Yago Travagini é economista e consultor de mercado pela Agrifatto
Caroline Matos é zootecnista e trainee pela Agrifatto

 

Resumo da semana:

 

Ninguém segura ele. Já são três meses consecutivos em que o boi gordo não sabe o que é ter uma desvalorização semanal em suas cotações. Desta vez, o indicativo para a comercialização do animal em São Paulo ficou nos R$ 256,65/@, valorizando-se 1,56% no comparativo semanal. A escassez na oferta de animais prontos para o abate deu o tom dos negócios em todo o país, ainda não há sinais claros de que a oferta deve melhorar no curto prazo, e com isso, os pecuaristas aumentam as pedidas. Negócios de R$ 260,00/@ já são registrados em São Paulo.
Vemos que o mercado atacadista de carne bovina está tentando repassar o aumento do preço do animal para o varejista/consumidor, no entanto, na quinta-feira, quando se ensaiava uma possível valorização de R$ 0,30/kg da carcaça casada bovina buscando o patamar de R$ 16,50/kg, houve uma resposta negativa dos varejistas que não aceitaram tal aumento e cessaram as compras, permanecendo nos negócios apenas pelo valor de R$ 16,20/kg. Ou seja, a situação entre atacadistas e varejistas não se desenha tão confortável como já foi.
Durante a última semana tivemos também a guinada do dólar para o patamar de R$ 5,69, atingido na sexta-feira. Esse é o maior valor desde maio/20, quando a moeda norte-americana apresentou um rally até os R$ 6,00. O mercado brasileiro demonstrou muita desconfiança com as propostas do governo para “bancar” o programa de assistência social renda cidadã, o uso de pedaladas fiscais nos precatórios do governo, foi visto como mais um lembrete de que navegamos em mares fortes de instabilidade política.
A alta da divisa norte-americana puxou consigo milho e soja que voltaram a romper máximas históricas. O cereal fechou a semana com o preço de R$ 64,75/sc, subindo mais de 3,5% na semana. Já a oleaginosa bateu a casa dos R$ 152,00/sc em Paranaguá/PR, imprimindo uma alta de 3,6%. Vale a ressalva de que tal valorização no mercado interno foi puxada também pelo relatório de estoques trimestrais de milho e soja norte-americano, que vieram abaixo das expectativas, puxando as cotações internacionais dessas commodities.

 

1. Na tela da B3

 

Respaldado na força do mercado físico, que continua a evoluir dia após dia sustentado pela oferta escassa, o preço do boi gordo na B3 para outubro/20 fechou mais uma semana com valorização. Desta vez, cotado à R$ 258,50/@, com alta semanal de 1,76%. Para maio/20, alguns novos contratos foram firmados, e a referência passou para os R$ 249,90/@, valorizando 3,69% no comparativo semanal.

 

O encerramento do contrato para setembro/20 reduziu fortemente o número de contratos negociados na B3. A queda no total de contratos futuros negociados foi de 12%, saindo de pouco mais de 21,94 mil futuros em aberto na semana retrasada para 19,33 mil na última semana. O mercado continua indeciso sobre posicionamentos de longo prazo, já que 81% dos contratos em abertos são para outubro e novembro/20. Nas opções houve também uma diminuição de 18% no volume total, são pouco mais de 68 mil opções em aberto, o menor volume desde 09/jul.
No posicionamento dos players leves alterações foram notadas. A exposição em futuros das Pessoas Físicas e PJs não-financeiras reduziram consideravelmente, 20% (na posição comprada) e 35% (na posição vendida), respectivamente. Apesar das poucas alterações, ressalta-se que houve uma certa “limpeza” na base, fato bom para que novos negócios sejam realizados e deem sustentação para que o preço permaneça firme.

 

 

1.1 O que o mercado futuro proporciona?

 

Apesar dos sinais de saturação, o mercado futuro de boi gordo continua firme, sustentado pela escassez de gado no físico. Com isso, ressalvamos apenas a necessidade de proteções baratas para 2020.
As PUTs seriam essas proteções “baratas” para 2020, com menos de 1% do valor do animal, já é possível proteger toda a entrega restante de 2020 com o valor de R$ 245,00/@. Para 2021, as opções mais atrativas são para jan/21, com PUTs acima dos R$ 235,00/@ custando menos de R$ 1,50/@. Com o vencimento para maio/21, batendo na casa dos R$ 250,00/@, as PUTs de R$ 220,00 já são vistas a valores abaixo dos R$ 2,00/@, no entanto, para tal vencimento acreditamos que seria interessante aguardar para se posicionar.
Os futuros de boi gordo se apresentam como uma opção plausível, no entanto, vale a ressalva que a demanda financeira para este tipo de operação é elevada. O posicionamento de hedge em futuros mais interessante seria de olho em 2021, a venda de poucos contratos e uma montagem de posição para produtores em maio/21 nos parece atrativa, com valores à R$ 249,90/@, no entanto, deve-se atentar para se tais valores “cobrem” a margem de lucro estabelecida.
O mercado a termo esfriou na última semana, com poucas negociações sendo realizadas devido ao produtor ainda não querendo firmar contratos.

