Yago Travagini é economista e consultor de mercado pela Agrifatto
Caroline Matos é zootecnista e trainee pela Agrifatto

 

Resumo da semana:

 

A última semana veio e trouxe consigo a consolidação dos novos preços do boi gordo em São Paulo acima dos R$ 260,00/@. A valorização observada no comparativo semanal foi de 2,08%, com o preço médio atingindo os R$ 262,59/@, variando positivamente R$ 5,36/@ na comparação com a semana retrasada. Uma alta e tanto! A pressão da oferta continua forte sobre os frigoríficos do país e a dificuldade em adquirir animais terminados faz com que as plantas frigoríficas voltem a trabalhar com um equivalente físico em preços menores do que o boi gordo, fato comum em períodos de retenção de fêmeas. O mercado futuro projeta espaço para maiores avanços, já que o vencimento para novembro/20 é negociado acima dos R$ 280,00/@. A possibilidade de que o físico chegue a esse valor é real, mas a resposta sobre a sustentabilidade dessa alta deverá vir principalmente do consumidor.
E, aparentemente, o que temos visto é que o atacado da proteína animal está ficando sem espaço de barganha. A carcaça casada bovina voltou a apresentar força de valorização, subindo mais de 2% nesta semana, amparada por vendas através da modalidade delivery, que cresceu desde o início da pandemia. E a sustentação que o boi gordo/carcaça bovina precisa para evoluir mais se sustenta também em um desempenho positivo de seus competidores (frango e suíno). A alta observada para tais proteínas no atacado foi maior que a da carcaça bovina, o que dá margem para que o atacado e consequentemente o boi gordo avancem ainda mais.
A recuperação da demanda interna já dá sinais sobre o etanol. A volta da normalidade em grande parte das cidades do país fez o consumo do combustível aumentar e, com isso, as indústrias conseguiram avançar nos seus preços pedidos. O indicador do Cepea para o etanol hidratado avançou 6,36% no comparativo semanal, fechando a semana cotado a R$ 2,01/l. Desde o início da pandemia (06/03/2020), a cotação do etanol hidratado não ultrapassava os R$ 2,00/l.
O quadro fiscal brasileiro continua deteriorando e mantém o Dólar sustentado com sinais de que o movimento poderia se estender a 2021. A possibilidade de que o estado de calamidade pública seja estendido até o início de 2021 assombrou o mercado durante essa semana, fazendo o dólar voltar a se valorizar, chegando a casa dos R$ 5,65. O problema crônico do câmbio no Brasil se fixa no aumento da dívida pública, mas a explosão de casos de COVID-19 na Europa voltou a assustar o mercado e potencializou a valorização mais recente.

 

1. Na tela da B3

 

Se a semana retrasada aparentava que o mercado havia parado, a última semana mostrou que foi só mais um “respiro” para ganhar fôlego em mais uma arrancada. Com 10 dias para o seu encerramento, o contrato para outubro/20 viu suas cotações avançarem 3,03% na semana, atingindo a casa dos R$ 267,00/@. No entanto, o contrato mais líquido (45% dos contratos em aberto), obteve mais espaço para avançar, subindo 4,79% e fechou o dia R$ 279,80/@, destacando assim que o boi gordo teria um espaço de 6,29% para evoluir sobre a cotação física atual.
O número de contratos em aberto (futuros + opções) cresceu 8,23% nesta semana, voltando a ultrapassar a marca dos 100 mil contratos em aberto. O maior volume de negócios aconteceu nas opções, que saíram de 75,85 mil contratos na semana retrasada para 83,95 mil na última sexta-feira. A correção que o mercado teve na sexta-feira, com a notícia sobre a presença de Corona vírus na carne bovina brasileira no porto chinês, aparentemente serviu como janela para entrada de novos players.
O posicionamento dos players continua sem grandes alterações, tanto nos futuros quantos nas opções. A variação mais significativa veio das PJs financeiras, que aumentaram sua exposição vendida em mais 797 contratos, atingindo assim o maior posicionamento vendido desde abril/20. Indicando provavelmente uma cobertura de posição de produtores que realizaram a venda via bancos.

