Yago Travagini é economista e consultor de mercado pela Agrifatto
Caroline Matos é zootecnista e trainee pela Agrifatto

 

Resumo da semana:

 

Vinte e dois reais por arroba. Esse foi o aumento do preço do boi gordo nas últimas quatro semanas. A velocidade de valorização do boi gordo foi impressionante, saindo do patamar de R$ 228,00/@ na terceira semana de agosto/20 para atingir os R$ 250,00/@ na atual semana. Esse é o segundo rally de alta que o boi gordo enfrenta nos últimos três meses, durante o mês de junho/20 a arrancada foi de R$ 16,00/@ no intervalo de quatro semanas. Apesar do otimismo do mercado do boi gordo, já houve sinais do varejo sobre uma exaustão no movimento de alta da carne bovina, limitando altas do animal na B3, que recuou desde a quarta-feira (quando bateu a máxima).
E após meses sofrendo com preços que não evoluíam e visualizando seus competidores surfarem na “onda” das exportações, o frango resfriado começou a alongar seu movimento de valorização. Desde o início do mês este já subiu 12%, enquanto que a carne suína e a bovina variaram 4% e 3%, respectivamente. A evolução da proteína de frango está relacionada a redução do auxílio emergencial (de R$ 600 para R$ 300), o que estimula a migração da população que ainda recebe a ajuda governamental para proteínas mais baratas e também pelo fato de que as outras proteínas obtiveram uma alta mais acentuada desde o auge da pandemia.
A semana também foi marcada pela forte evolução do preço da soja nos EUA, a cotação da oleaginosa seguiu em seu rally de alta pela última semana, valorizando 4,69% no comparativo com a semana retrasada e o vencimento para novembro/20 atingindo o patamar de US$ 10,44/bu. Esta é a maior cotação para um contrato corrente desde junho/18.
O rompimento de máximas acontece sustentado pela demanda da China, já que a sexta-feira marcou o 11º dia útil consecutivo com vendas externas acima de 100 mil toneladas, com as expectativas de que o gigante asiático realize o maior volume de compras da história nesta safra.
Toda a preocupação que havia na semana retrasada com os estoques e a demanda de petróleo e que fizeram o preço deste cair foi esquecido durante essa última semana. A cotação do petróleo WTI subiu 9,54%, voltando ao patamar dos US$ 40/barril. Os fundamentos para a valorização do betuminoso vieram da reunião da Opep+ que cobra um rigoroso cuidado as cotas de produção de cada país e também da redução nos estoques de petróleo dos EUA.

 

1. Na tela da B3

 

Com a diminuição da força da alta no mercado físico, as cotações dos vencimentos futuros na B3 também perderam tração. O vencimento para outubro/20 registrou uma valorização de apenas 0,71% na semana, saindo dos R$ 245,45/@ e atingindo os R$ 247,20/@. Cabe a ressalva de que na quarta-feira a máxima histórica foi atingida, criando assim uma resistência a ser rompida nos R$ 249,00/@.
Para maio/21 os indicativos e negócios na B3 evoluíram com mais força, rompendo a barreira dos R$ 240,00/@ e fechando a semana cotado à R$ 242,50/@.
Pela segunda semana consecutiva o número de contratos em aberto na B3 cresceu, desta vez, o incremento foi de 3%, com pouco mais de 107,7 mil contratos em aberto (futuros + opções). O volume maior adveio principalmente das opções que atingiram 85,58 mil contratos negociados, com o total de PUTs em aberto aumentando 6% no comparativo semanal.
Os posicionamentos dos players não tiveram grandes alterações durante a última semana, com as Pessoas Física ainda assumindo uma posição maior comprada (pouco mais de 5,77 mil contratos), e do outro lado da balança (assumindo uma maior posição vendida), as Pessoas Jurídicas Não-Financeiras, com pouco mais de 4,16 mil contratos vendidos.