 

2. Enquanto isso, no atacado…

 

O ambiente é de estabilidade no mercado atacadista de carne bovina. A entrada do mês pode dar força as cotações, mas, até o momento, os preços seguem balizados na faixa de R$ 16,20/kg para a carcaça casada. A baixa disponibilidade de matéria-prima é o principal fator de sustentação aos preços. Vale a ressalva de que os cortes do dianteiro têm demonstrado um fraco desempenho nas vendas, resultado do menor poder aquisitivo da população de renda mais baixa que migra para outras proteínas.
O frango resfriado, que vinha em trajetória de alta, sofreu desaceleração na última semana. As cotações encerraram a sexta-feira em R$ 5,60/kg, baixa semanal de 3,36%, tal recuo vem alinhando ao menor desempenho das vendas das proteínas de aves no varejo. Ainda assim, as cotações do frango continuam em um patamar elevado, próximo das máximas históricas.
Enquanto o frango e bovino esfriam, a carcaça especial demonstrou leve recuperação nos últimos sete dias. As indicações orbitam a faixa dos R$ 11,49/kg, alta semanal de 0,22% e avanço de 2,27% quando comparado ao mesmo período do mês anterior. O enxugamento de oferta causado pela exportação de suíno que continuou forte em setembro/20, é uma das principais justificativas para essa elevação.
Para o mercado de ovos o início do novo mês foi de estabilidade, com a caixa com 30 dúzias cotada a R$ 94,00. O alinhamento entre a demanda interna e a produção demonstra um equilíbrio das cotações por volta dos R$ 90,00. Além disso, na última semana, o Brasil recebeu a autorização para exportar ao México, maior consumidor per capita de ovos no mundo. Assim como a carne bovina também vendo sendo reconhecida pelos parâmetros sanitários, o setor de produção de ovos do Brasil também avança esse status.

 

3. No mercado externo 

 

A segunda semana de julho/20 trouxe consigo aumento nos volumes embarcados de carne bovina para fora do país, a média diária saiu de 5,90 mil toneladas na 1ª semana do mês para 7,02 mil toneladas na 2ª semana do mês, com isto a média do mês está em 6,60 mil toneladas/dia. Já são 52,80 mil toneladas de proteína bovina embarcadas no mês de julho/20, enquanto que no mesmo período do ano passado foram 46,33 mil toneladas.
A receita obtida com a venda da proteína bovina já chega à US$ 215,80 milhões, com a média diária avançando 13% frente a semana passada, estabelecendo-se em US$ 26,97 milhões/dia. Apesar destes avanços, os números de julho/20 ainda estão abaixo aos de junho/20, o que poderia indicar uma redução mensal da exportação de carne bovina, no entanto, com 15 dias úteis restantes, estimamos que julho/20 reserve uma exportação entre 130 a 150 mil toneladas de proteína bovina, dentro da linha dos últimos meses.
Apesar da aceleração e da melhora de 6% na média diária de milho exportada para fora do país, os embarques de cereal ainda seguem lentos frente ao mesmo período de 2019. Nos oito dias úteis de julho/20 foram exportadas 809,41 mil toneladas de milho, com uma média de 101,17 mil por dia. No comparativo com julho/19 a redução nos embarques chega a 60,73%.
A receita gerada pelas exportações de milho chegou a US$ 130,51 milhões nestes oito dias úteis de julho/20, mais do que o dobro de todo o mês de junho/20, no entanto, assim como o volume enviado, a receita obtida ainda está em níveis bem abaixo quando comparado a 2019. A tendência é que os embarques se intensifiquem apenas em agosto/20, com números compatíveis com os de 2019.
Justificada pela redução na oferta de oleaginosa disponível, a média diária dos embarques de soja para fora do país reduziu praticamente ¼ dentro de uma semana, saindo de 648,09 mil toneladas na primeira semana para 489,45 mil toneladas na segunda semana. Ainda assim, os números de julho/20 são mais de 50% maiores dos os que foram registrando em julho/19.
A receita obtida com a venda da soja já ultrapassou US$ 1,00 bilhão, e mesmo com a redução na oferta, deve chegar a mais de US$ 2,5 bilhões até o fim do mês. A janela de envio de soja para fora do país vai se fechando no Brasil, dando lugar aos embarques de milho, que devem começar a ocupar o lugar da oleaginosa nos navios graneleiros.

