmente Estados Unidos, serve como diluidor de risco, não como agregador de valor e volume (no curto prazo). O que pode acontecer, e a mídia já anuncia, é que outros mercados poderão se tornar mais receptivos à carne Brasileira, baseados na abertura do mercado americano.
Dados oficiais mostram que exportações gaúchas, no primeiro semestre de 2016, recuaram 4,4% em relação ao primeiro semestre de 2015. Na decomposição do resultado, observam-se crescimento no volume embarcado para o exterior de 10,2% e retração nos preços médios dos produtos exportados 13,2%, de acordo com a Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul.
Boi gordo
Nas previsões realizadas no ano passado, no meu negócio, acreditava-se que o pico de preço no RS seria de julho a agosto, o que que não se confirmou, portanto errei feio!
Com relação ao gado confinado, está ocorrendo uma diminuição de oferta. Confinadores sólidos estão com a coragem muito reduzida e os especuladores com os mangueirões vazios, em função do elevado custo da dieta e restrição ao crédito. Algumas fontes falam em números entre 7 e 12% de redução.
Acredito e torço que possa acontecer alguma movimentação do mercado no segundo semestre, pois somando estas informações com perspectiva de aceleração econômica, quem tiver boi gordo no segundo semestre e estiver LIGADO, pode estar pifado, esperando o momento certo de bater, como se diz no linguajar dos “carpeteiros”.
Cuidado! Não acredito que isso seja uma regra, acredito em momentos muito pontuais, por isso, vamos ficar atentos.
Terneiro: o boi gordo empacou e segurou o terneiro!
É sabido, em todo estado, que vem ocorrendo uma retenção de fêmeas nas propriedades, seja por produtores que migraram de atividades de recria/engorda ou pelo simples desejo e capacidade de criadores em aumentar seus rebanhos. A atividade da cria, nos últimos anos, esteve atrativa, pelo menos se olharmos um passado recente onde o criador estava na atividade mais pela teimosia do que pelo resultado.
Não tenho muitos dados concretos de produção de terneiros no RS, mas como sou produtor e acompanho esse movimento vou me atrever a comentar.
Assim como a carne e o boi gordo, o mercado do terneiro/gado de reposição anda devagar, quase parando.
Acredito que no mercado local exista várias razões para isso.
Primeiramente culpo o clima, o mais fácil de ser culpado! Aqui no RS, principalmente na minha região (sul) ocorreu um excesso de chuvas no final do verão/inicio do outono, época em que os produtores de soja estavam se preparando para colher suas lavouras. Ocorreram grandes perdas nas áreas de soja e nas pastagens de inverno.
Houve casos de produtores que:
- Abandonaram as lavouras de soja, consequentemente se descapitalizaram e não conseguiram investir em pastagens e muito menos na compra de animais;
- Colheram um pouco, conseguiram fazer alguma pastagem e estas deram pouco suporte de lotação;
- Conseguiram colher e colocaram dinheiro no bolso, mas foram tão prejudicados com o excesso de chuvas que atrasaram o desenvolvimento das pastagens de inverno. Estas, ao meu ver, são algumas justificativas da diminuição da diminuição da compra pelos invernadores. Outro ponto importante, no meu raciocínio, é a inversão de ciclo de cria, que já vem ocorrendo desde o ano passado e que não tinha sido percebido claramente pela razão de aumento do valor absoluto do kg do terneiro, que simplesmente acompanhou a inflação ou algo muito perto (estabilização). Justifico a caracterização da inversão de ciclo (para baixa), pelos seguintes aspectos:
- Aumento de produção de terneiros (consequência da retenção de matrizes nos últimos anos);
- Diminuição de poder de compra do invernador;
- Redução das exportações de terneiro em pé (em função de cambio ou mudanças nas regras dos países compradores).
- Menor saída de terneiros para confinamentos no PR e SP.
Os programas de carne de qualidade, com clientela fidelizada e que agregam valor aos seus produtos, seguem levando gado, mesmo que em menor volume. Existem outros estados produzindo terneiro com grau de sangue de raças europeias e poderão abastece-los, tornando-se concorrentes mais próximos aos centros confinadores.
Não podemos esquecer que o mercado está retraído, a dieta está cara e o crédito escasso. De maneira alguma quero ser o “profeta do caos”, sou só um admirador curioso e deixo isso para especialistas.
Tenho entusiasmo no trabalho e na pecuária. Em momentos como esse, não podemos dar a situação como perdida e sim como aprendida.
Gestão e planejamento estão ao nosso alcance. Estruture bem e controle seu negócio, não vamos lutar contra o mercado, ele é grande, ligeiro e tem um soco forte.
Nós produtores temos que conhecer melhor nosso cliente, produzir o que ele quer comprar, estabelecer parcerias solidas de longo prazo e com o objetivo que os dois lados ganhem, não procure negócios pontuais. Não podemos esquecer que nós produzimos commodity. Tente vender algo a mais: conveniência, transparência, informação, facilidade, genética ou sanidade diferenciada. Você escolhe, pode e deve fazer. Algumas fontes já informam com esperança o aquecimento econômico para o segundo semestre deste ano, vamos torcer! Só não podemos esquecer de fazer o dever de casa.
Um abraço!