 

1.1 O que o mercado futuro proporciona?

 

Como mencionamos no último relatório, a preocupação com um “topo” se acentuava e cogitávamos a hipótese de que o boi gordo poderia ser freado pelo atacado da carne bovina. Agora, nesta semana, a diminuição da intensidade das altas semanais se junta ao atacado “sem força”, e aumenta a possibilidade de saturação das altas. Atente-se para o fato de pontuarmos “saturação das altas” e não “queda no preço”, acreditamos que a oferta restrita de gado não abre espaço para uma maior queda do boi gordo.
Continuamos a bater na tecla da proteção contra “cisnes negros” em 2020, problemas políticos/sanitários e qualquer outro podem bater com força no preço do boi gordo. E, para quem busca mitigação de riscos, as PUTs com strikes de R$ 235,00/@ já estão custando menos de R$ 1,50/@ (custo menor de 1% do valor protegido). Uma opção que se mostra estratégica e conservadora.
Para maio/21, acreditamos que a PUT sintética segue no radar sendo uma estratégia atraente, especialmente se realizada em ajuste com a venda de animais a termo, visto que pode melhorar o preço mínimo se comparada à PUT simples sem incorrer na incidência de ajustes até que o mercado bata o strike da CALL.
Os futuros de boi gordo se apresentam como uma opção plausível, no entanto, vale a ressalva que a demanda financeira para este tipo de operação é elevada. Com a recente estabilização do mercado flertando com um topo de R$ 250,00/@, a compra de contratos não se mostra mais tão atrativa para o ambiente especulativo. Até que novo sinais apareçam da demanda interna, a exposição em tal posição (comprado em boi gordo) se mostra com um risco grande e pouco horizonte de retorno.
O posicionamento de hedge em futuros mais interessante seria de olho em 2021, a venda de alguns contratos e uma pequena montagem de posição para produtores em maio/21 nos parece atrativa, com valores à R$ 242,50/@, muito próximo as cotações atuais. Ou seja, seria negociar animais com um desconto de pouco mais de 2% frente a entressafra de um dos anos mais secos da história, ainda assim, recomendamos cautela pois os ajustes diários podem pesar na conta.
O mercado a termo continua morno, ofertas de R$ 240-250 pipocam no país, mas grande parte dos produtores não buscam negociar, pois visualizam que há um espaço ainda maior para o animal subir.

 

2. Enquanto isso, no atacado…

 

Após sucessivas e fortes altas vistas nas últimas semanas, a cotação do boi casado no atacado parece ter encontrado uma resistência forte a ser rompida. Os valores pagos pela carne bovina nos atacados paulistas cresceram apenas 0,59% na semana, a menor alta semanal desde a terceira semana de agosto/20. O valor de referência para o boi casado ficou em R$ 16,24/kg, o maior da história.
Ainda que tenha evoluído, visualizamos uma dificuldade do varejo em repassar essas altas dos custos aos consumidores. Cortes bovino que normalmente tem um maior escoamento com a classe mais baixa da população brasileira, como o acém e coxão duro (cortes do dianteiro), sofrem com uma falta de interesse grande, e, desta forma travam qualquer valorização que possa ser visualizada no mercado atacadista bovino.
Parte da explicação para essa dificuldade de evolução dos preços da carne bovina vem de uma migração de consumo, não à toa, vemos o frango resfriado alcançar a maior alta dentre todas as proteínas analisadas. Com a redução do auxílio emergencial e o encarecimento de outros alimentos da cesta básica, o frango passou a ser mais bem visto, e o aumento da demanda fez os preços deste evoluírem 5,40% esta semana, atingindo a máxima histórica de R$ 5,34/kg. Como essa proteína estava vindo em um processo de valorização mais tímido que as outras (bovina e suína), acreditamos que há ainda espaço para que a cotação o frango resfriado avance ainda mais.
E pela 16ª semana consecutiva o preço da carcaça suína especial no atacado paulista se valoriza, atingindo o preço médio semanal máximo de R$ 11,52/kg. Apesar de estar rompendo máximas, a alta registrada na última semana foi a menor das últimas 11 semanas. Ou seja, assim como no caso do boi casado, um movimento de saturação pode estar se formando sobre as cotações da proteína suína no atacado brasileiro. O movimento que pode dar mais fôlego para a carcaça suína vem do ambiente externo, com um possível aumento das exportações devido a PSA na Alemanha, devemos ficar de olho nas exportações semanais para visualizar algo nesse sentido.
Por fim, os ovos, que viram seus preços continuarem estáveis na faixa do R$ 89,00/cx com 30 dúzias, sem grandes alterações nas últimas semanas. O período de maior demanda durante a crise pandêmica parece ter ficado no passado, e desta forma, os preços agora se estabilizam próximo ao que eram pré-crise.