 

 

1.1 O que o mercado futuro proporciona?
Com o mercado para o final de 2020 indicando os R$ 280,00/@, indicando uma alta de mais de 6% frente os preços físicos, acreditamos que esse seja o momento ideal para aqueles que buscam proteger a venda de seus animais que ainda serão entregues este ano.
As PUTs seriam as mais indicadas neste caso, com menos de 1% do valor do animal, já é possível proteger toda a entrega restante de 2020 com o valor de R$ 265,00/@. Na semana retrasada indicamos as CALLs para aqueles que necessitavam fazer a reposição, e com a forte evolução dos preços para 2021, essas CALLs já começaram a dar retornos positivos. Ainda há espaço para a compra dessas para jan/21 e mai/21, no entanto, os strikes cobertos aumentaram fortemente, sendo possíveis cobrir valores apenas maiores que R$ 295,00/@ a um prêmio acessível.
Os futuros de boi gordo se apresentam como uma opção plausível, no entanto, vale a ressalva que a demanda financeira para este tipo de operação é elevada. O posicionamento de hedge em futuros mais interessante seria de olho em 2021, principalmente para aqueles que necessitam realizar a compra de reposição. A operação de compra a R$ 253,00/@ para maio/21 indicada na semana retrasada já deu um retorno de R$ 7,00/@ nesta semana. No atual valor de R$ 260,00/@, a compra pode não ser tão interessante, no entanto, vale ficar de olho na movimentação desse contrato durante a semana.
O mercado a termo continua frio, sem grande volume de negociações, dificultado pela oferta escassa e falta de interesse dos pecuaristas.

 

2. Enquanto isso, no atacado…
Alta generalizada para as proteínas animais no atacado. A pressão inflacionária ganhou maior força, e, com isso, visualizamos todas as proteínas animais fecharem a semana com valorização em seus preços.
A carcaça casada bovina se aproximou de vez da casa dos R$ 17,00/kg no balcão, com negociações orbitando a faixa dos R$ 16,80/kg, um ganho de 2,44% na comparação semanal. A alta está relacionada a menor oferta de produtos e, consequentemente, a pressão positiva na ponta compradora. Os registros continuam apontando para estoques enxutos em decorrência da maior dificuldade da indústria em adquirir boiada pronta para abate.
O frango resfriado avançou 3,01% na última semana, com as cotações girando em torno de 5,82/kg, indicando que um novo patamar pode ser alcançado em breve. Na comparação mensal, a alta registrada é de 10,96%.
As cotações da carcaça especial ultrapassaram a casa dos R$ 12,00/kg e as negociações já pairam os R$ 12,27/kg, aumento de 5,15% ante a semana anterior. Já na comparação mensal, os preços já subiram 6,84%. Depois de sofrer uma estagnação nas últimas semanas, o suíno agora surfa em mais uma onda de valorização, rompendo mais um recorde histórico em seus preços.
Semana positiva também para o mercado de ovos que avançou R$ 4,00 nos últimos sete dias, a caixa com 30 dúzias vem sendo negociada a R$ 103,00. A redução na produção e os altos preços dos insumos tem pressionado as cotações.

 

3. No mercado externo 
Após um ótimo começo de mês, as exportações de carne bovina brasileira voltaram a recuar. A diminuição observada desta vez foi de 4,26% no volume médio diária de proteína bovina exportada, saindo de um valor de 8,59 mil toneladas/dia nos primeiros sete dias úteis de outubro/20 para 8,22 mil toneladas/dia nos 11 dias úteis de outubro/20.
Apesar do recuo, a expectativa de rompimento das 170 mil toneladas no mês de outubro/20 continua em voga.
As renegociações continuam surtindo efeito, isso porque o preço pago pela tonelada da proteína bovina brasileira continuou em valorização, atingindo o valor médio de US$ 4,22 mil/t. Com isso a queda na receita foi de apenas 3,96%, saindo de uma média diária de US$ 36,09 milhões para US$ 34,66 milhões. Como o preço atual ainda é 5,61% menor que o de outubro/19, há ainda uma dificuldade grande para que a receita ultrapasse a máxima histórica de US$ 761,88 milhões.
Com um mercado interno mais ativo nas compras, demandando um maior volume, as exportações de milho voltaram a diminuir o ritmo de embarques em relação a primeira semana do mês. A média diária de cereal exportada caiu 9,21% nesta semana, estabelecendo-se próximo das 266,71 mil toneladas. Colocando assim, em cheque, a capacidade de outubro/20 ter um maior volume exportado que outubro/19.
A receita obtida com as vendas de milho recuou de maneira mais acentuada, saindo de uma média diária de US$ 50,36 milhões para US$ 44,60 milhões, caindo 11,44%. A queda maior da receita é justificada pela redução no preço médio pago pelo milho brasileiro, que saiu de US$ 171,40/t para US$ 167,20/t nesta semana. A percepção de que não atingiremos os US$ 1 bilhão em exportação de milho cresce.
A evolução do prêmio pago nos portos e o dólar elevado voltou a acelerar os embarques de soja nos portos brasileiros. O volume diário exportado pelo país cresceu 7,74% em relação a semana passada, chegando ao montante de 145,11 mil toneladas/dia. Ainda assim, o recuo frente a média diária do mês passado é de 31,86%.
A receita avançou a passos mais largos no comparativo semanal, saindo de US$ 48,08 milhões/dia para US$ 52,62 milhões/dia. O avanço de 9,43% foi auxiliado pelo aumento do preço de venda da oleaginosa, que voltou a ficar acima dos US$ 362/t. Apesar do avanço, a expectativa sobre as exportações continua de redução, graças a oferta escassa.