 

4. A compra do pecuarista

 

Mesmo com o boi gordo batendo máximas atrás de máximas, a margem da atividade não dá sinais de que irá melhorar tanto assim. Isso, porque a alta do animal está sendo acompanhada de uma elevação mais intensa dos insumos e reposição. O boi gordo em São Paulo inicia o mês de outubro/20 cotado em média à R$ 257,43/@, valorizando-se mais de 57% em comparação ao mesmo mês do ano passado. O que por si só seria muito bom, mas a história não é bem assim.
A alta do bezerro (principal ativo da reposição) já ultrapassa os 73% no mesmo período analisado. O milho que engatou a 5ª marcha nas últimas duas semanas chega em outubro/20 com uma valorização de mais de 55% no comparativo anual, rompendo as máximas históricas, cotado à R$ 64,50/sc. E, apesar de assustarem o produtor, esse não é o insumo (dos principais) que mais se valorizou neste período.
O farelo de soja inicia o mês de outubro/20 com um preço médio de R$ 2.157,90/t em Rio Verde/GO, imprimindo uma alta de 97% no comparativo anual. Colocando assim, a relação de troca entre o boi gordo e o farelo de soja na mínima dos últimos 25 meses, mesmo em um cenário em que o preço do animal bate recordes atrás de recordes.
Para se ter uma ideia, a média histórica é de que com a venda de um boi gordo de 20 arrobas, o produtor consiga comprar em média 2,80 toneladas de farelo de soja. No entanto, essa relação tem caído ao longo de 2020, e chega em outubro/20 com o pior valor dos últimos dois anos. Para quem precisa adquirir farelo de soja neste momento, com a venda de um boi gordo será possível comprar apenas 2,39 toneladas de farelo de soja.
Com a contínua pressão do dólar (e sem grandes sinais de perda de força), acreditamos que as cotações do milho e do farelo de soja continuaram pressionadas para cima. Principalmente o farelo de soja, que conta com um grande volume de grão já comercializado (para exportação), o que enxuga a oferta interna para o próximo ano, e, mesmo com um recuo do câmbio, os preços devem continuar firmes.

 

 

5. O destaque da semana

 

A última sexta-feira, 2 de outubro, iniciou com a notícia que o presidente norte-americano, Donald Trump, foi diagnosticado com covid-19. A divulgação foi realizada ainda de madrugada pelo Twitter do presidente e causou reação instantânea no mercado financeiro. Além disso, também pode haver impacto direto nesta reta final da campanha eleitoral nos EUA. Na bolsa brasileira, Ibovespa, houve queda de 1,53% na comparação diária e 3,08% na comparação semanal, encerrando a semana com 94.015 pontos e volume financeiro negociado de R$ 23 bilhões.
O mercado abriu com queda da moeda, mas fechou em alta de 0,21%, com negociações a R$ 5,66 tanto na venda quanto na compra. Durante a semana, foi observada alta de 2,02% contra o real. Além disso, a moeda brasileira se consolidou como pior moeda do mundo em 2020, após subir 2,5% durante o mês de setembro. O risco fiscal elevado e as tensões políticas cada vez mais em pauta, aliadas a crise do coronavírus, levaram a moeda ao pior desempenho no pódio.
Com tal cenário, ressaltamos que a operação de compra de insumos (milho e farelo de soja) volta a esquecer os fundamentos de oferta e demanda, e fica de olho única e exclusivamente no comportamento do câmbio. E, com eleições no Brasil e uma grande indefinição sobre as reformas a serem realizadas, não vemos um espaço muito grande para a desvalorização do dólar frente ao real até o fim de 2020. A moeda norte-americana deve continuar a ser destaque em terras tupiniquins nos próximos meses, podendo flertar até com os R$ 6,00 novamente.

 

6. E o que está no radar?

 

O último trimestre do ano chegou e os preços da arroba continuam em trajetória de alta. Com a pressão altista ainda firme, margens apertadas e a queda de braço entre o pecuarista e a indústria ficando mais acirrada, algumas plantas suspenderam suas atividades a fim de esperar a “poeira baixar”. Caso mais evidente em Rondônia, onde os preços desaceleram aproximadamente R$ 10,00/@ na última semana após a suspensão das atividades em duas unidades até o próximo feriado (12/out).
Apesar disso, a conjuntura ainda aponta para preços firmes no curto prazo. A oferta de animais deve melhorar com a chegada dos animais do segundo giro de confinamento em meados de outubro, mas, ainda assim, não deve ser suficiente para atender à necessidade existente. Além disso, os gastos para produzir aumentar significativamente, o que faz o produtor ceder menos nas negociações. Com relação ao atacado, as expectativas giram em torno de uma maior demanda de carne bovina nesta primeira quinzena do mês, com a chegada dos salários, o que favorece as vendas da proteína.
Com a performance decepcionante nas últimas duas semanas de setembro/20, nosso radar se volta agora para as exportações de carne bovina em outubro/20. O recuo chinês nas compras fez com que o volume embarcado caísse mais de 13% no mês passado, o acompanhamento semanal desses dados durante o atual mês poderá dar mais “certeza” para uma sustentação dos preços do boi gordo no país.