 

3. No mercado externo 

 

A segunda semana de julho/20 trouxe consigo aumento nos volumes embarcados de carne bovina para fora do país, a média diária saiu de 5,90 mil toneladas na 1ª semana do mês para 7,02 mil toneladas na 2ª semana do mês, com isto a média do mês está em 6,60 mil toneladas/dia. Já são 52,80 mil toneladas de proteína bovina embarcadas no mês de julho/20, enquanto que no mesmo período do ano passado foram 46,33 mil toneladas.
A receita obtida com a venda da proteína bovina já chega à US$ 215,80 milhões, com a média diária avançando 13% frente a semana passada, estabelecendo-se em US$ 26,97 milhões/dia. Apesar destes avanços, os números de julho/20 ainda estão abaixo aos de junho/20, o que poderia indicar uma redução mensal da exportação de carne bovina, no entanto, com 15 dias úteis restantes, estimamos que julho/20 reserve uma exportação entre 130 a 150 mil toneladas de proteína bovina, dentro da linha dos últimos meses.
Apesar da aceleração e da melhora de 6% na média diária de milho exportada para fora do país, os embarques de cereal ainda seguem lentos frente ao mesmo período de 2019. Nos oito dias úteis de julho/20 foram exportadas 809,41 mil toneladas de milho, com uma média de 101,17 mil por dia. No comparativo com julho/19 a redução nos embarques chega a 60,73%.
A receita gerada pelas exportações de milho chegou a US$ 130,51 milhões nestes oito dias úteis de julho/20, mais do que o dobro de todo o mês de junho/20, no entanto, assim como o volume enviado, a receita obtida ainda está em níveis bem abaixo quando comparado a 2019. A tendência é que os embarques se intensifiquem apenas em agosto/20, com números compatíveis com os de 2019.
Justificada pela redução na oferta de oleaginosa disponível, a média diária dos embarques de soja para fora do país reduziu praticamente ¼ dentro de uma semana, saindo de 648,09 mil toneladas na primeira semana para 489,45 mil toneladas na segunda semana. Ainda assim, os números de julho/20 são mais de 50% maiores dos os que foram registrando em julho/19.
A receita obtida com a venda da soja já ultrapassou US$ 1,00 bilhão, e mesmo com a redução na oferta, deve chegar a mais de US$ 2,5 bilhões até o fim do mês. A janela de envio de soja para fora do país vai se fechando no Brasil, dando lugar aos embarques de milho, que devem começar a ocupar o lugar da oleaginosa nos navios graneleiros.

 

4. A compra do pecuarista

 