 

4. A compra do pecuarista
A semana foi agitada para o mercado de milho brasileiro. Chegamos à sexta-feira com a cotação do cereal batendo na porta dos R$ 71,00/sc no mercado paulista, valorizando mais de 3,5% no comparativo semanal e subindo mais de 20% no comparativo mensal. A pressão não aconteceu só no mercado físico, já que, ao se atentar para as cotações na B3, visualizamos o contrato para novembro/20 sendo negociado à R$ 75,90/sc, subindo mais de 7% no comparativo semanal e indicando uma alta de mais 7% para a cotação do milho no mercado físico até o mês de novembro/20.
O movimento do milho é tão intenso que faz o boi gordo parecer coadjuvante, apesar de estar em contínua valorização nas últimas semanas. Não à toa, vimos a relação de troca semanal do boi gordo/milho recuar 11,18% nas últimas quatro semanas, saindo de 4,23 scs/@ na terceira semana de setembro/20 para 3,76 scs/@ na última semana. E mesmo com o boi gordo batendo na casa dos R$ 280,00/@ para novembro/20, a relação de troca dá sinais que pode piorar ainda mais.
Ao se fazer a relação de troca boi gordo/milho sobre os contratos futuros negociados na B3, visualizamos de 3,59 sc/@ para jan/21. Ou seja, a situação futura até o fim do pregão de sexta-feira não dava sinais de melhora. No entanto, na mesma sexta-feira, mas no final do dia, o governo resolveu entrar na jogada.
Em uma medida para frear a valorização contínua dos preços do milho, da soja e dos seus subprodutos. O governo brasileiro, através da Câmara de Comércio Exterior (Camex), reduziu a zero a tarifa de importação (que varia de 8 a 10%) desses produtos para países de fora do Mercosul, medida que beneficia principalmente os EUA, país que está finalizando a colheita e detêm um grande volume a ser comercializado.
Tal medida deve impactar sim o mercado de milho brasileiro, no entanto, o impacto é limitado, visto que os custos para se trazer cereal dos EUA (principal possível fornecedor beneficiado com esta medida) são elevados, colocando o preço paridade importação do milho norte-americano apenas 7% menor que as cotações atuais no mercado interno brasileiro.

 

 

5. O destaque da semana
Na última semana, O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou os dados da Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM 2019) que revelou um avanço de 0,4% no rebanho bovino brasileiro em 2019, emplacando as 214,7 milhões de cabeças. Os números relevam o primeiro crescimento após dois anos de retração, o que está relacionado a maior retenção de fêmeas para reprodução.
Com o maior número de animais fica a região Centro-Oeste, possuindo 74 milhões de bovinos, aproximadamente um terço do rebanho nacional. E como líder do ranking está o estado do Mato Grosso, onde subiu 5,70%, que conta com um rebanho de 31,7 milhões de animais, ou seja, 14,80% do total nacional. A maior produção municipal foi registrada em São Félix do Xingu, Pará, com 2,2 milhões de animais.
Ainda com relação a produção animal, o destaque vai também para a queda de 1,60% no plantel de suínos, contando com 40,6 milhões de cabeças. Enquanto isso, o número de matrizes para reprodução cresceu pelo terceiro ano consecutivo, com alta de 0,50%, o número de fêmeas reprodutoras está estimado em 4,8 milhões.
Em contrapartida, a produção de ovos de galinha avançou 4,2% em 2019, puxado pelo maior consumo interno, alcançou a marca dos 6 bilhões de dúzias.

 

6. E o que está no radar?
A maior dificuldade das indústrias em preencher as programações de abate tem ficando cada vez mais em evidência, em consequência disso, os preços da arroba seguem fortalecidos em todo o território nacional. Com a maior retenção de fêmeas, destacando a fase atual do ciclo pecuário, os abates têm sofrido redução em grande parte das praças.
O mercado ainda projeta preços firmes para os próximos meses, como são vistos na B3, o novembro/20 se aproximando cada vez mais da casa dos R$ 280,00/@. Fato confirmado é que negócios só são realizados quando ofertas maiores são feitas, além disso, ainda contam com um baixo número de animais.
Entra no radar também como será o comportamento de preços no mercado atacadista nesta última quinzena, período sazonalmente de menor consumo de carne bovina, após as altas registradas nos últimos dias. A oferta limitada no balcão tem pressionado positivamente a ponta compradora.
Neste ambiente, a tendência segue de preços firmes e especulativos no mercado físico de boi gordo, oferta ajustada no atacado e um bom desempenho das exportações.