Na última semana, a autorização para se plantar soja no Mato Grosso foi dada (após o fim do vazio sanitário), e com isso, já é possível semear a oleaginosa em todo o país. Ainda assim, a movimentação de início de trabalhos se mostra lenta, isso por que a seca ainda se estende por grande parte do Brasil Central, colocando em risco o potencial produtivo da soja que for semeada agora. Vale a ressalva, que chegamos ao início da semeadura com mais de 40% da soja que será plantada no país já negociada. Para o pecuarista, vemos como pouco provável uma redução dos preços do farelo em 2020, e, para 2021, talvez um leve recuo possa ser visto, no entanto, acreditamos em preços estáveis na casa dos R$ 1.700-1.900/t em todo o país.
Quem não tem encontrado direcionamento é o milho, nas últimas semanas a cotação do cereal no mercado físico paulista continuou pautado nos R$ 59,00/sc, sem grandes variações, apesar da evolução do dólar e dos preços em Chicago. Com a relação de troca estabelecendo-se acima das 4,00 sc/@, acreditamos que seja um momento interessante para a compra de cereal, aos poucos, buscando fazer média para baixo.
Por fim, vemos o bezerro continuar seu processo de valorização, ultrapassando a marca dos R$ 2.300/cabeça em São Paulo e subindo mais de 5% no comparativo mensal com agosto/20. Ainda assim, o processo de alta deste animal dá sinais de saturação, principalmente quando comparamos a evolução do seu ágio frente ao boi gordo. Este indicador caminha para o seu menor valor desde fevereiro/20, indicando um possível esgotamento do fôlego de alta que o mercado pecuário obtinha. Particularmente, acreditamos que os preços do bezerro devem continuar evoluindo em 2020, no entanto, não com a mesma força observada nos últimos meses. E se estabilizando a partir de 2021.

 

 

5. O destaque da semana

 

Tivemos alguns destaques que mereciam nota aqui esta semana, como a evolução do frango ou a autorização para a o início da semeadura da soja no país, mas como tratamos desses assuntos em tópicos anteriores. Iremos focar no ambiente econômico brasileiro, já que na quarta-feira (16/09/2020), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central resolveu manter a taxa de juros em 2%, encerrando uma movimentação de nove semanas consecutivas com cortes na taxa Selic.
A decisão já era esperada e precificada pelo mercado, no entanto, vemos que a preocupação do governo começa a crescer em torno de uma inflação que aos poucos vai mostrando as suas “garras”, principalmente sobre os alimentos, item de consumo básico e comum para todo o brasileiro. Altas fortes e consecutivas em alimentos não são vistas com bons olhos na popularidade de governos. Apesar disso, o Copom deu sinais de que só irá elevar a taxa de juros no momento em que a inflação para o consumidor (IPCA) flertar com o centro da meta (4%).
De qualquer modo, os ciclos de baixa da taxa de juros brasileiros aparentemente chegaram ao fim, e, chegamos a um patamar nunca antes visto na história. E com os preços do agro em forte valorização (soja, milho, boi gordo, algodão, suíno, etc.), a atratividade para investimentos no setor nunca esteve tão em voga. Visualizamos tal movimento com otimismo, mas também com cuidados, principalmente para aqueles que tem adquirido bovinos de reposição a valores elevados e pretendem levar esses animais por mais longos períodos. Todo ciclo tem seu momento de virada, fique atento!

 

6. E o que está no radar?

 

Bem, chegamos a última semana completa de setembro/20 com um olhar mais calmo e preocupado sobre a continuação do movimento de valorização do boi gordo. A alta de quase 10% que o animal teve nas últimas quatro semanas não conseguiu ser repassada por inteiro para a carne bovina no varejo. Não à toa, vimos o preço da carcaça bovina no atacado não conseguir ultrapassar os R$ 16,00/kg.
Este fato, unido as renegociações do preço pago pelos chineses na proteína bovina brasileira, dificulta para que a cotação do boi gordo “comum” evolua acima dos R$ 250,00/@. Além disso, pontua-se o fato de que o aumento no custos de outros alimentos (arroz, feijão, oléo de soja, etc) diminuiu severamente o poder de compra da população, e com a redução do auxílio emergencial para R$ 300,00, acreditamos que a migração do consumo da classe mais baixa para o frango deve acontecer de maneira acelerada.
Desta forma, no radar dos negócios visualizamos que o animal deva passar por um momento de estabilização/leve queda nos próximos dias, ocasionados principalmente por uma demanda interna combalida. Ainda assim, a desvalorização não deve ser grande pois a oferta de bovinos continua fortemente reduzida, com as fêmeas praticamente “extintas” das linhas de abates. Por fim, confiramos a mensagem: há sinais de saturação na demanda para a carne bovina, no entanto, apenas o confinamento é que determinará se a desvalorização do boi gordo deve acontecer!